30.07.2011
Helena Geraldes
Na última década, mil fogos queimaram 40 mil hectares de áreas
prioritárias para a Natureza, especialmente no Parque Nacional da
Peneda-Gerês. Há tesouros naturais que não têm tempo para recuperar de
incêndios cada vez mais intensos e frequentes.
No coração de cada área protegida há uma zona considerada prioritária
para a conservação da natureza. Nela estão guardados refúgios
selvagens e as verdadeiras relíquias. Aqui, a terra queimada dos
incêndios é difícil de esquecer, a regeneração demora mais tempo.
Nas serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês, - nos distritos de
Viana do Castelo, Vila Real e Braga - arderam no ano passado 6300
hectares de área prioritária – área equivalente a seis mil campos de
futebol.
As chamas chegaram a uns dos últimos bosques maduros do país com
árvores centenárias, algumas com 500 anos, como carvalhos, azinhos,
teixos, azereiros e pinheiros-silvestres, uma das relíquias do parque.
A regeneração de árvores centenárias demora tempo. "Há situações em
que é preciso esperar centenas de anos, sem novos incêndios, para
voltarmos a ter os mesmos valores naturais", diz Lagido Domingos,
director do Departamento de Gestão de Áreas Classificadas do Norte.
Nem sempre o fogo tem impactos negativos e a capacidade de regeneração
natural pode mesmo surpreender, especialmente em florestas novas e em
zonas de matos. Mas há excepções. "Quando há fogos nas áreas
protegidas, diz-se que não é assim tão mau, que a vegetação recupera.
Mas as ervinhas verdes que crescem passados alguns dias não permitem a
mesma biodiversidade que existia antes dos fogos" naquilo que resta
das verdadeiras florestas do país, comenta Francisco Álvares, biólogo
do CIBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos
Genéticos, da Universidade do Porto) especialista em mamíferos
carnívoros que trabalha há vários anos na zona do Gerês.
Miguel Dantas da Gama, membro da direcção do FAPAS (Fundo para a
Protecção dos Animais Selvagens) tem opinião semelhante. "Em termos de
biodiversidade e de conservação, os efeitos dos fogos e o que resta
depois deles, são sempre piores em relação àquilo que existia", diz.
"A grande diferença é que uma floresta de exploração ou uma zona de
matos recupera ao fim de algum tempo; os bosques mais antigos vão-se
perdendo gradualmente porque a frequência dos incêndios não dá tempo
às árvores para crescer", acrescenta. "O facto de uma zona deixar de
estar negra, com terra queimada, para ficar verde poucos meses depois,
não quer dizer que já esteja tudo bem."
Com 8633 hectares de área prioritária ardida, a Peneda-Gerês é o
parque mais afectado do país. Lagido Domingos explica o cenário,
lembrando que esta é a área protegida com maior zona de protecção
total e com um relevo especialmente difícil para o combate aos
incêndios. "Nos vales profundamente encaixados, só é possível o
combate com meios aéreos". Mas nem sempre o resultado é o esperado.
"No ano passado, na Mata do Cabril, a água lançada pelos aviões do
combate ao fogo não conseguiu chegar ao solo por causa das copas dos
carvalhos, tão cerradas. Lá em baixo as chamas continuavam activas".
"O fogo não pode ser visto automaticamente como uma catástrofe"
Na última década arderam anualmente, em média, 13 mil hectares na Rede
Nacional de Áreas Protegidas. O ano de 2003 foi o mais gravoso - com
28.272 hectares ardidos em 604 fogos – e 2008 o ano em que menos
ardeu, com 2538 hectares queimados, em 472 ocorrências.
O Parque Nacional da Peneda-Gerês e o Parque Natural da Serra da
Estrela são as áreas protegidas que concentram mais área ardida e
maior número de ocorrências. Localizam-se nos distritos do país que,
segundo a Autoridade Florestal Nacional, são mais afectados pelo fogo:
Viana do Castelo, Vila Real, Braga e Guarda.
"Em termos de vegetação natural, a região do Mediterrâneo onde nos
encontramos é sempre muito susceptível ao fogo", lembra Francisco
Castro Rego, coordenador do Centro de Ecologia Aplicada Professor
Baeta Neves, do Instituto Superior de Agronomia, e antigo
director-geral dos Recursos Florestais. "É preciso perceber que muita
vegetação natural das nossas áreas protegidas, em alguns ecossistemas,
pode ter uma relação natural com o fogo. Por isso, este não pode ser
visto, automaticamente, como uma catástrofe".
Para Francisco Castro Rego,"o que não pode acontecer é deixar os
incêndios progredir descontroladamente". O objectivo maior, no seu
entender, "não é reduzir a área ardida mas aumentar a área ardida
controladamente", usando o fogo para combater o fogo. "Hoje em dia já
temos técnicos com muita preparação e capacidade para usar este
método, fazendo com que o fogo não aconteça no Verão mas noutras
alturas do ano em que seja facilmente controlado."
Este ano, de 1 de Janeiro a 25 de Julho, já arderam 2212 hectares de
área protegida, em 148 incêndios, segundo dados do Instituto de
Conservação da Natureza e da Biodiversidade. A Peneda-Gerês registou
1391 hectares de área ardida e a Serra da Estrela 651 hectares.
O ciclo destrutivo dos fogos preocupa o responsável do FAPAS, Miguel
Dantas da Gama. "Depois de um incêndio, aquilo que recupera primeiro é
o mato. Como se perdeu o bosque maduro, capaz de reter mais humidade
no solo, a zona torna-se mais vulnerável às chamas. O mato é um
combustível para os incêndios. De ano para ano, estes tornam-se mais
devastadores e os ecossistemas mais frágeis".
Enquanto Francisco Álvares falava da perda das áreas de refúgio do
lobo-ibérico observava da janela da sua casa, em Vila Real, três
colunas de fumo na paisagem que tinha no horizonte. "Digam o que
disserem, isto não é normal. Não nos podemos habituar a isto se ainda
quisermos ter um país" rico em biodiversidade.
http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1505340
Sem comentários:
Enviar um comentário