sexta-feira, 16 de março de 2012

Cientistas defendem fim da regra do consenso nas decisões mundiais de ambiente

15.03.2012
Ricardo Garcia

Quem já assistiu a uma conferência climática da ONU conhece bem a
cena. Nos plenários finais, quando todas as decisões têm de ser
aprovadas por unanimidade, basta que um delegado de qualquer país
levante o braço em desacordo, e tudo volta à estaca zero.

Um grupo de cientistas sociais defende, agora, que a regra do consenso
seja substituída por sistemas de maioria qualificada, de modo a
acelerar decisões importantes na área do ambiente e da
sustentabilidade. "A investigação na área da ciência política mostra
que sistemas de governação que se baseiam na regra da maioria são mais
rápidos a chegar a decisões de grande alcance e que os sistemas
baseados no consenso limitam as decisões às preferências dos país
menos ambiciosos", sustentam 32 cientistas de vários países, num
artigo publicado esta sexta-feira na revista Science.

Não é difícil encontrar exemplos. No último conselho de ministros do
Ambiente da União Europeia, sexta-feira passada, a Polónia, sozinha,
bloqueou uma decisão sobre os planos para reduzir as emissões
europeias de CO2 em 80% até ao meio do século. Os interesses daquele
país, fortemente dependente do carvão, prevaleceram sobre os dos 26
outros Estados-membros da UE, que estavam dispostos a seguir adiante.

Alterar os mecanismos de decisão na ONU em particular é um dos pilares
para a reformulação da governação global do ambiente propostos pelos
cientistas que subscrevem o artigo na Science – envolvidos no Earth
System Governance Project, um programa de investigação que congrega
uma rede mundial de especialistas nas ciências sociais.

O artigo baseia-se em perguntas específicas feitas a quatro dezenas de
cientistas em 2011. A principal conclusão é a de que pequenos avanços
"já não são suficientes para promover mudanças sociais a um nível e
com a velocidade necessária para reduzir ou adaptar às transformações
no sistema da Terra". Ou seja, é necessário uma alteração não só
profunda como rápida nos mecanismos de governação mundial.

Os cientistas defendem, por exemplo, a elevação dos programas de
ambiente da ONU a agências de facto, bem como a criação de um conselho
para o desenvolvimento sustentável, sob a tutela directa da
Assembleia-Geral das Nações Unidas. Este conselho deveria dar mais voz
ao G-20 – os países com as maiores economias do mundo e que somam dois
terços da população e 90% da riqueza global. O G-20 deveria ter pelo
menos metade dos votos no conselho, que só assim poderá "ter uma
influência significativa em áreas como a governação económica e do
comércio", justifica o artigo.

Maior transparência das agências internacionais, mais financiamento
aos países mais pobres e novos tratados mundiais para tecnologias
emergentes, como a nanotecnologia, bio-materias e geo-engenharia,
completam o menu de sugestões.

As propostas pretendem alimentar o debate que será travado na
Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, em
Junho. Um dos temas centrais em foco no Rio será a reforma
institucional necessária para fazer da sustentabilidade algo além de
uma mera palavra.

A discussão promete não ser fácil. Entregar o poder de novas
instituições globais ao G-20 pode facilmente inflamar os ânimos dos
países mais pobres. E eliminar a regra do consenso implica retirar uma
arma que muitas nações têm utilizado com frequência nas cimeiras
internacionais.

http://ecosfera.publico.pt/noticia.aspx?id=1538046

Sem comentários:

Enviar um comentário