quarta-feira, 14 de março de 2012

Refinarias a 60% da capacidade por falta de cana de açúcar

Associação nacional de refinação que diz indústria pode passar a "mera
embaladora"

12.03.2012 - 19:06 Por Ana Rute Silva
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(Foto: Carlos Lopes/Arquivo)
Países fornecedores preferenciais da União Europeia não conseguem
abastecer a indústria e a subida de preços da matéria-prima no mercado
mundial veio agravar o problema

Os refinadores de açúcar só estão a utilizar, em média, 60% da
capacidade instalada devido à falta de matéria-prima (rama de açúcar),
importada de fornecedores preferenciais com os quais a União Europeia
tem parcerias económicas.

Francisco Avillez, presidente da Associação de Refinadores de Açúcar
Portugueses (ARAP), que representa as duas maiores empresas do sector
(RAR e Sidul) - há ainda a DAI -, diz mesmo que, se não forem tomadas
medidas para facilitar o acesso à rama de açúcar no mercado mundial, a
indústria arrisca-se a transformar-se em "mera embaladora" e deixar de
lado a refinação. A ARAP defende que em causa estão 600 postos de
trabalho directos, num sector com um volume de negócios que ultrapassa
os 250 milhões de euros e é responsável pelo fornecimento de mais de
80% do açúcar banco no mercado nacional.

No âmbito da reforma da Organização Comum de Mercado (OCM) do Açúcar,
realizada em 2006, a União Europeia adoptou um conjunto de alterações
às condições de abastecimento da rama de açúcar, assente em previsões
de crescimento do sector que acabaram por não se concretizar. "A
importação da matéria-prima seria garantida por fornecedores
preferenciais de países menos desenvolvidos e com um preço favorável
mesmo quando o preço mundial fosse baixo", começa por explicar
Francisco Avillez.

A reforma da OCM previa o corte nas quotas de produção de açúcar a
partir de beterraba sacarina - Portugal acabou por ceder toda a sua
quota - e a importação de 3,4 milhões de toneladas de rama de açúcar
dos países ACP (Acordo de Parceria Económica), de África, Caraíbas e
Pacífico e das nações envolvidas na iniciativa Tudo menos Armas (48
países que exportam para a União Europeia com isenção de direitos e
sem estarem sujeitos a contingentes). Contudo, as importações não
ultrapassaram os dois milhões de toneladas e o mercado europeu começou
a sofrer com falta de matéria-prima.

"A principal explicação para esta carência está na falta de capacidade
produtiva dos fornecedores preferenciais para assegurarem o nível de
abastecimento necessário ao funcionamento normal das refinarias de
açúcar dos 27 Estados-membros ", diz Francisco Avillez, sublinhando
que a subida dos preços da rama de açúcar no mercado mundial (acima
dos preços da União Europeia) agravou o problema.

A falta de matéria-prima está a impedir as empresas portuguesas de
aumentar as exportações e rentabilizar toda a capacidade instalada, de
cerca de 600 mil toneladas por ano. A ARAP estima que o consumo
nacional de açúcar branco ronde as 300 mil toneladas anuais e que
cerca de 120 a 130 mil toneladas sejam vendidas para Espanha.

"Não pomos em causa os acordos preferenciais, mas deve haver um
mecanismo para recorrer ao mercado mundial sem pagar direitos [de
importação], quando não é possível comprar a matéria-prima", sublinha
o presidente da ARAP. A importação de rama de açúcar do Brasil, Cuba
ou Índia, por exemplo, só é permitida em quantidades muito pequenas e
está sujeita ao pagamento de direitos de importação.

Numa altura em que se discute o regresso à produção de beterraba em
Portugal - no final de Fevereiro os deputados do PSD e do PCP
apresentaram projectos de resolução no Parlamento nesse sentido -, a
ARAP teme que o Governo deixe de fora as pretensões dos refinadores na
ronda negocial em curso em Bruxelas, no âmbito da revisão da Política
Agrícola Comum (PAC). Para a associação, o regresso à beterraba, cujo
cultivo se concentrava sobretudo nas regiões do Ribatejo e Alentejo,
tem um "indiscutível interesse agronómico", mas é financeiramente
arriscado, nomeadamente, "face às perspectivas de evolução futuras dos
preços".

Contactado, o Ministério da Agricultura sublinha que, apesar das três
refinarias existentes em Portugal laborarem abaixo da sua capacidade,
"a existência da produção de açúcar de beterraba nacional, além de
promover a produção agrícola nacional, também pode reduzir a
dependência do exterior" da rama de açúcar. O futuro, diz fonte do
ministério, passa pela reforma da PAC e "quer seja por medidas de
regulação de contenção da produção, quer seja com contingentação das
importações, terá de se encontrar um equilíbrio e dispositivos
específicos" para ambos os sectores.

A Associação Nacional dos Produtores de Beterraba (Anprobe) já veio
defender o "papel importantíssimo" deste produto na rotação de
culturas e recorda que o fim do seu cultivo acentuou o desequilíbrio
da balança comercial, "uma vez que a importação de ramas agrava essa
balança em 150 milhões de euros por ano". Esta realidade que poderia
ser "invertida através da produção nacional" de beterraba para a
produção de açúcar, diz a Anprobe, num comunicado divulgado esta
semana.

A DAI, instalada em Coruche, era a única fábrica de transformação de
beterraba em Portugal e depois da OCM do Açúcar passou a usar a suas
instalações para a refinação de açúcar bruto de cana. A cultura da
beterraba chegou a envolver 600 agricultores e devido à reestruturação
da indústria o Governo optou por atribuir ajudas (que totalizaram 7,4
milhões de euros) aos que deixaram de produzir este hortícola.

Na Europa, a cultura da beterraba começou no século XIX no Norte de
França para acabar com a dependência do açúcar de cana das colónias.
Com o desenvolvimento do transporte marítimo e a concorrência do
açúcar de cana só se manteve graças a mecanismos de protecção.

http://economia.publico.pt/Noticia/refinarias-a-60-da-capacidade-por-falta-de-cana-de-acucar-1537512

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