quinta-feira, 15 de março de 2012

Escolas públicas agrícolas. Há 4 mil alunos de galochas e enxada o ano inteiro

Por Kátia Catulo, publicado em 15 Mar 2012 - 03:10 | Actualizado há 10
horas 23 minutos
Nos últimos quatro anos, as matrículas nas escolas públicas agrícolas
tiveram uma subida superior a 200%. Resta ver se este apelo do campo é
mesmo para durar
Há escolas do ensino público onde os alunos têm de trocar ténis por
galochas, lápis por enxadas, salas de aula por suiniculturas,
pavilhões de desporto por prados verdes com cabras e vacas leiteiras.
Se os miúdos das outras escolas desconfiassem que uns quantos colegas
seus, em vez de aprenderem dentro das salas, ficam boa parte do tempo
à solta nos campos, roíam--se de inveja. São quatro mil alunos a
frequentar 14 escolas profissionais agrícolas da rede do Ministério da
Educação. São poucos, mas eram muito menos há quatro anos, quando não
ultrapassavam os 1700 estudantes a frequentar cursos que dão
equivalência ao 9.º ou 12.º ano.

A Escola Profissional de Agricultura de Marco de Canaveses tinha 80
alunos em 2007 e hoje são 200. O número de estudantes cresceu em dois
anos de 120 para 330 na Escola de Cister, em Alcobaça. A Escola de
Carvalhais (Mirandela) tinha em 2009-2010 uma centena de estudantes e
neste ano lectivo são 314. Poder-se--ia continuar a enumerar os casos,
que em "quase todas as escolas a subida é expressiva", garante Luís
Barradas, dirigente da Associação Portuguesa de Escolas Profissionais
Agrícolas e director da Escola Agrícola de Serpa.
O que se passa com estes miúdos que de súbito querem aprender como se
cultiva tomate, como se conduz um tractor ou como se tira o leite a
uma vaca? "O desinteresse era natural, tendo em conta que se vendeu a
ideia de que podíamos viver sem o sector primário e continuaríamos a
crescer sem produzir", critica o director da Escola Profissional de
Agricultura de Carvalhais, Manuel Pereira. Mais do que indiferença,
foi um "complexo" que intimidou as gerações mais novas, conta Victor
Manuel Vítor, da Escola de Marco de Canaveses. Uma mudança no discurso
político e também uma maior visibilidade da agricultura na televisão
terão contribuído para despertar esse "novo apelo do campo". E agora
as escolas agrícolas estão a renascer, ampliando espaços,
requalificando salas e apostando em novos projectos. Em quase nada são
parecidas com os outros estabelecimentos da rede pública. Produzem
leite, vinho, azeite, queijos, cultivam frutas, hortícolas, cereais,
criam porcos, cabras, vacas ou ovelhas.
Tudo o que produzem é vendido a empresas, habitantes ou cadeias de
supermercados. As receitas servem para investir em obras, comprar e
manter a maquinaria ou compensar as perdas com produções não
rentáveis. "Se há coisa que estas escolas não podem ser é
auto-sustentáveis, pois o ensino não é compatível com uma produção
rentável", avisa José Aires da Silva, director da Escola Agrícola D.
Dinis, em Odivelas. As escolas agrícolas não dão lucro – esclarecem os
directores –, mas o certo é que se transformaram num dos principais
fornecedores das populações que habitam à sua volta. Todas as terças e
quintas-feiras, logo pela manhã, a escola de Alcobaça deixa entrar os
habitantes que vêm comprar alfaces, feijão, couves ou vinho.
Em Marco de Canaveses, os moradores da aldeia de Rosém não têm dia
para aparecer, embora boa parte dos produtos da escola sejam comprados
pelos próprios alunos, que aos fins-de-semana regressam a casa
carregados de encomendas para a família. As pipas de vinho abastecem
os restaurantes da cidade, o leite vai todo para uma união de
cooperativas e boa parte da fruta é vendida a outras escolas.
Em Mirandela é mais fácil ir às compras, pois o minimercado e a
queijaria da escola estão abertos todos os dias. A produção de queijos
deu origem a uma microempresa gerida pelos alunos, que apostaram no
público infantil ao inventarem queijos com sabor a gomas, chocolate ou
nozes. Manuel Pereira conta que, no total, a Escola de Carvalhais
angaria cerca de 150 mil euros de receitas anuais, investidos na
requalificação dos edifícios, na maquinaria ou em adubos. "Parece
pouco, mas faz diferença se tivermos em conta que o orçamento anual
que o ministério atribui à escola é pouco mais de nove mil euros."
http://www.ionline.pt/portugal/escolas-publicas-agricolas-ha-4-mil-alunos-galochas-enxada-ano-inteiro

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