sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Agricultura – um sectorde futuro em Portugal

Por Reis Pereira, publicado em 15 Nov 2012 - 03:00 | Actualizado há 1
dia 17 horas

Se a Bélgica consegue produzir por unidade de área 3, 4 vezes o que
produzimos, há um campo de melhoria que pode e deve ser aproveitado de
imediato


O diagnóstico é quase unânime, Portugal criou um Estado que não pode
pagar, cria riqueza como um país do terceiro mundo e gasta como um
país desenvolvido, precisando para cobrir o enorme deficit que
anualmente cria de financiamento externo. Tal financiamento veio vindo
enquanto houve crescimento, com a estagnação económica os nossos
credores deixaram de acreditar na nossa capacidade de lhes pagar, o
que se traduziu num aumento incomportável dos juros que nos vinham a
exigir, tornando esses empréstimos na prática inviáveis para o nosso
país.

Como deixaram de nos emprestar a juros razoáveis, tivemos de nos
socorrer da Troika, que nos exigiu um programa de ajustamento, de
acordo com o qual temos vindo a cortar nas despesas e a aumentar as
receitas do Estado, de modo a equilibrarmos as contas públicas. Grosso
modo, a ideia é que tal deve ser feito por três vias, baixando
drasticamente o nível a que estamos habituados a viver, fazendo cortes
na despesa e lançando reformas estruturais, que depois se traduzirão
em investimento e consequente aumento da actividade económica. A
receita tem vindo a ser posta em causa, mas a Troika insiste na mesma,
aguardando agora todos nós que retornemos ao crescimento económico.

Ora para um país crescer é preciso que sejam criadas as condições para
que esse crescimento aconteça, e aí são determinantes as chamadas
reformas estruturais (laboral, justiça, administrativa, concorrência,
administração pública, etc.), mas também é preciso ir atrás do chamado
investimento em bens transaccionáveis, e nesse campo o Estado não se
pode limitar ao papel de regulador, tem de fazer muito mais, tem de
avaliar sector a sector o que pode ser feito, identificar
oportunidades, como pode ajudar as empresas, como pode ser fomentado o
investimento, eventualmente ir mesmo atrás desse investimento.

Sendo pragmático, dificilmente se encontrará melhor sector em Portugal
para catapultar a riqueza produzida do que o chamado Sector Primário,
onde se incluem a exploração Mineira, as Pescas, a Floresta, a
Agricultura e a Pecuária. Centremo-nos nestas últimas.

Quem viaja pela Europa pode constatar algo que é comprovado pelas
estatísticas: a maior parte dos outros países explora muito mais o
espaço rural, as terras estão mais cultivadas, mais ordenadas, há
menos terrenos abandonados. Tome-se o exemplo da Bélgica, que tem uma
superfície de 30.500 km2 (Portugal tem 92.212 km2) e uma população de
10.7 milhões, muito semelhante à do nosso país, produzindo em 2010
mais 12.6% (Eurostat) do que o nosso país. Por via desse melhor
aproveitamento do espaço rural, a Bélgica tem uma balança comercial
agrícola positiva (+12%), enquanto em Portugal a taxa de cobertura é
de somente 66.8% (agro-alimentar e florestas incluídos, INE), situação
que se traduz numa sangria inconcebível de divisas do nosso país e num
risco político e social enorme, em caso de escassez alimentar.

Ou seja, se um país como a Bélgica consegue produzir por unidade de
área 3.4 vezes o que nós conseguimos produzir, seguramente que há um
campo de melhoria incontestável que pode e deve ser aproveitado de
imediato.

E como se produz mais, como se tornam os campos não explorados em
empresas agrícolas que produzem e que criam emprego? O Estado
seguramente que não o fará, os actuais proprietários estão
descapitalizados, e o investimento não cai do céu. E aqui é que está a
questão, o nó górdio que precisa de ser desatado.

Para produzir, é preciso reunir os factores terra, trabalho e capital.
Temos (já vimos) o factor terra, embora não integralmente disponível,
vamos ter mão-de-obra abundante, pelo que falta o factor capital.

Comecemos então pelo facto terra. As terras em Portugal, conforme já
referido, poderão ser bastante mais aproveitadas, é justo reconhecer
que poderíamos produzir mais, mas temos uma estrutura fundiária
deficiente (dimensão) nuns casos, e noutros os detentores das terras
ou não têm apetência para produzir ou estão descapitalizados. Ora
estes constrangimentos não são fatalidades, é possível tornar estas
terras disponíveis para quem queira produzir, nunca através de medidas
radicais do tipo Reforma Agrária, mas por via da fiscalidade.

Como? Quem tem um terreno tem um direito (a posse do bem), mas também
um dever para com a sociedade, que é explorá-lo na sua plenitude. Se o
Estado criar um regime fiscal mais duro para quem não produzir de
acordo com as aptidões dos terrenos que possui, com a alternativa dos
proprietários poderem disponibilizar esses mesmos terrenos para uma
verdadeira Bolsa de Terras (e nesse caso naturalmente que não iriam
ser onerados com a nova fiscalidade), proprietários com vontade de
investir poderão alugar a preços controlados novos terrenos e atingir
melhores economias de escala (emparcelamento), pessoas que estejam
fora da Agricultura e que queiram investir não terão de contar com o
custo de aquisição dos terrenos, impossíveis de amortizar em prazos
razoáveis, e capitais estrangeiros mais facilmente entrarão em
Portugal.

Relativamente ao factor trabalho, segundo os últimos dados
estatísticos (IEFP, Agosto), Portugal tem cerca de 300.000 pessoas
desempregadas sem qualquer apoio do Estado, pelo que é de prever que
tais pessoas estejam disponíveis para se adaptarem a uma nova
realidade, uma espécie de back to the basics.

Finalmente, na parte mais difícil, a parte do Investimento (capital),
é preciso ter ambição e ir à procura de investimentos reprodutivos, ou
seja, trazer para a exploração do nosso espaço rural não só quem
invista como também traga tecnologia, acesso a novos mercados e
dimensão. Algum desse investimento poderá vir de nacionais, mas
seguramente que quem tem capacidade para trazer o élan que falta, à
semelhança de muitos outros sectores da Economia portuguesa, terá de
vir de fora, e para tal é preciso ir à procura desse investimento, é
preciso que os nossos governantes façam diplomacia económica também
nesta área, que tenham já terrenos livres (por via da já referida
Bolsa de Terras) e que sejam facilitados todos os processos
burocráticos (licenciamento zero), para além de um regime fiscal
apetecível para os anos de arranque, não só ao nível dos custos
laborais como também ao nível do IRC.

As oportunidades existem e são fáceis de identificar. Por exemplo, não
há motivo algum para que os horticultores holandeses tenham de
investir em Marrocos, que fica a uma distância equiparável à de
Portugal mas que encerra em si um risco político muito diferente de um
investimento no nosso país, para não falar na qualidade da nossa
mão-de-obra, incomensuravelmente melhor; outro exemplo, dadas as
especificidades do nosso clima, conseguimos produzir em alturas em que
os outros países não conseguem, e como são terrenos novos a entrar na
produção não temos problemas de contaminação que existem noutras
paragens (exemplo: Levante espanhol), com implicações directas na
qualidade dos produtos; outro exemplo ainda, existe um contexto
económico e político propício para levar as grandes superfícies alemãs
a interessarem-se pela produção em Portugal.

A estratégia aqui sugerida não tem nada de extraordinário, as ideias
não são integralmente novas, aliás parece tão fácil que custa a crer
que ainda ninguém se tenha dado ao trabalho de ir por esta via. Ora
esse é exactamente um dos problemas graves do nosso país, elegermos
governantes que rapidamente perdem o fulgor de mudar seja o que for,
caindo nas teias das burocracias internas dos ministérios, dominados
por interesses instalados e grupos de pressão que castram toda e
qualquer vontade de mudança. De uma vez por todas, é preciso reagir e
prosseguir com uma estratégia do princípio ao fim, desta vez não
existem alternativas.

Este é o tempo de voltarmos ao que é básico, é preciso agora que seja
implementada uma estratégia coerente e ambiciosa de crescimento da
riqueza do sector agrícola, empobrecer não pode ser a nossa solução
colectiva.

Eng. Agrónomo e gestor de empresas

http://www.ionline.pt/opiniao/agricultura-sector-futuro-portugal

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