sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Portugal devia usar protecção do ambiente como trunfo nas negociações da PAC

07-11-2012





A política agrícola da União Europeia, actualmente em negociação,
devia passar a valorizar mais a protecção do ambiente e menos a
produção intensiva, defende o britânico David Baldock, director do
Instituto Europeu de Políticas Ambientais.

Segundo Baldock, se isso acontecer, Portugal pode ficar a ganhar.
«Deveria receber uma fatia maior do orçamento» da nova política
agrícola comum (PAC) europeia pós-2013, para a «investir na boa gestão
do ambiente agrícola».

O britânico, director do Instituto Europeu de Políticas Ambientais,
tem consciência de que a sua opinião é polémica, mas acredita que,
para preservar a sua capacidade agrícola, a Europa deve proteger a
biodiversidade e os ecossistemas mais frágeis, em vez de compensar
quem produz em quantidade e de forma intensiva. E, nesta visão,
Portugal tem um trunfo, em paisagens pouco produtivas mas com grande
valor ambiental, como o montado.

Se assim fosse, Portugal e outros países do Leste e do Sul da Europa,
que recebem menos apoios, passariam a auferir mais, podendo assim
compensar agricultores mais pequenos, que não praticam uma agricultura
intensiva e que protegem ambientes delicados.

Sobre o orçamento, Baldock, defende que «devia ser distribuído de
forma diferente, e devia ser dado mais dinheiro aos agricultores que
cuidam dos recursos». O instituto que dirige tem estado a acompanhar
de perto as negociações europeias para a nova PAC, a aplicar a partir
do próximo ano, elaborando relatórios de aconselhamento para a
Comissão Europeia.

Mas, neste momento, não está particularmente optimista. «Há uma luta a
acontecer na PAC em torno da questão de as ajudas aos agricultores
passarem a ser dependentes de condições ambientais», explica. Ou seja,
quem praticasse uma agricultura respeitadora do meio ambiente e da
biodiversidade teria uma compensação superior, um «incentivo directo».

Uma teoria que cria um problema, ou seja, «os países que têm o
dinheiro mostram alguma relutância em abdicar de uma fatia dele,
desviando-o dos apoios dados aos mais produtivos. O que acontece agora
é que o dinheiro tende a ir para os mais ricos, em França, Inglaterra,
Alemanha».

Um dos principais argumentos do instituto é o de que, ao protegermos
o ambiente, estamos a proteger «bens públicos», como a água, o solo e
a biodiversidade. «O Governo português devia estar a lutar por esse
princípio dos bens públicos. Em primeiro lugar porque é o correcto, e
em segundo porque isso beneficiaria Portugal».

Além disso, acrescenta, «as propriedades agrícolas nas zonas de
produção intensiva não precisam tanto do dinheiro público porque podem
viver muito mais do mercado».
Não serão necessárias escolhas drásticas. «Haverá lugar para coisas
diferentes, para uma agricultura intensiva e para uma extensiva, mais
tradicional, como existe em algumas partes de Portugal. Não se pode
pegar nos sistemas mais tradicionais e tentar convertê-los em sistemas
altamente produtivos, porque eles não conseguem sustentar isso».

Sublinha que não é um especialista na situação portuguesa, mas conhece
o país, pelo qual já viajou várias vezes. Há cerca de um ano esteve no
Douro e ficou preocupado com o que viu, assinalando que «é uma zona
muito bonita e bastante produtiva» mas constatou «que estão a
intensificar a produção, retirando alguns dos muros de pedra». Este
pode ser um bom exemplo: quem protegesse a paisagem devia ser
compensado por isso obrigar a produzir menos.

«Claro que os governos estão nervosos com a ideia de fazerem muitas
exigências aos agricultores. E estão compreensivelmente nervosos com a
possibilidade de isso implicar mais regras e regulamentos complexos.
Isso é um problema: como é que se leva os agricultores a ter uma
consciência»

Em relação à preservação das paisagens de montado, David Baldock diz
que a questão é ainda mais complicada em Portugal, onde há muitas
propriedades agrícolas de pequena ou pequeníssima dimensão»,
reconhecendo que «quando se tem uma propriedade pequena, não se pode
ter os agricultores afundados em papelada».

Uma agricultura mais selectiva, com a identificação dos terrenos mais
adequados a este ou àquele tipo de produção, exige profundos
conhecimentos técnicos. «Temos que ser capazes de dizer aos
agricultores que nesta área têm que ter cuidado com a biodiversidade,
e naquela podem aumentar bastante a produção. Mas para isso é preciso
que haja muito conhecimento técnico e especializado nas
administrações. E, até agora, não construímos essa capacidade ao nível
nacional».

David Baldok sublinha ainda que há uma questão muito difícil para
resolver na área dos biocombustiveis. «A União Europeia estabeleceu
como objectivo que até 2020 pelo menos 10 por cento da energia para
transportes deveria ser proveniente de fontes alternativas,
especialmente biocombustíveis. Mas vai ser muito difícil atingir essa
meta. Julgo que ela terá que ser reduzida e a Comissão está a pensar
fazê-lo porque reconhece que não é boa ideia ter uma grande quantidade
de produção agrícola a ir para dentro de carros».

Encontrar fontes alternativas de energia é positivo, mas «se usarmos
mais biocombustível, isso vai nos tirar mais terras agrícolas». Esse
cenário já é uma realidade nos Estados Unidos, onde «quase metade do
milho produzido é utilizada para fazer bioetanol».

É por isso que, segundo Baldock, o debate sobre a política agrícola
europeia está cada vez mais ligado ao debate sobre a política
energética. Se não houver coordenação entre as duas «estamos a pedir à
terra que, ao mesmo tempo, produza comida e energia, e ainda mantenha
a biodiversidade». Ou seja, «estamos a tentar retirar demasiado dos
recursos que temos».

Por enquanto, a situação na Europa não é preocupante. «Temos bons
solos, água, temos melhores condições para a agricultura do que muitas
partes do mundo». Precisamente por isso é que Baldock acredita que é
necessário preservá-los. As necessidades alimentares do mundo vão
crescer, e muito. Prevê-se que, para alimentar a população mundial em
2050, será necessário aumentar em cerca de 70 por cento a produção de
alimentos. Para que isso se faça de forma sustentada é preciso mudar
algumas coisas, entre as quais a nossa dieta, que hoje se baseia num
consumo exagerado de carne.

Outra coisa que terá que mudar é a mentalidade dos políticos. Neste
momento, nas negociações da PAC, «cada país está a tentar proteger a
sua fatia de orçamento e não a pensar no longo prazo». Baldock pensa
que mais cedo ou mais tarde isso irá mudar.

Uma forma de justificar estas ajudas, defende Baldock, é precisamente
explicar que os agricultores estão a cuidar de um património que é de
todos. «Se dentro de dez, quinze ou vinte anos houver mais procura de
alimentos, acompanhada por alterações climáticas, poderemos viver com
isso, mas só se a partir de agora começarmos a ser mais eficientes» Em
Bruxelas, o debate vai continuar.

As declarações do responsável foram avançadas numa entrevista ao
Jornal Público, antes da conferência que deu segunda-feira, em Lisboa,
na penúltima sessão do ciclo O Futuro da Alimentação: Ambiente, Saúde
e Economia, uma parceria da Fundação Calouste Gulbenkian com o
Público.

Fonte: Público

http://www.confagri.pt/Noticias/Pages/noticia45207.aspx

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