terça-feira, 16 de abril de 2013

Novo vírus H7N9 resulta da mistura de três outras estirpes da gripe das aves

REUTERS

15/04/2013 - 23:30

Desconhecido até agora entre os seres humanos, o novo vírus é instável
e continua a evoluir, revela análise dos dados genéticos disponíveis.

O novo vírus da gripe que veio das aves foi detectado nos humanos em
Março JASON LEE/REUTERS


O novo vírus da gripe das aves que já matou 14 pessoas na China ainda
continua a evoluir, o que dificulta o trabalho dos cientistas na
previsão de quão perigoso irá tornar-se. Os peritos em gripe dizem que
provavelmente a estirpe H7N9 ainda está a trocar genes com outras
estirpes, seleccionando aqueles que poderão torná-lo mais apto. Se for
bem-sucedido, o mundo poderá ter de enfrentar a ameaça de uma
mortífera pandemia da gripe. Também pode dar-se o caso, no entanto, de
falhar e desaparecer simplesmente.

Ou seja, o vírus continua instável e essa instabilidade levanta
questões sobre se o H7N9 irá tornar-se resistente a fármacos
antivirais como o Tamiflu, uma possibilidade já sugerida pela análise
dos dados genéticos disponíveis até agora.

"Mesmo só com as sequências disponíveis de três genes, há algumas
provas de que um deles não tem muito a ver com os outros dois. Por
isso, pensamos que o vírus ainda anda à procura de uma constelação
genética com a qual fique contente", diz a virologista Wendy Barclay,
do Imperial College de Londres. "Talvez haja outros vírus por aí com
que esteja a trocar genes até ter uma constelação estável."

Para poder dizer com certeza que esta nova estirpe, nunca vista nos
humanos até Março, pode evoluir e causar uma pandemia, os cientistas
precisam de saber mais.

Tripla mistura
Para já, as sequências de amostras recolhidas em três vítimas do H7N9,
que foram disponibilizadas no site Global Initiative on Sharing All
Influenza Data(GISAID), mostram que a estirpe é de um vírus de
"combinação tripla", com uma mistura de genes de três outras estirpes
de vírus da gripe encontradas em aves na Ásia.

Na edição da revista norte-americana New England Journal of Medicine,
da semana passada, equipa de Rongbao Gao, do Instituto Nacional para o
Controlo e Prevenção das Doenças Virais da China, analisou em detalhe
a origem do vírus e conclíu que, até agora, parece que a combinação de
genes do H7N9 ocorreu quando ele se encontrava nas aves ou em qualquer
outro mamífero, mas não nos humanos – um sinal que, de alguma forma, é
tranquilizador.

Wendy Barclay diz que é possível esta combinação de genes continuar e
pode significar que demorará algum tempo até o vírus encontrar uma
forma em que se consiga disseminar rápida e eficazmente nas populações
de aves. Por agora, as análises genéticas mostram que o vírus adquiriu
algumas mutações que tornam mais provável a sua disseminação entre
mamíferos e capaz de iniciar uma pandemia humana.

Um estudo no jornal online Eurosurveillance, levado a cabo pelos
especialistas Yoshihiro Kawaoka, da Universidade do Wisconsin, nos
Estados Unidos, e Masato Tashiro, do Instituto Nacional das Doenças
Infecciosas em Tóquio, Japão, concluiu que as sequências do H7N9 "têm
várias características típicas dos vírus da gripe dos mamíferos, que
são susceptíveis de contribuir para a sua capacidade de infectar os
humanos". Estas características "suscitam preocupações em relação ao
seu potencial pandémico", escreveram os cientistas.

Este receio foi admitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS),
neste sábado, referindo que "são preocupantes mudanças genéticas
observadas em vírus H7N9, sugerindo uma adaptação aos mamíferos". E
alertou: "Podem ocorrer mais adaptações."

Potencial pandémico
Embora os peritos estejam relativamente tranquilos pelo facto até
agora não haver provas de que o H7N9 se transmita de pessoa para
pessoa – o que aumentaria drasticamente o seu potencial pandémico –, o
desconhecimento de como 60 e tal pessoas ficaram infectadas por esta
estirpe também os deixa pouco tranquilos.

"Sabemos que os vírus H7 podem passar para os humanos. Para mim, a
coisa mais importante a descobrir agora é de que espécie o H7N9 está a
passar", diz An Osterhaus, chefe de virologia do Centro Médico Erasmus
da Holanda. "É de uma só espécie? É de diferentes espécies? Nesta
altura, falta-nos muitos dados."

An Osterhaus considera que uma vigilância apertada das aves selvagens,
como patos e codornizes, e de aves de capoeira, como frangos, bem como
de mamíferos bem conhecidos por hospedarem vírus da gripe como os
porcos, deverão permitir encontrar respostas.

Recentes vírus pandémicos – incluindo o vírus da "gripe suína" H1N1,
de 2009-2010 – têm uma mistura de vírus da gripe de mamíferos e das
aves. Os peritos dizem que estes híbridos têm mais probabilidade de
ser suaves, porque a gripe dos mamíferos tende a tornar os humanos
menos doentes do que a gripe aviária. Geralmente, as estirpes puras da
gripe das aves – como a nova H7N9 e a H5N1, que matou 371 pessoas
entre as 622 que infectadas desde 2003 – são mais letais para as
pessoas. A pior pandemia conhecida, a gripe espanhola de 1918, que
matou mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, foi causada por
um vírus da gripe das aves que adquiriu mutações que permitiram a sua
disseminação eficiente entre os humanos.

David Heymann, perito em gripe e director do Centro sobre Segurança da
Saúde da Chatham House, uma organização não governamental com sede em
Londres, com a missão de promover a compreensão de temas
internacionais, considera importante colocar a descoberta do H7N9 nos
humanos no contexto das capacidades científicas actuais. Nos anos
seguintes ao surto da síndrome respiratória aguda grave (SARS, na
sigla inglesa), na China em 2003, diz ainda David Heymann, tem sido
dada mais atenção à detecção e à notificação de infecções
respiratórias parecidas com as da gripe na Ásia e por todo o mundo. A
SARS matou uma em cada dez pessoas, entre as 8000 infectadas em todo o
mundo.

Quanto mais os cientistas procuram, acrescenta este especialista, mais
provável é encontrarem vírus que são potencialmente ameaçadores. Mas
também pode ser como ocorrências que, no passado, surgiram tão
depressa como desapareceram sem terem sido sequer apanhadas pelo radar
da vigilância da gripe. Tendo dito isso, David Heymann considera que
esta não é altura para se ficar descansado. "Os vírus da gripe são
sempre muito instáveis. Qualquer mutação é aleatória, por isso ninguém
consegue prever quando irá acontecer. É preciso estar sempre atento."

http://www.publico.pt/ciencia/noticia/novo-virus-h7n9-resulta-da-mistura-de-tres-outras-estirpes-da-gripe-das-aves-1591385

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