sábado, 20 de abril de 2013

ENTREVISTA Assunção Cristas diz que "a agricultura não é uma moda"

A ministra da Agricultura aposta na promoção de Alqueva e na
internacionalização da agricultura. E revela como está a conciliar a
gravidez com a agenda política.

Joana Madeira Pereira e Rosália Amorim
11:11 Sexta, 19 de Abril de 2013
Nuno Fox
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A gravidez não impede Assunção Cristas, ministra da Agricultura, de
continuar a exercer em pleno as suas funções, mesmo que a agenda
compreenda várias viagens pelo mundo. A governante afiança que o
sector "está vivo e com esperança"e recusa a ideia de que a
agricultura seja apenas uma moda anticrise.

Como é que os seus interlocutores lidam com a gravidez?
Recentemente, encontrei o ministro da Agricultura de Moçambique em
Berlim, na Semana Verde reunião ministerial promovida pela ministra da
Agricultura alemã que juntou 80 ministros do mundo e que me dizia, com
pena, que por causa da gravidez provavelmente eu já não iria a
Moçambique. Mas eu respondi: 'Eu vou. Já lá estive grávida e não tem
problema nenhum'.

Recentemente esteve em Moçambique, com uma missão empresarial.
Portugal terá ali oportunidades?
Há oportunidades locais, é uma área em que temos conhecimento e
escala, com o Alqueva onde teremos 120 mil hectares de regadio. Se
olharmos para o que existe em Moçambique inteiro, são apenas 50 mil
hectares de regadio. Para mais, o país tem água, bacias hidrográficas
e rios internacionais e essa é mais uma área em que podemos trabalhar
e dar formação.

Não receia fazer viagens de longo curso e a África?
Sempre que estive grávida trabalhei e fiz viagens, até para dar aulas,
e isso não me assusta.

Como vai preparar a sua ausência do Ministério e quanto tempo ficará
fora, de licença?
Eu ainda não estou a pensar nisso, com franqueza. Quando chegar a
altura, logo verei. Mas os secretários de Estado estão todos aptos a
assegurar as matérias. O secretário de Estado da Agricultura, por
delegação de competências, é que terá de me substituir.

O secretário de Estado da Agricultura coordenará?
Não, eu acho que não vai ser preciso nada disso. Cada pessoa sabe
exatamente o que tem de fazer e eu não vou propriamente desaparecer.
Vou estar tranquila, durante algum tempo, e vai correr tudo bem.

Vai tirar a licença de maternidade a que tem direito?
Algum tempo hei de estar em casa, tranquila. Seguramente. Mas ainda
não pensei em detalhes.

Portugal pode atrair investimentos moçambicanos. Em que áreas fazem
mais sentido?
São sempre bem-vindos! Sempre que estamos com estrangeiros destacamos
o sector alimentar, porque numa altura em que o país retrai a 3,2%
temos a agricultura que cresce em 2,8% (ainda não há números relativos
ao ano de 2012 sobre o crescimento do sector da agricultura), mas isto
significa que há um sector que cresce e que tem capacidade de criar
emprego, nomeadamente na criação do próprio posto de trabalho, por
exemplo com a instalação de jovens agricultores.

Como é que cresceu o seu número?
Quando chegámos ao Governo abrimos a linha de apoio aos jovens
agricultores em permanência e começámos a receber na linha dos 200 por
mês, depois 240 e no último dezembro, talvez por ser o final do ano
para a contratação dos fundos, tivemos uma avalanche de 700 pedidos de
instalação de novos agricultores, o que nos subiu logo a média do ano
de 2012 para 280.

É vital fazer a renovação etária dos agricultores?
Precisamos renovar a média, que é muito elevada. Abaixo dos 35 anos
tínhamos apenas 2%.

Além de rejuvenescer para crescer, o que falta mais?
Falta acrescentar mais valor, por isso a parte do agroalimentar e
agroindústria é relevante, até porque quando fazemos o comparativo na
balança comercial estamos a aumentar a produção e a exportar mais, de
forma sustentada e acima da média das exportações. Temos também de ter
uma estratégia de internacionalização, que a Portugal Foods articulou
com a FIPA, PortugalFresh, entre outras. Hoje há um documento que é um
instrumento de informação do sector e que nos ajudará a mobilizar
fundos comunitários. Isto alinha com o nosso site , Agriglobal, do
Gabinete de Planeamento, de apoio à internacionalização.

Como é que o regadio do Alqueva está a avançar? De que modo conquistou
a McDonald's?
Temos 60% do que já está infra-estruturado em produção. Quando olho
para os 100% digo sempre que 60% é pouco, porque falta 40%, mas na
verdade é bom. Em 2015 queremos ter os 120 mil hectares estruturados e
com culturas, e a verdade é que têm estado a chegar projectos
interessantíssimos. Por exemplo, a McDonald's está agora a fazer
plantação de cebolas. Levou a espécie específica de cebolas que
utilizam e que hão de abastecer o mercado europeu.

Algum outro exemplo de destaque em Alqueva?
Há uma fábrica de tomate, de japoneses a procurar oportunidades para o
cultivo. Temos o Qatar muito interessado também no Alqueva, e já
estive com o embaixador do Qatar. Há também um bom diálogo com a China
nesse sentido, já estive com o embaixador e, na semana passada, estive
em Roma numa reunião dos ministros do sul da Europa com o
vice-primeiro-ministro chinês, que trata da área do desenvolvimento
rural, para procurarmos ter uma acção conjunta. Nesse discurso
destaquei o Alqueva porque sem prejuízo de outras zonas do país aqui
estamos, de facto, a assistir a uma reformulação profunda.

O orçamento comunitário 2014-2020 sofreu cortes. No que diz respeito à
PAC, que balanço faz?
É a primeira vez que temos um orçamento que diminui. No caso da PAC o
corte geral médio para os países foi de 14,4%, mas para Portugal foi
de 7,4%, uma redução menor do que a média geral. Quer no primeiro
pilar, de ajudar directas, quer no segundo, de ajuda ao investimento,
temos uma melhoria em relação aos outros países, o que é positivo.

Como é que convenceu a comissão Europeia a cortar menos em Portugal do
que aos outros países?
Com duas coisas. Uma: os números da execução do PRODER. Quando
começámos as negociações, a CE tinha muito má memória da execução dos
fundos comunitários em Portugal e nós demonstrámos que tivemos o
PRODER executado acima dos 60%, o que está acima da média comunitária.
O ano passado, conseguimos executar 704 milhões de euros foi o melhor
ano de sempre. No ano anterior, tínhamos 660 milhões. Duas: a criação
de emprego aliado ao crescimento de 2,8% no sector alimentar, que,
para a Europa, é um valor muito positivo; mais o aumento das
exportações (cerca de 12% de crescimento médio nos últimos anos; se
formos para alguns sectores específicos, como os frescos, por exemplo,
16%; no ano passado, os frescos atingiram os 1000 milhões de euros,
ficaram acima do vinho, cerca de 650).
Sem esquecer a modernização. Aliás, o secretário de Estado da
Agricultura costumava dar o exemplo de uns bombons de queijo de
Trás-os Montes e levou-lhes esses bombons para provarem. Por isso,
entre os grandes números e o exemplo concreto, e dizendo-lhes que se
estão a instalar, em média, 240 jovem agricultores, conseguimos
convencê-los.

Considera que a agricultura não é só uma moda?
Penso que, pelo contrário, é um discurso que tem durabilidade e
sustentabilidade a médio/longo prazo. Temos um mercado interno para
preencher, continuamos a importar muito. Segundo: temos um mundo que
será mais populoso. Além disso, temos de ajudar a desenvolver as
agriculturas em várias geografias.

A PAC prevê um corte mas atribui uma tranche em condições
preferenciais para o desenvolvimento rural. O que significa isso para
o sector?
Temos 500 milhões de euros sem cofinanciamento nos primeiros anos.
Temos uma taxa de cofinanciamento nos 85%, que é positiva para um país
que tem limitações orçamentais e isso ajuda a poder executar os fundos
mais rapidamente.Temos uma sinalização que foi feita pelo
primeiro-ministro e que significa, ao nível dos regulamentos
comunitários, ter a hipótese de poder eleger a irrigação no Fundo de
Desenvolvimento Regional. E isso é importante, porque nos dá a
oportunidade de poder alocar mais uma área, onde podemos alocar um
montante relevante e, com isso, também ajudar a agricultura.

O seu homólogo espanhol, Miguel Cañete, anunciou que vai aplicar
multas de 3 mil a 1 milhão de euros sempre que a indústria alimentar
abuse de um agricultor ou ganadeiro. E multas de 100 mil euros sempre
que haja atrasos nos pagamentos. Portugal vai aplicar medidas do
género?
Temos no Parlamento uma lei sobre práticas restritivas de comércio
onde há uma série de práticas que são proibidas e que têm penalizações
fortes. Aliás, por isso é que foi para o Parlamento: porque excedia o
regime geral das contraordenações. Essa legislação, bem como a
legislação que tem a ver com os prazos de pagamento, foram aprovadas
no Conselho de Ministros, no seguimento do trabalho da PARCA
Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar.
Recentemente, no Conselho de Ministros, aprovámos o Pacote do Leite,
que estabelece contratos obrigatórios, com quantidades, preço,
critério objetivo de variação do preço. Ou seja, há aqui um conjunto
de legislação que reforça a necessidade de termos uma cadeia
agroalimentar a funcionar de uma forma que seja mais equitativa.

E as multas previstas serão da mesma grandeza?
As multas serão muito mais pesadas do que as que existiam, estão
inseridas precisamente no Diploma das Práticas Comerciais Restritivas,
que está para trabalho no Parlamento. Entretanto, baixou à comissão.
Os valores dependem, porque há a diferenciação entre as micro, as
pequenas e as médias e grandes empresas ou pessoa singular. Estamos a
falar de multas que podem ir até largos milhões de euros.

Em relação à polémica carne de cavalo, como é que Portugal está a
prevenir e a actuar?
Essa matéria é , essencialmente, de fraude ao consumidor. O que está a
acontecer em Portugal, acontece em todos os outros países: há uma
fiscalização da entidade responsável por esta matéria. A fiscalização
dos produtos da distribuição é uma responsabilidade da ASAE. Trata-se
de uma matéria que veremos em Conselho de Agricultura, que já está
marcado para os próximos dias. Mas isto também significa que estes
alertas europeus funcionam.

Esteve envolvida no polémico debate da Lei das Rendas, na Assembleia
da República, muito marcado pela disputa política entre as forças da
coligação de Governo. Sentiu-se testada naquele momento?
Tem graça, não vejo nada as coisas assim. Estranharia se estivéssemos
a aplicar a lei e não houvesse nada a ser sinalizado. Penso que o que
é importante é termos forma de destrinçar o que é a lei, tal como foi
aprovada e como está a ser aplicada (e se está a ser aplicada conforme
a lei), e o que é o combate político em torno da lei, por parte de
quem sempre se opôs à lei e não mudará de opinião. Depois, há aqui
também um contexto político sensível, que é a proximidade das eleições
autárquicas. O que eu peço é que a pretexto do combate político não se
ajude a desinformar as pessoas e a gerar mais confusão. Isso é que eu
acho que é ilegítimo e intelectualmente muito pouco honesto.

A propósito de outra pasta que tem em mãos, para quando a privatização
da Águas de Portugal?
Está tudo a andar como previsto. Nas Águas, temos com objetivo lançar
no segundo semestre deste ano a venda e, durante este ano todo, fazer
a reestruturação do grupo, na parte das águas. E isso está a andar.



ADN africano da ministra Assunção Cristas

Nome
Assunção Cristas

Função
Ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território

Próximas missões ao estrangeiro
Maputo (Março), São Paulo (Abril) e Brasília

Nascimento e naturalidade
Nasceu em 1974, em Angola Formação Jurista doutorada

Maternidade
Vai ter o quarto filho no próximo verão



Este artigo é parte integrante da edição 347 da Revista EXAME



http://expresso.sapo.pt/assuncao-cristas-diz-que-a-agricultura-nao-e-uma-moda=f799369

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