quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

A agricultura portuguesa: 2013 terá sido um ano de viragem no crescimento económico do sector?

OPINIÃO


Francisco Avillez



1. Uma das principais características da evolução da agricultura portuguesa desde a nossa adesão às Comunidades Europeias (CE) em 1986 é a diminuição, em volume, do valor acrescentado bruto (VAB) agrícola, a qual tem na sua génese um decréscimo, quer da superfície agrícola cultivada nacional, quer da eficiência económica no uso dos factores intermédios de produção agrícola o que só parcialmente foi compensado pelos ganhos verificados na produtividade em volume da superfície agrícola cultivada.

De facto, entre o triénio imediatamente anterior à nossa adesão às CE (1983-84-85) e o triénio 2011-12-13, o VAB em volume da Agricultura Portuguesa decresceu a uma taxa média de -0,7%/ano, ritmo de decréscimo este que foi mais acentuado na última década (-1,2%/ano).

Da análise dos factores mais directamente determinantes desta evolução desfavorável do VAB agrícola nacional, pode-se concluir, de acordo com as minhas estimativas, que ela resultou de:

reduções significativas na superfície agrícola cultivada nacional que atingiram uma taxa média de -2,3%/ano;

perdas sistemáticas na eficiência económica no uso dos factores intermédios de produção agrícola que se caracterizaram por uma taxa média anual de -1,4%;

elevados ganhos médios de -3%/ano na produtividade em volume da superfície agrícola cultivada, os quais não foram, no entanto, suficientes para compensar as perdas verificadas nas áreas cultivadas e na eficiência dos factores intermédios.

2. De acordo com os dados provisórios recentemente disponibilizados pelo INE sobre as Contas Económicas de Agricultura de 2013, é possível verificar que, contrariamente à tendência destas últimas décadas, o VAB agrícola em volume cresceu 4,7% entre 2012 e 2013 e que tal crescimento parece ter resultado, exclusivamente, de uma melhoria, percentualmente idêntica, na eficiência do uso dos factores intermédios. Digo parece, porque não existem dados que nos permitam estimar a evolução entre 2012 e 2013 na superfície agrícola cultivada e, portanto, da respectiva produtividade em volume.

O que se sabe é que o volume de produção agrícola cresceu neste último ano 0,3%, o que, na minha opinião, deve ter sido consequência de aumentos na superfície agrícola cultivada e não na respectiva produtividade em volume.

3. Em qualquer caso, o que importa aqui sublinhar é que a agricultura portuguesa cresceu de forma "virtuosa" no ano de 2013, uma vez que tal crescimento foi alcançado, no essencial, por uma notável melhoria na eficiência do uso dos factores intermédios de produção agrícola e que esta melhoria resultou de um aumento do volume da produção agrícola (0,3%) acompanhado por uma redução do consumo dos respectivos factores intermédios de produção (-2,5%).

Até que ponto é que estes resultados tão favoráveis correspondem ou não a uma viragem no comportamento económico do sector, é uma dúvida a que só será possível responder, de forma segura, em função dos resultados económicos sectoriais dos próximos anos.

4. Vale a pena, no entanto, analisar se terá sido a primeira vez que este crescimento "virtuoso" da agricultura portuguesa se terá verificado nos últimos anos.

Se analisarmos, nesta perspectiva, a evolução dos resultados económicos agrícolas na última década, é possível concluir que o VAB agrícola, em volume, já tinha apresentado evoluções favoráveis em dois dos anos da década em causa:

no ano de 2006, em que o VAB agrícola em volume cresceu 6% em relação a 2005, crescimento esse associado a um aumento de 4,4% na eficiência no uso dos factores e resultante de um aumento de 1,4% no volume da produção e de um decréscimo de -1,8% no consumo de bens intermédios;

no ano de 2008, em que o VAB agrícola em volume cresceu 4,4% em relação a 2007, crescimento esse associado a um aumento na eficiência económica dos factores intermédios de, apenas, 1,8% e resultante de um aumento, quer no volume da produção agrícola (2,6%), quer no consumo em volume dos factores intermédios (1,3%).

5. Não se pode, portanto, afirmar que 2013 foi o único ano desta última década com um desempenho económico favorável.

No entanto, a evolução entre 2012 e 2013 parece-me ser mais favorável do que a dos outros anos, porque:

o crescimento do VAB em 2006 foi, em grande medida, consequência da elevada quebra de produção agrícola ocorrida no ano de 2005;

o crescimento do VAB em 2008 foi menos "virtuoso" do que em 2013, uma vez que, não só os ganhos de eficiência económica no uso dos factores intermédios explicam, apenas, 40% do aumentos em volume em 2008, enquanto que em 2013 explicam 100% dos ganhos em causa, como também o aumento, em volume, do VAB se baseou no ano de 2008 em aumentos no volume da produção à custa de acréscimos no volume dos factores intermédios utilizados, enquanto que em 2013 os ganhos de VAB foram obtidos por se produzir mais utilizando menos factores.

6. É cedo, no entanto, para começarmos a deitar foguetes, mas não podemos deixar de estar satisfeitos que, num ano económica e financeiramente tão difícil, a Agricultura Portuguesa tenha sido capaz de fazer crescer de forma "virtuosa" o valor acrescentado nacional. Assim saibamos fazer no futuro as opções correctas no contexto da aplicação em Portugal das medidas de política do 1º e do 2º Pilar da PAC, ou seja, aquelas que melhor contribuam para:

aumentar a capacidade para gerar de forma sustentável o valor acrescentado nacional;

melhorar a eficiência na utilização dos factores intermédios de produção e dos recursos solo, água e energia.

Em minha opinião, a concretização destes dois objectivos na próxima década vai implicar, no essencial, que, no futuro:

se evite, no âmbito da aplicação dos pagamentos ligados à produção (PLP), reintroduzir alterações nas relações dos preços base (preços no produtor mais subsídios ligados aos produtos, incluindo os PLP ) entre produtos e entre produtos e factores de produção que estiveram, em minha opinião, na origem das perdas de eficiência económica verificadas, nas últimas décadas no uso dos factores intermédios e dos recursos solo e água;

se adoptem no contexto do PDR 2014-2020 medidas de apoio ao investimento e medidas agro-ambientais capazes de contribuir para a obtenção de ganhos de competitividade e de sustentabilidade e não, como em programas anteriores, para assegurar, artificialmente, a manutenção dos níveis de suporte dos rendimentos dos produtores agrícolas;

se reforcem as medidas de apoio ao aumento do poder negocial das OP a montante e a jusante das respectivas cadeias de valor e se assegure uma mais abrangente e eficaz gestão dos níveis de mercado;

se promova um sistema de investigação, desenvolvimento experimental e transferência de conhecimentos capaz de responder de forma consistente e atempada à identificação e aplicação de soluções tecnológicas orientadas para uma melhoria de eficiência no uso dos factores, do ponto de vista quer produtivo, quer ambiental.

Francisco Avillez
Professor Catedrático Emérito, ISA/UL

Publicado em 23/01/2014

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