sábado, 24 de janeiro de 2015

"Não devemos vender o vinho do Porto barato"


Adrian Bridge, Diretor-Geral da Fladgate Partnership, fatura cerca de 100 milhões de euros, o mesmo valor que investiu nos últimos anos. Agora que o Douro está no topo mundial de vinhos, defende o fim do subsídio às uvas para o vinho do Porto e a liberalização do mercado. Porque interessa a qualidade, não a quantidade

Cesaltina Pinto (Entrevista publicada na VISÃO 1140, de 8 de janeiro)
15:07 Sábado, 24 de Janeiro de 2015 |


 17  0    Comentar Imprimir Email
"Não devemos vender o vinho do Porto barato"

Pertence à linhagem de uma das primeiras famílias inglesas a negociar vinho do Porto. A empresa começou por ser Taylor Fonseca e agora é o grupo Fladgate Partnership, mas continua familiar, com as marcas Taylors, Croft, Fonseca e Krohn. Com Adrian Bridge ao leme, expandiu-se para o turismo e para a distribuição, embora continue a produzir unicamente vinho do Porto. Gere 11 quintas e está a investir €1,5 milhões num centro de visitas na Quinta da Roeda. 
A Fladgate comprou muitas outras empresas no Douro. Porquê?

Quando cheguei à liderança do grupo, em 1998, decidimos ganhar escala para concorrer mundialmente. Atendendo à concentração das redes de distribuição mundiais, permanecer uma empresa pequena tinha riscos. A nossa última compra foi em 2013, com a Wiese & Krohn, uma marca ainda não muito conhecida, mas com vinho de boa qualidade. Há um crescimento mundial da procura dos vinhos 'velhos', com 10, 20 e sobretudo 30 e 40 anos. Ao lançarmos o Scion [um dos mais antigos e raros vinhos do Porto Tawny] provamos que existem consumidores, e colecionadores, com capacidade financeira para estes produtos especiais. Foi um grande sucesso. É um vinho de 1855, que vendemos numa caixa por €2500!. Ficamos com stocks de muito boa qualidade para crescer no mercado de vinhos mais antigos. 

Quais foram as grandes mudanças ?do Douro?
As redes rodoviárias. A consequência é que há muitos mais projetos. Pode-se viver no Porto e ter um projeto lá. Apareceu uma nova geração que rentabiliza melhor as suas quintas, não vende só as uvas. Houve também uma mudança política. Há 20 anos, a Casa do Douro tinha uma forte importância e hoje está extinta. Estas alterações trouxeram capacidade para o Douro reduzir a dependência do vinho do Porto, embora este ainda pague 75% das contas dos lavradores. O turismo alterou o desenvolvimento socioeconómico. Antes, os mais jovens só podiam trabalhar no campo. Hoje, a hotelaria dá ali muito emprego.

O turismo ali já tem viabilidade?
Só em 1998 o Douro teve o seu primeiro hotel de luxo, quando abrimos o Vintage, no Pinhão. Naquela altura, não havia barcos, nem hotéis. Hoje, há muitos hotéis, restaurantes de referência, como o DOC, muito investimento dos grandes grupos em centros de visitas. Mas é fundamental que haja turismo de qualidade e que respeite um vale protegido pela Unesco. É o vale de vinhos mais lindo do mundo, coisa que tem de se valorizar. Com a abertura do Hotel Yeatman [em Vila Nova de Gaia], provamos que construir um produto de luxo aumenta o mercado, não só para nós mas para todos. Nos últimos seis anos, investimos €2,5 milhões só para promover o destino Porto. Construímos o hotel em tempo de crise e lançamos, em 2010, um produto de alta qualidade, com um preço no dobro do nosso maior concorrente, o Sheraton. 

Agarraram o mercado top?
Sim, mas promovemos o Porto, para vender o Yeatman. Esta estratégia funcionou. Hoje há 16 barcos hotéis no rio e, até 2017, serão  20! O Porto é a capital de vinhos de Portugal. Somos o centro de vinhos do País. Não é Lisboa. Uma boa parte dos vinhos portugueses é vinho do Porto. Temos uma cidade que dá o nome a uma categoria de vinhos, tal como Champagne [França]. E hoje o Douro é também vinho de mesa, com muita qualidade.

O Yeatman custou €32 milhões. Já dá lucro?
2014 será o primeiro ano de lucro e pagamento de impostos. Foram quatro anos de prejuízo. O negócio cresceu 15% em 2014, porque aumentamos os preços. Com o número de projetos que aí vejo...as pessoas acham que é só construir, abrir portas, os clientes chegam e faz logo lucro. O problema é quando alguém lança um projeto e percebe que não é assim tão fácil rentabilizar, entra em pânico e baixa os preços. Não devemos vender o Porto barato. Esta cidade é um produto de luxo e às vezes temos falta de confiança. O Porto é rico em história, tem bons artistas, boa arquitetura e gastronomia, temos excelentes produtos de mar. Temos o Douro, os nossos vinhos. Esta é uma cidade compacta, bem feita para o turismo, e, para tudo, é uma experiência quase única no mundo. E há gente que paga para vir.

Não começa a haver excesso de oferta?
Honestamente sim. Por isso, precisamos de construir uma procura antes de continuar a criar oferta. Se continuamos a construir assim, os preços vão baixar e entraremos num ciclo negativo. É um risco a muito curto prazo. É fundamental ter uma estratégia para o grande Porto [com Gaia e Matosinhos], pensar numa grande cidade integrada, para que todos beneficiem deste destino.  

Os vinhos do Douro ficaram muito bem classificados no top da Wine Expectator. ?Qual é a importância destes prémios? 
É fantástico. Prova que temos capacidade de concorrer com os melhores do mundo. ?A primeira vez que Portugal ficou no primeiro lugar foi em 1997, com um Taylor e um Fonseca, ex-aequo, de 1994. Passaram 17 anos. E já não há dúvida que o vinho de mesa do Douro tem grande potencial. A dificuldade é que temos regras e estruturas que pertencem ao 1933 de Salazar. Há lavradores que não estão preocupados se perdem metade da sua produção porque recebem na mesma o beneficio. Se tivéssemos um mercado aberto, e as mesmas regras para o vinho do Porto e para o de mesa, todos beneficiavam. 

Defende a liberalização ?e o fim do benefício?
O benefício não serve. É artificial, distorce o mercado e retira exigência para produzir melhor. 

Os outros produtores ?e empresas concordam?
Depende, se falamos com pequenos lavradores ou se com aqueles que estão vocacionados para produzir o melhor possível. As grandes empresas beneficiam deste sistema, porque podem comprar uvas por menos de um terço do custo de produção. Não é justo para os lavradores. Não tem lógica haver regras diferentes, para as mesmas vinhas e as mesmas uvas. Temos de atacar estas regras antigas e inovar.  Um exemplo: quando inovamos com o Pink, em 2005, queria fazer vinho do Porto rosé e diziam-me que não podia. Porque as regras estipulam que vinho do Porto é branco e tinto. Devia ser verdade, até alguém dizer que quer fazer um rosé! Bem, demorou três anos até o podermos fazer. E hoje representa 1,5% do volume de vinho do Porto mundial. Não canibalizou as vendas do vinho do Porto. Todas as outras regiões mundiais estão a inovar e aqui todos precisamos de coragem para liberalizar e modernizar a gestão do setor.

A extinção da Casa do Douro vai ajudar?
A Casa do Douro tem sido a nuvem negra. A sua extinção pode permitir um novo pensamento para o Douro e abrir uma séria discussão sobre como é que este vale excecional com um potencial impressionante pode ser desenvolvido. Agora há que ver quem vai representar os lavradores. 

A falsificação do Porto é uma ameaça?
Já não. O futuro do Douro são os vinhos a €120 a garrafa, não a €2. Não há vinhos do Porto nos EUA ou na África do Sul que cheguem a esta qualidade. Quem se preocupar com isso não percebe o futuro do Douro. Em 2014, o volume de branco baixou 4%. Não é grave, porque tinha um lucro de 8 a 10 cêntimos por garrafa! Isto não é lucro. É o preço que suporta a qualidade da viticultura no Douro. Produções limitadas dão lucro. 

É a marca, e não a designação, que vende?
Sim. Se eu tirar a palavra vinho do porto do rótulo do Taylor continuo a vender a mesma coisa. Estou mais preocupado em proteger as minhas marcas do que em pôr lá a designação vinho do Porto, usada nos produtos genéricos do Lidl por €3. Aquela garrafa de 1863 vale €2500 e tem o mesmo selo de garantia que está noutra qualquer garrafa de vinho do Porto vendido a €2. O importante é a qualidade do líquido. E quem a garante são as empresas.


Sem comentários:

Enviar um comentário