OPINIÃO
A fruta, agora, traz etiquetas. Eu ainda sou do tempo em que havia
apenas dois cuidados a ter com a fruta: lavar ou descascar. Desrotular
é uma preocupação contemporânea.
Ricardo Araújo Pereira
8:07 Quarta feira, 7 de Dez de 2011
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A crise europeia não conseguirá derrotar-nos enquanto formos capazes
de não perder de vista o essencial. Não permitamos, amigo leitor, que
o aumento dos impostos, o desemprego e o corte dos subsídios nos
impeçam de observar os grandes fenómenos sociais e culturais como
este: a fruta, agora, traz etiquetas. Eu ainda sou do tempo em que
havia apenas dois cuidados a ter com a fruta: lavar ou descascar.
Desrotular é uma preocupação contemporânea. "Lavaste essa maçã,
Carlinhos?", perguntavam as mães do século XX. "Lavaste e
desetiquetaste essa maçã, Carlinhos?", perguntam as mães do século
XXI. É mais uma preocupação extra, que as mães de antigamente não
tinham. Por outro lado, o fenómeno alargou o mercado de trabalho,
gerando as profissões de designer de etiquetas de fruta, fabricante de
etiquetas de fruta e etiquetador de fruta.
Um analista incompetente terminaria aqui o seu exame ao fenómeno das
etiquetas da fruta. Não é o nosso caso. Há que ir mais além e perceber
todas as implicações sociológicas da etiquetagem hortofrutícola. Em
primeiro lugar, a colocação de rótulos na fruta criou um facto social
que estava por identificar até agora: o snobismo da fruta. Criança
que, no recreio da escola, merende uma maçã desprovida de rótulo,
passa a ser ostracizada pelos colegas que só consomem fruta de marca.
Mesmo no âmbito das frutas de marca, haverá uma hierarquia que
distingue as frutas de marcas mais prestigiadas, consumidas pelas
crianças mais populares, das frutas de marcas menos boas, consumidas
pelas outras.
Em segundo lugar, a rotulagem das frutas atrai um grupo social
incómodo: os coleccionadores. Onde houver etiquetas, há coleccionismo.
Se o leitor julga que estou a inventar, tem bom remédio: uma fácil e
rápida pesquisa na internet revelar-lhe-á vários fóruns de
coleccionadores de rótulos de fruta, com indicações úteis acerca do
melhor modo de recolher, catalogar e trocar etiquetas, incluindo dicas
práticas sobre o furto de etiquetas na zona dos frescos dos
supermercados. Há numismatas sem dinheiro para investir em moedas que
aplicam os seus conhecimentos em colecções de rótulos de fruta e
filatelistas falidos que trocam os selos pelas etiquetas em álbuns que
podem ser menos valiosos mas são tratados com o mesmo esmero
choninhas.
Em 2011, o sistema financeiro está à beira do colapso e a realidade
que conhecemos pode mudar drasticamente. Mas há quem ponha etiquetas
na fruta, e quem recolha as etiquetas para as coleccionar. Só não se
percebe se isso é um indício de que temos salvação ou mais um sinal de
que o mundo está mesmo para acabar.
http://aeiou.visao.pt/a-griffe-da-fruta=f637363#ixzz1fspwEPzp
2 comentários:
Assim se perde a admiração por uma pessoa, e assim se revela uma besta!
Atenção que isto é a gozar....não é para levar a sério
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