quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Nacionalizar para reprivatizar

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Paulo Pimenta de Castro

O Governo, pela voz do secretário de Estado das Florestas e do
Desenvolvimento Rural, anunciou estar a ser ultimado um pacote
legislativo que viabiliza a ocupação, por parte do Estado, de
propriedades rurais privadas, alegadamente para as colocar sob melhor
gestão.

Perante o aparente fiasco da coqueluche da ministra Assunção Cristas,
o famigerado projeto da bolsa de terras, tudo leva a crer que uma
iniciativa de aposta no voluntarismo dos proprietários rurais se
transforme agora numa permissão legal de ocupação de propriedade
privada.

O secretário de Estado das Florestas e do Desenvolvimento Rural parece
justificar esta pretensão de ocupação com a alegação de abandono das
propriedades rústicas. Ora, do que aprendi, através de um docente do
mesmo departamento do Instituto Superior de Agronomia onde o
secretário de Estado lecionou até integrar a equipa ministerial, o
abandono da propriedade rústica é tão só um modelo de gestão ajustado
às expectativas dos negócios potenciados em tais explorações. De
facto, face à incúria do Estado em acompanhar os mercados e, pior,
face ao protecionismo do Estado a alguns setores industriais, os
preços dos bens produzidos em tais propriedades, impostos
unilateralmente pelos compradores, não mais do que remuneram um modelo
de gestão de abandono.

Ao invés de atuar sobre os mercados (como fez o Estado Novo aquando da
campanha do trigo), o Ministério, gerido por dirigentes do "partido da
lavoura", parece agora querer ressuscitar medidas do PREC. Pretende
nacionalizar para depois reprivatizar, dando "o destino que entender
melhor". Muito subtil.

Ocorre que, a maior parte das propriedades onde o Ministério pretende
alegar abandono, senão a sua totalidade, corresponderão ao que se pode
designar como solos marginais para a produção agroalimentar. Não será
de prever assim que "o destino que entender melhor" se adeque a fins
alimentares. Deverá ser assim outro "o destino que entender melhor".

Importa igualmente mencionar que o Estado não tem servido como
entidade recomendável, enquanto gestor de áreas públicas, cogestor de
áreas comunitárias ou administrador de áreas privadas sob "servidão
ambiental". Isto por opção das governações, seja entendido. Assim,
como justifica agora o Ministério a ocupação para a sua melhor gestão?

Convém ainda reforçar que, para além da incúria ou interesse no não
acompanhamento dos mercados, o Estado, pelos diferentes governos, tem
sido um exímio incumpridor das suas obrigações de "pessoa séria". No
plano administrativo, a novela do cadastro rústico é disso uma
evidência. Só na presente legislatura, a questão do cadastro passou de
imperiosa necessidade a assunto de tratamento por uma comissão. Isto,
sabendo que o investimento público no cadastro apresenta uma taxa de
rentabilidade positiva e de elevado valor percentual.

Mas, pior do que no plano administrativo, é no plano social. O Estado
Democrático que somos há quase 40 anos, pelas inúmeras governações,
tem sido incapaz de conter o êxodo rural em Portugal. Neste domínio,
poderá mesmo constatar-se que, ao longo das últimas décadas, os vários
governos foram permitindo que se fosse "comendo a carne" às populações
rurais, preparando-se este agora para lhes nacionalizar as ossadas.

No plano político-partidário, não será este um ato de traição ao seu
próprio eleitorado, tradicionalmente mais conservador e de base rural?
É certo que, com a incapacidade, também do centro-direita em conter o
êxodo rural, este tende a ver reduzir-se esta sua histórica base de
apoio. Cá estaremos todos em 2015 para avaliar as consequências deste
anunciado pacote legislativo, antes classificado como "gaffe" de
verão.

Paulo Pimenta de Castro
Engenheiro Florestal
Presidente da Acréscimo – Associação de Promoção do Investimento Florestal

http://www.agroportal.pt/a/2013/pcastro8.htm

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