domingo, 7 de junho de 2015

Em Alqueva a água mudou a paisagem e a agricultura


00:06 Cátia Simões
Os 120 mil hectares de regadio da barragem de Alqueva serão concluídos este ano para que não falte água. A agricultura agradece.

Em Alqueva a água mudou a paisagem e a agricultura
Os cursos de água da Barragem do Roxo que serpenteiam pela paisagem baralham-nos os sentidos. Chuvisca. Este Alentejo não é o Alentejo de planícies amarelas e poeirentas. No topo da colina verde que junta duas barragens mais pequenas os olhos perdem-se entre água e pomares, olival e vinha.

O investimento de mais de 2,5 mil milhões de euros feito na barragem de Alqueva e no sistema de regadio começa, depois de muitos anos de sequeiro, a mudar a paisagem e, sobretudo, a cultura agrícola. Planta-se mais do que vinha e olival. Pomares, frutos secos e até papoila - tudo é agora possível desde que a água chegue lá. Até quem antes se dedicava ao turismo não deixou escapar a oportunidade do solo fértil mesmo à porta. É o caso do Vila Galé Clube de Campo: nas margens da barragem do Roxo, junto a Beja, desde que a água chegou que os mais de 1.600 hectares se encheram de pêras - para exportação essencialmente destinada ao Brasil e à Irlanda.

"A parte agrícola transforma mesmo a paisagem e só conseguimos ter todas estas culturas porque a água já chega até aqui", diz Fátima Luz, directora-geral do hotel. Ameixas, nectarinas e também papoila - para farmacêuticas - encontra-se de tudo na herdade, que já produzia, claro, olival e vinha. Sob a marca Santa Vitória vendem um milhão de litros de vinho por ano, 25% para exportação. E produzem 100 mil litros de azeite, tudo das terras nas margens da barragem do Roxo.

A nova moda agrícola no Alqueva é colza, uma semente para a produção de biodiesel e óleo alimentar. O projecto é da Sovena, dona do azeite Oliveira da Serra e que tem das maiores extensões de olival da região de Beja. O Vila Galé vai experimentar 24 hectares de plantação desta semente, mas esta extensão em nada se compara com o projecto que a Sovena tem em mente. Além dos 10 mil hectares de olival da Herdade do Marmelo, a Sovena está a contratar agricultores locais para a produção desta semente. Depois do projecto-piloto já foram mobilizados mais de 1.500 hectares pela EDIA, a entidade que gere o Alqueva e que terminará, este ano, os 120 mil hectares de regadio. A Sovena, um dos maiores empregadores da região e o enorme e moderno lagar, desenhado pelo arquitecto Ricardo Bak Gordon, impõe-se na paisagem.

"O impacto da água é decisivo. Este é um projecto de grande envergadura e toda a região foi beneficiada pela barragem. No olival não temos essa barreira mas há culturas que não é possível fazer se não for em regadio", diz Vasco Cortes Martins, director-geral adjunto da Elaia, a unidade agrícola da Sovena.

São muitas filas de árvores pequenas, aparadas por cima e rigorosamente alinhadas. Não se planta só para a produção de azeite, mas também para experimentar quais as árvores que se adaptam ao solo. Oliveira grega ou italiana (e ainda espanhola) é serpenteada no caule pelas pequenas mangueiras do sistema gota-a-gota, um dos que utilizados no regadio com água do Alqueva.

Entre reservatórios e torneiras, a água é sempre uma constante e os campos bem irrigados da Herdade do Marmelo contrastam com alguns campos vizinhos. "Há muitos agricultores que ainda não se adaptaram à cultura de regadio e preferem continuar no sequeiro. E há outros que não querem cultivar, já não vivem cá", diz Vasco Cortes Martins. "Mas mesmo que não se utilize a água do Alqueva é preciso pagar uma taxa obrigatória de acesso ao regadio", explica. A taxa de adesão é, para já, de 65% mas a EDIA quer chegar aos 80%.

Os "espanhóis" conquistaram os terrenos do Alqueva

O maior lago artificial da Europa dá despesa a quem ali nasceu e se habituou a viver com o que a terra dava. Sem chuva nem maneira de garantir que a água ia chegar. António Bexiga nasceu ali, saiu para Lisboa, voltou para Ferreira do Alentejo. Atrás do balcão do café onde trabalha há mais de seis anos, não viu as vantagens da barragem. "Isso é bom para as grandes empresas. Para a gente é igual. Temos de pagar 50 euros por ano de taxa mesmo que não se abram as torneiras e querem subir o preço da água", acusa.

José Costa Salema, presidente da EDIA, explica porque é que se assume que os preços da água vão subir. "O preço foi fixado pelo Governo em 2010, com descontos que começavam nos 70% e se iam reduzindo 10% ao ano até zero. O que acontece é que os agricultores mais antigos estão a chegar ao fim dos descontos e o preço aumenta por essa via", esclarece.

António Bexiga não desarma. "As culturas vão mudando. Há dois anos era o milho. Todos plantavam milho. Agora está tudo à espera que venham os espanhóis para comprar ou alugar terras", dispara.

Os "espanhóis" são referidos por vários agricultores com quem nos cruzamos ao longo da estrada cheia de buracos, atravessada por pontes e viadutos em construção há muito abandonada. Os "espanhóis". A palavra é quase cuspida, com um misto de desdém e respeito. Salvadores ou conquistadores, as gentes ainda não se decidiram; é que, no fundo, temos todos um pouco de Padeira de Aljubarrota. E, afinal, a reputação até tem razão de ser. "A presença de grupos espanhóis é de facto muito relevante", diz_José Costa_Salema. "Há 93 grupos espanhóis em Alqueva que exploram 28 mil hectares. Destes, 19 mil são olival. Portugal é um mercado natural de expansão para Espanha e é capaz de absorver o excesso de capacidade." Absorver o excesso de capacidade e a água da barragem. Enquanto isso, as 69 barragens e reservatórios que compõem a rede primária de Alqueva vão alimentando a terra, à espera de mais culturas.

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