domingo, 21 de outubro de 2012

A ciência dos alimentos ou os alimentos da ciência?

GASTRONOMIA MOLECULAR



Imagina-se a comer bolinhas que são duras por fora, líquidas por
dentro e estalam na boca? Ou vinho moscatel em forma de esparguete? E
se for manteiga de azeite barrada no pão? Conheça melhor o que uma
ciência anda a fazer pela nossa alimentação.

Bolinhas da vazia com espuma de mostarda e mel, na foto. A criação de
novos produtos é a mais conhecida das áreas da gastronomia molecular.
Imagem: Unique Food Events/Rita Silva/R2Arte
O nome "molecular" fá-lo pensar em comida aos quadradinhos com aspeto
gelatinoso e de cores variadas apresentados em colheres pequeninas?
Pois bem, esta é apenas uma área da gastronomia molecular, um campo
muito vasto. Esta ciência nada tem que ver com um tipo específico de
confeção de alimentos, bebidas ou mesmo técnicas de culinária. "Tudo o
que tenha a ver com os alimentos e e fenómenos na cozinha e
alimentação é gastronomia molecular. É ciência", explica Joana Viegas,
engenheira alimentar da empresa Cooking Lab que se dedica à
investigação e formação nesta área.

A gastronomia molecular é, assim, uma área de estudos interdisciplinar
que envolve a física, química, biologia e bioquímica, mas também a
fisiologia, a psicologia e a sociologia. O seu objetivo final é
analisar do ponto de vista científico os fenómenos que ocorrem na
confeção e na degustação dos alimentos. E aqui cabe qualquer tipo de
cozinha. "Desde a vegetariana à mais vanguardista", acrescenta Joana.

Criação de novos produtos: o lado mais mediático da gastronomia molecular

Apesar da investigação em torno dos fenómenos alimentares, o lado mais
conhecido desta ciência é o da criação de novos produtos como as
gelatinas, as espumas ou novas técnicas culinárias inovadoras. "É
apenas um capítulo da gastronomia molecular mas é o mais mediático",
conta a investigadora. No entanto, antes de se pensar em comidas
exuberantes e vanguardistas, Joana Viegas contou ao SAPO que um dos
objetivos primordiais passa por tentar colmatar as necessidades
diretas dos consumidores e produtores.

Em parceria com uma marca alimentar, a Cooking Lab desenvolveu nos
últimos três anos uma manteiga de azeite que será em breve lançada no
mercado. "Por exemplo, o azeite está, hoje em dia, muito direcionado
para os temperos. Tentamos fazer com que possa ser consumido de outras
formas, como em pó, dar-lhe um sabor mais doce, ou mesmo que possa ser
consumido sob a forma de manteiga". Em menos de um ano, este produto
poderá ser encontrado em vários estabelecimentos alimentares e lojas
Gourmet.

"Tecno-emocional" ou "nouvelle cuisine": expoente máximo da cozinha vanguardista

Um dos expoentes máximos da evolução gastronómica é a cozinha
"tecno-emocional" que junta as técnicas mais vanguardistas de cozinha
às emoções dos consumidores, explica Joana Viegas. Imagina-se a comer
um ovo-estrelado cuja gema é polpa de manga e a clara é iogurte? O
objetivo destas combinações é causar novas experiências sensoriais aos
consumidores.

A cozinha molecular aplicada à "nouvelle cuisine" faz parte do máximo
da evolução da gastronomia enquanto objeto de estudo científico. Daí
que, em alguns restaurantes conceituados no mundo, as cozinhas sejam
simultaneamente laboratórios onde há troca de conhecimentos entre
cientistas e chefs de cozinha.

Vários cozinheiros internacionais reputados têm tirado partido da
gastronomia molecular. Através da introdução de vários elementos
criados em laboratório como os espessantes, gelificantes,
emulsionantes, enzimas e liofilizados, o uso de azoto líquido, ou
instrumentos sofisticados de cozinha, conseguem introduzir o fator
inovação nos seus pratos. Heston Blumenthal, o conhecido chef inglês,
dono do famoso restaurante "The Fat Duck" demorou um ano a desenvolver
o panado ideal em parceria com a Universidade de Oxford. Fator
interessante é que dois dos ingredientes que completam a receita são
cerveja e vodka.

O top chef espanhol Ferran Adrià é considerado outro expoente máximo
da cozinha vanguardista. Frequentemente, utiliza nos seus pratos
elementos, sabores e texturas criadas pela gastronomia molecular. Os
seus objetivos são provocar, surpreender e fazer de uma refeição uma
experiência. Os cozinheiros mais tradicionais contestam, muitas vezes,
a utilização de produtos fabricados pela ciência para a confeção dos
seus pratos. O principal "rival" de Adriá, Santi Santamaria, o
primeiro chefe espanhol a receber três estrelas Michelin, falecido em
fevereiro do ano passado, acusou Adrià de recorrer a aditivos químicos
em nome da "nouvelle cuisine". Joana Viegas esclarece que estes
aditivos não têm nada de prejudicial para a saúde e são, inclusive,
certificados pelas entidades alimentares e de segurança competentes.

Ciência com pouca aplicação prática em Portugal

Mas porque é que necessitamos destes artifícios na comida?
"Simplesmente porque gostamos de novas abordagens, para nos
divertirmos ou surpreendermos os nossos convidados numa ocasião
especial. Na Unique Food Events [empresa associada à Cooking Lab]
desenvolvemos produtos gastronómicos específicos para eventos
específicos. Damos formas, cores e texturas consoante a temática e o
objetivo", esclarece a engenheira alimentar. Várias empresas de todas
as áreas têm solicitado os seus serviços para cocktails, jantares ou
outros eventos especiais.

Em Portugal, a gastronomia molecular ainda não tem muita aplicação
prática pelos chefs de cozinha. "Apesar da alimentação ser uma área
privilegiada de estudo científico pelas universidades portuguesas,
fica a faltar depois a aplicabilidade pelos chefs, apesar de existir
na área industrial", explica a investigadora. No entanto, já podemos
encontrar alimentos vanguardistas nas cozinhas de Luís Baena ou de
Ljubomir Stanisic, jugoslavo a residir em Portugal há vários anos.

Em outubro do ano passado, a Cooking Lab lançou um livro sobre esta
temática que esgotou em menos de um mês. "Percebemos que em Portugal
há mentalidades abertas para a gastronomia molecular", denota. Um dos
temas abordados no livro são as aplicações que se podem dar a certos
alimentos, como por exemplo fazer esparguete de morango ou caviar de
frutas. Por enquanto, o fator preço pode ser uma desvantagem mas a
investigadora acredita que, cada vez mais, se vão conseguir fazer
produtos novos a preços competitivos.

Catarina Osório

http://noticias.sapo.pt/tec_ciencia/artigo/a-ciencia-dos-alimentos-ou-os-al_5025.html

Sem comentários:

Enviar um comentário