sábado, 6 de outubro de 2012

O triunfo do vinho: da taberna aos bares da moda

Nos últimos anos, o vinho ganhou em Portugal um novo estatuto.
Tornou-se um produto de charme, valorizado pelos consumidores com
maior poder de compra e que tem conquistado o mercado externo


Longe vai o tempo em que o vinho era visto como produto menor, até
mesmo rude, desvalorizado pelas classes mais abastadas e associado a
um consumo pouco glamoroso, vendido a granel e em tascas sem requinte.
Nos últimos anos, e seguindo a tendência de outros países da Europa
com forte tradição nesta área, o vinho ganhou em Portugal um novo
estatuto. Hoje, é visto como um produto de charme, bastante valorizado
entre os consumidores com maior poder de compra, que, acima de tudo,
apreciam qualidade e que, não raras vezes, não se importam de pagar
mais pela bebida do que pela comida.
O vinho saiu também do circuito normal da mesa de refeição e já começa
a ser comum beber-se em bares, esplanadas ou mesmo discotecas. Em
torno deste produto gravitam hoje várias outras áreas de negócio que
vão além da comercialização do vinho como bebida, como o enoturismo e
outras actividades turísticas relacionadas com o sector e espaços
próprios em torno da cultura vínica.
Em Portugal, "o vinho já não é só uma bebida. Faz parte de um modo de
vida" e "é sinónimo de convívio e bem--estar", diz Carlos Fonseca,
responsável pela Companhia do Sanguinhal (Bombarral), que acredita que
este novo estatuto associado ao vinho não resulta apenas de uma moda,
mas sim de "uma mudança de hábitos".
Esse é também o entendimento de André Gomes Pereira, que faz parte da
quinta geração a produzir vinhos na Quinta do Montalto, em Ourém. Para
este jovem produtor, a mudança de estatuto do vinho resultou, em
parte, de "uma alteração de hábitos alimentares", com o "fim do
consumo diário" desta bebida às refeições. "O vinho é hoje consumido
em momentos especiais e é muito mais do que uma bebida", diz.
Para Catarina Vieira, responsável pela Herdade do Rocim, com
explorações no Alentejo e em Leiria, a elevação do estatuto do vinho
tem muito a ver com o facto deste ser hoje um produto "qualitativo e
com propriedades benéficas para a saúde, se bebido com moderação". A
jovem empresária considera ainda que o marketing à volta do vinho, a
promoção das suas "propriedades benéficas" e o facto de "haver cada
vez mais pessoas a falarem e a escreverem sobre vinho reflecte-se numa
maior divulgação deste produto".


Uma "coisa sexy"
Director da Revista Vinhos, Luís Lopes encara o estatuto que o vinho
alcançou no País nos últimos anos como "uma transformação natural",
com Portugal a adaptar-se progressivamente ao que se passava em
mercados mais evoluídos. "A partir dos anos 80 do século passado, o
sector começou a apostar numa cultura de qualidade, uma evolução que
se registou quer ao nível dos produtores quer dos consumidores",
realça. O especialista diz mesmo que o vinho é hoje encarado em
Portugal como "coisa sexy e interessante" e "com estatuto social".
Para Luís Lopes, a chave do sucesso passa essencialmente pela
qualidade, até porque, com a crise que grassa, não só em Portugal mas
também a nível internacional, "produzir muito não faz sentido". O
fundamental é oferecer um produto "com qualidade e a preços
competitivos".
André Gomes Pereira realça também a importância da forma como se
apresenta e promove o produto. "Hoje já não basta ter um bom produto.
É preciso apresentá-lo em embalagens com design e rótulo atractivos e
aplicar as melhores técnicas de marketing", defende o produtor, que
nota que a apresentação pode determinar o impulso de escolher uma
garrafa em detrimento de outra. "Quem não tiver esta consciência está
´morto´ como produtor ou para aí caminha", afirma, sublinhando, no
entanto, que, se o vinho não tiver qualidade, não será a embalagem a
"salvá-lo". "Se o que estiver dentro da garrafa não corresponder às
expectativas criadas pelo ´embrulho´, o consumidor não repetirá a
compra", adverte.
Proprietária da Quinta da Sapeira, em Azoia, Inês Bernardino destaca o
papel da promoção na alteração do estatuto do vinho. A produtora dá o
exemplo da região de Leiria, cujo vinho tinha, até há alguns anos,
"uma conotação negativa associada à venda a granel, apesar de haver
muitos com qualidade". Mas, a conquista de alguns prémios
internacionais, uma maior divulgação, associando o vinho à
gastronomia, e sua presença em lojas gourmet e em eventos de produtos
regionais, contribuiu para alterar esse estigma.
Apesar de a actividade vitivinícola estar hoje em alta, com o aumento
das exportações e a captação de novos públicos, nomeadamente entre os
jovens, o director da Revista Vinhos diz que o sector precisa de
combater alguns "vícios" com os quais cresceu. "Pensava-se que este
era um ´negócio da China´, com lucro no imediato. Mas este é um
negócio de geração, onde o que se constrói hoje só beneficiará os
filhos ou até mesmo os netos, porque uma vinha leva dez ou 20 anos a
atingir o pico de produção", nota Luís Lopes, que antevê que, daqui a
dez ou 20 anos, "Portugal terá metade dos produtores", mas estes serão
"bastante mais profissionais e competitivos".



Paixão pelo mundo rural
Sector seduz empresários
Com negócios e carreiras consolidadas em áreas que nada têm a ver com
a agricultura, vários são os empresários que, no País e também na
região, têm vindo a investir no sector do vinho, na maioria dos casos
para satisfazer sua paixão pelo mundo rural. Rui Nabeiro, fundador dos
Cafés Delta, é um desses exemplos. Depois de ter construído um império
em torno do negócio do café, criou a Seatur (Sociedade Empreendedora
de Agricultura e Turismo), que tem várias explorações vitivinícolas no
Alentejo. "São as paixões que nos movem. Quando criamos qualquer
coisa, motiva-nos sempre algo que envolve um largo conjunto de
emoções, desejos, pessoas, locais e objectivos. Foi sempre assim e não
é diferente no mundo dos vinhos", diz Rui Nabeiro numa mensagem
disponível no site do Grupo Nabeiro. Henrique Granadeiro, presidente
do Conselho de Administração da Portugal Telecom, e José Roquette,
ex-presidente do Sporting, são outros exemplos de empresários com
negócios na área dos vinhos. Na região, Rui Filinto, chairman da
empresa Key Plastic Portugal, José Monteiro, administrador da
Matceramica, Cândido Ferreira, médico e antigo proprietário da clínica
Eurodial, também têm investimentos no sector vitivinícola, onde a
Respol, empresa de Leiria ligada à produção de resinas, está a
apostar.
Pedro Santos, director de produção da Herdade do Brejinho, em
Grândola, conta que o projecto começou há cerca de cinco anos, com o
objectivo de rentabilizar terrenos que a empresa tinha naquela zona e
de "aproveitar as relações" da Respol com o mercado externo. Com a
vinha ainda na fase inicial de produção, a Herdade do Brejinho já
pensa na exportação, apontando Macau e Brasil como mercados a
explorar.

Provas, vindimas e visitas em diversas adegas da região
Portugueses e estrangeiros rendidos ao enoturismo

Actividade muito procurada no Alentejo e no Douro, o enoturismo ganha
cada vez mais adeptos na nossa região, depois de diversos produtores
terem percebido que, além do vinho, existe uma história, uma paisagem,
cheiros e rituais a ele associados, que, nesse conjunto, podem captar
e alimentar o interesse de visitantes portugueses e de turistas
estrangeiros.
O JORNAL DE LEIRIA visitou várias quintas e adegas que, em parceria
com restaurantes e hotéis da região, proporcionam momentos de
descontração, na vindima, e de degustação, em provas de vinhos, além
do contacto com as gentes, a arquitectura e a paisagem natural
circundante.
Uma das entidades que promove enoturismo há mais tempo, e de forma
regular, é a Companhia Agrícola do Sanguinhal, que tem várias quintas,
situadas nos concelhos de Óbidos e do Bombarral. De acordo com Carlos
Fonseca, responsável pela Companhia, as visitas de turistas foram
sempre uma constante, sendo que, nos últimos 14 anos, e depois dos
investimentos avultados nas infra-estruturas das quintas, a actividade
adquiriu uma outra pujança.
Neste caso, foi construído um programa de enoturismo que "estimula o
espírito da descoberta e da experimentação" dos turistas, através de
visitas aos jardins do século XIX, às vinhas, a uma antiga destilaria
e a uma cave, além de provas de vinhos, acompanhadas por diversas
iguarias.
Carlos Fonseca reconhece que o projecto tem beneficiado da proximidade
das quintas à vila medieval de Óbidos, e aos campos de golfe, assim
como de parcerias com hotéis e outras empresas, que têm sabido
trabalhar em conjunto na captação regular de turistas que, muitas
vezes, chegam em visitas organizadas.
Apesar de recente, a Adega Joaquim d´Avó é outro projecto de
enoturismo que tem tido êxito junto de público de diversas faixas
etárias. Desde que foi oficialmente inaugurado em Março do ano
passado, cerca de dez mil pessoas visitaram este espaço localizado em
Santa Catarina da Serra. A chave do sucesso, explica Rita Marques, é
proporcionar aos visitantes, além da prova do vinho, o conhecimento da
história e do processo de produção. E não são apenas os estrangeiros
quem se interessa pelo vinho e pela vinha. Nem apenas os mais
citadinos. Há muitos turistas que, apesar de viverem no campo, se
deslocam à adega, para recordar os trabalhos, os cheios e os sabores
que se vão perdendo nas suas terras. Quanto às crianças, este é todo
um mundo novo que têm para conhecer, aponta a proprietária.
A ideia nasceu quando duas irmãs (Rita e Raquel Marques) herdaram a
vinha do avô, situada em Abrantes, e esta adega, em Fátima. Para não
deixar morrer o legado, e aproveitando o interesse crescente dos
turistas, decidiram abrir a adega ao público para mostrar, ao vivo,
como tudo é feito.
Os visitantes assistem a um filme sobre a história da quinta e
aprendem como de uma uva se chega ao copo de vinho, conhecem os
equipamentos necessários à produção, e, no fim, provam o vinho,
acompanhado de enchidos e queijos.
As jovens empresárias foram criando sinergias com empresas, agências
de viagens e outras entidades, e conseguiram cativar o interesse de
quem visita o Santuário, a Praia da Nazaré ou a região de Tomar. A
maior parte chega através de visitas organizadas, e muitos acabam por
repetir a experiência, individualmente. O público estrangeiro é
sobretudo espanhol, sendo que foram recentemente estabelecidos
contactos para captar turistas norte-americanos, holandeses e
dinamarqueses.
Também a Divinis, produtora de vinhos e de azeites, de Ourém, tem
vindo a aproveitar as suas infra-estruturas, principalmente a adega,
para acolher casamentos, baptizados e outras celebrações, tirando
partido de um público interessado nas tradições seculares de
viticultura no concelho. De acordo com Nuno Filipe, enólogo da
Divinis, a empresa confirma o potencial do enoturismo, e adianta que
tem na forja um novo projecto, que espera poder avançar em 2013, e
que tem na mira, como público-alvo, a forte comunidade judaica da
região.
Outros produtores da região reconheceram também o potencial deste
negócio, mas consideraram que o grande investimento exigido para
avançar com a actividade, nas infra-estruturas e na animação, os
impede de realizar programas de enoturimo. Centram-se, por isso, na
produção e na comercialização do vinho.

Vinhos de Leiria apreciados nos quatro cantos do mundo
Persistência e qualidade pesam na balança comercial


Fazer sobressair uma marca de vinho entre uma colecção infindável de
insígnias disponíveis no mercado não é fácil, admitem todos os
produtores ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA. A dificuldade cresce no
estrangeiro, onde as marcas portuguesas concorrem "com todo o mundo".
Mas quando o mercado interno é "pequeno" e "dominado por grandes
superfícies", exportar torna-se a melhor forma de escoar a produção.
Catarina Vieira, administradora do Grupo Movicortes (que detém a
Herdade do Rocim), entende que, para os vinhos portugueses, a
estratégia deve passar por uma "acção constante, profissional, e de
marketing muito dirigido", sendo indispensável "criatividade, boa
imagem e boa qualidade". Esse empenho na qualidade e na promoção -
apoiada por comissões vitivinícolas, Viniportugal e AICEP – já tem
obtido resultados, visíveis no volume das exportações. No ano passado,
o vinho exportado pelo País atingiu 358 milhões de euros de euros,
tendo o distrito de Leiria contribuído para esse bolo com vendas de
oito milhões de euros.
Pedro Rosado, um dos sócios-gerentes do Paço das Côrtes, explica que a
empresa de Leiria se dedica exclusivamente à produção de vinhos
tintos, que exporta quase na totalidade (97% da produção) para Angola,
Noruega, Polónia, Brasil e China. No seu ponto de vista, os nossos
vinhos evoluíram bastante na última década, conseguiram boa relação
qualidade--preço, e são altamente competitivos. No caso do Paço das
Côrtes, o investimento inclui a produção de vinho, mas também garrafa,
rótulo, enólogo de prestígio, presença em feiras e concursos, onde os
prémios arrebatados despertam a curiosidade do público.
Também a Vidigal Wines, de Leiria, exporta cerca de 95% da produção
para mais de 30 países (cerca de três milhões de euros), encontrando
na Escandinávia, China, Angola, Estados Unidos, Alemanha e Canadá os
seus maiores mercados. António Lopes, director-geral, nota que
conquistar mercado externo é como "partir pedra", sobretudo quando a
imagem de Portugal "já não vende sonhos, mas pesadelos". Admite ter
algum apoio por parte da ViniPortugal, mas nota que 70% das vezes está
"sozinho" na captação de mercado, o que passa muito por feiras e
comunicação boca--a-boca.
A Quinta do Montalto, em Ourém, produtora de vinho biológico, exporta
cerca de 90% da produção. Para André Pereira, uma das vantagens do
vinho português é o facto de ainda ter pouca massificação técnica, o
que é apreciado por mercados que olham o vinho como arte, com cultura
e saber associados.
A Divinis, do mesmo concelho, exporta cerca de 40% da produção para
Canadá, Brasil, Angola, França, Polónia e Estados Unidos, e está a
estabelecer contactos no mercado asiático. Nuno Filipe, enólogo, diz
que também no seu caso o segredo do êxito tem sido "vinho de grande
qualidade a preços apetecíveis", e uma presença assídua em feiras.
Atendendo à retracção de consumo interno, também Inês Bernardino, da
Quinta da Sapeira, em Azóia, espera aumentar a exportação, que hoje se
situa em cerca de 40% da produção.
Menos expressiva, apesar de diversificada, é a exportação da Companhia
Agrícola do Sanguinhal, de Bombarral - vende 30% da produção para
Alemanha, China, Macau, Angola, Inglaterra, Holanda, Bélgica, Polónia,
Brasil e Estado Unidos - e da Adega Cooperativa da Batalha, que vende
apenas 10% da produção (cerca de 50 mil euros) para China, Suíça e
Inglaterra.

Colheitas de 2012
Mais quantidade e qualidade
Com as vindimas ainda a decorrer, já é possível apurar que as
colheitas deste ano trouxeram, no geral, mais quantidade e melhor
qualidade em relação ao ano passado. A Companhia do Sanguinhal, no
Bombarral, espera um aumento da produção na ordem dos 30%. "Os brancos
serão de qualidade excepcional. Quanto aos tintos ainda é cedo para
perceber", adianta o responsável da empresa, Carlos Fonseca. Pedro
Rosado, um dos sócios da empresa Paço das Côrtes, em Leiria estima que
a campanha deste ano traga um aumento de produção na ordem dos 5% nas
vinhas que têm na região e de 10% nas que possuem na zona de Lisboa.
Também optimista está André Gomes Pereira, da Quinta do Montalto, onde
algumas castas "duplicaram" a produção e se espera que as uvas
colhidas antes da chuva se traduzam em vinho "extraordinário". Na
Vidigal Wines, em Leiria, espera-se "mais qualidade e quantidade",
enquanto na Quinta da Sapeira, localizada também naquele concelho,
haverá uma "ligeira quebra" na produção.

Textos: Daniela Franco Sousa e Maria Anabela Silva

Fotos: Ricardo Graça

http://www.jornaldeleiria.pt/portal/index.php?id=8151

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