sábado, 23 de julho de 2011

O impacto do Acordo União Europeia - Mercosul na Agricultura

OPINIÃO

M. Patrão Neves

A Comissão Europeia realizou um estudo de impacto na agricultura do
acordo entre a União Europeia e o Mercosul, que apresentou no dia 21
de Junho, no Parlamento Europeu. As conclusões não podiam ser mais
claras na afirmação de que "o impacto geral de um possível acordo de
livre comércio UE-Mercosul é negativo para a agricultura europeia, mas
a intensidade dos efeitos varia consideravelmente conforme os
produtos, as regiões e os cenários de liberalização."
Com efeito, este estudo de impacto apresenta quatro diferentes
cenários ou níveis de liberalização traçados a partir do anterior
curso das negociações (oferta de uma liberalização a 85% pela União
Europeia; em 2004, reivindicação de uma liberalização a 100% pelo
Mercosul, em 2006) e todos eles revelam dados negativos para a
agricultura europeia com particular destaque para a redução da
produção, o abaixamento dos preços dos produtos e a diminuição do
rendimento dos agricultores, entre 2,3% e 3,2%.

Podíamo-nos perguntar se, perante um cenário definitivamente negativo
no que se refere ao impacto deste acordo na agricultura, ele se virá a
concretizar. Afinal, as negociações entre a UE e o Mercosul já antes
se haviam iniciado, em 1999, tendo terminado em 2004 num impasse. Por
isso, quando foram retomadas em 2010, muitos consideraram que estariam
mais uma vez votadas ao fracasso. Eis o que não parece verificar-se.
Com efeito as negociações progrediram muito rapidamente e em Abril
passado as previsões eram as de que a dimensão técnica do programa
ficasse acordada antes do Verão e que o acordo político se concluísse
em Outubro de 2011, para que pudesse ser formalmente assinado em
Janeiro de 2012.
Este calendário, entretanto, já não será cumprido devido ao facto da
quarta ronda de negociações, que decorreu no Paraguai entre 2 e 6 de
Maio, ter sido palco para a expressão de vários descontentamentos. A
Argentina e o Brasil não estão de acordo com a oferta feita pela União
Europeia ao nível dos produtos industrializados e a Argentina pretende
que os termos definitivos do acordo só sejam negociados após as suas
eleições presidenciais, em Outubro próximo. Pelo seu lado, a França,
que é tradicionalmente contra todos os acordos bilaterais, e que
também já vinha tentando travar este processo, colaborou com a
Argentina, com o argumento comum de que ambos os países se preparam
para eleições importantes, sendo as eleições presidenciais francesas
em Abril de 2012. Actualmente já não se esperam avanços muito
significativos antes desta data. Ganhou-se assim algum tempo extra
para procurar prevenir e/ou minimizar os impactos mais negativos sem
que, todavia, a celebração deste acordo esteja verdadeiramente em
causa.
Parece-me muito difícil travar um acordo que, em termos gerais, se
apresenta como francamente positivo para a União Europeia, abrindo-lhe
um acesso fácil a mais 700 milhões de consumidores, o que se deverá
traduzir num aumento de 0,2 do Produto Interno Bruto da União, com uma
rentabilidade situada entre os 14 e os 21 biliões de euros - o que é
do interesse não apenas de alguns poucos Estados-membros da União mas
da sua maioria. O único sector europeu prejudicado será o da
agricultura. A União Europeia trocará assim produtos industriais e
serviços, cujas exportações tenderão a duplicar, pela abertura das
suas fronteiras aos produtos agro-pecuários do Mercosul, prevendo-se
um decréscimo da produção europeia entre 3 e 5 biliões de euros que a
Comissão Europeia estima sejam largamente compensados pelos ganhos nos
outros sectores. A Comissão Europeia perspectiva este acordo como um
passo fundamental para um futuro mercado global.
Perante este quadro bastante negativo para a agricultura europeia,
quando a soberania alimentar da Europa deveria ser uma estratégia
política do presente e do futuro, o estudo acerca do impacto do acordo
entre a UE e o Mercosul na agricultura afirma que "a média geral do
impacto disfarça efeitos muito mais pronunciados em sectores
específicos da agricultura e tendem a concentrar-se em regiões
vulneráveis, que têm uma forte especialização nas produções mais
sensíveis." A Comissão Europeia reconhece que as regiões mais
prejudicadas são as que se especializaram na produção de carne de
bovino e hortícolas e frutícolas. Os sectores da carne de aves, leite
em pó e produtos lácteos serão igualmente dos mais afectados.
A este propósito, lembremos apenas alguns números elucidativos, quase
80% da carne importada pela União Europeia vem do Mercosul, podendo
este acordo aumentar em 70% a importação de carne de bovino sem
qualquer imposto alfandegário. Em termos gerais, o deficit comercial
agrícola da UE com o Mercosul duplicou na última década e, actualmente
a União importa produtos agrícolas procedentes do Mercosul no valor de
19.000 milhões de euros contra os 1.000 milhões de exportação. Além
disso, como é do conhecimento comum, os custos de produção dos
agricultores do Mercosul são bastante inferiores aos dos agricultores
europeus, devido às diferentes regras e, sobretudo, diferente
fiscalização das regras fitossanitárias, agro-ambientais, de bem-estar
animal, etc. a que uns e outros obedecem.
Em síntese, assumindo que é altamente provável que o acordo
UE-Mercosul se venha a efectivar e que, neste caso, e em qualquer
situação, a agricultura seja fortemente prejudicada, muito em
particular os sectores sensíveis, como o da carne, e as regiões
vulneráveis o fundamental é proceder, de imediato e com a máxima
celeridade a estudos que, a partir dos prejuízos apontados pela
Comissão Europeia, estabeleçam medidas de compensação necessárias para
a manutenção e/ou reestruturação destes sectores nas suas respectivas
regiões tradicionais, particularmente as mais vulneráveis e com
reduzida capacidade de reconversão de sectores. Estas compensações
deverão desdobrar-se em diferentes componentes, desde as ajudas à
produção a campanhas de promoção de ao consumo regional, nacional e
europeu, passando pela activação de outros mecanismos de mercado
calculados como mais convenientes.
Neste âmbito, considero ainda que o sector agrícola português não pode
adoptar uma atitude reactiva, vindo a avaliar e quase inevitavelmente
a criticar as decisões que vierem a ser tomadas pela União Europeia ou
a ausência das mesmas. A atitude terá de ser pró-activa, não apenas
protestando contra o acordo em curso, mas propondo medidas concretas
que garantam a sustentabilidade da agricultura portuguesa e o seu
desenvolvimento no futuro. O protesto, que tem sido feito, é
importante para tentar influenciar os termos do acordo e ganhar
capital político; o elencar de medidas concretas compensatórias,
adequadas ao tecido agrícola português, tem de estar a ser feito.
Entretanto, e como nota final, importa referir que a Comissão da
Agricultura do Parlamento Europeu, no passado dia 12 de Julho, votou
desfavoravelmente o acordo da UE com Marrocos no que se refere a uma
mútua liberalização no âmbito dos produtos do sector primário. Ora,
considerando que há uma clara tendência do Parlamento Europeu para, em
nome de equilíbrios políticos frequentemente associados, aceitar
acordos comerciais com fortes impactos negativos no sector primário
europeu (e o grupo socialista, inclusivamente os seus deputados
portugueses, votaram favoravelmente este acordo, acompanhando o grupo
dos liberais), este voto negativo da maioria dos deputados da Comissão
da Agricultura ao acordo da UE com Marrocos constitui um sinal muito
importante para a Comissão Europeia, um aviso do que poderá vir a
acontecer também com o acordo UE-Mercosul.
M. Patrão Neves
Deputada ao Parlamento Europeu eleita nas listas do PSD
Publicado em 23/07/2011
http://www.agroportal.pt/a/2011/mpneves.htm

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