domingo, 12 de fevereiro de 2012

A nova PAC deve estimular a produtividade agrícola e a produção agro-pecuária

Jaime Piçarra

A reforma da Política Agrícola Comum pós-2013, mais concretamente a
discussão das propostas da Comissão apresentadas em Outubro de 2011 -
praticamente um ano depois da Comunicação ao Conselho e ao Parlamento
-, na sequência de um debate público aberto a toda a Sociedade, para
além dos tradicionais grupos de interesse nos quais nos incluímos,
destinado a legitimar a futura PAC junto dos cidadãos europeus, está
claramente na ordem do dia, sendo um dos grandes dossiers de 2012.
Percebe-se a estratégia europeia, se tivermos em conta que os apoios à
agricultura têm sido criticados por alguns países e classes sociais
tipicamente urbanas, incapazes de compreender que a alimentação deve
assumir uma vocação estratégica e que nesta economia globalizada,
todos os países ou blocos económicos apoiam, directa ou
indirectamente, os seus sectores agrícolas.

Essa lógica de auscultação da parte das instituições europeias vai
continuar, com grupos de consulta ao longo do ano, designadamente a
organização de um importante Seminário que vai decorrer no próximo dia
12 de Março e que vai abordar, para além da PAC, o contexto
internacional da Agricultura e mais concretamente os acordos de
comércio livre entre a União Europeia e outros blocos, destacando-se o
Mercosul, a Ucrânia, Canadá, Índia e os EUA, para além das negociações
na OMC e a integração da Rússia nesta organização mundial.
Numa altura em que tanto se fala de Agricultura, sobretudo no contexto
actual de grave crise e de desequilíbrio das contas públicas em que
nos encontramos e que não constitui um exclusivo de Portugal mas de
muitos países da União Europeia e sobretudo do Sul, a OCDE tem chamado
a atenção para o facto de que os apoios públicos ao sector agrícola
nunca foram tão baixos, tendo sido reduzidos para 18% nos seus membros
em 2010 (na União Europeia a média ronda os 22%).
Os preços elevados das matérias-primas explicam esta quebra sem
precedentes mas convêm perceber se os agricultores e a Fileira
Pecuária em geral, tem tirado partido deste fenómeno de alta de preços
porque, na prática, nos confrontamos com uma alta de custos de
produção (matérias-primas, fertilizantes, petróleo, sementes,
energia…) e uma tendência para a baixa dos preços dos produtos finais,
sem que seja possível repercutir esses acréscimos ao longo da cadeia
de valor.
A alta da procura mundial de produtos alimentares, o aumento de
preços, a volatilidade crescente dos mercados e a pressão para uma
melhor utilização dos recursos põem em causa a situação actual, razão
pela qual a OCDE aconselha os seus membros a investirem na melhoria da
produtividade agrícola, na sustentabilidade e competitividade a longo
prazo, apoiada na inovação, investigação e conhecimento.
A União Europeia não tem de se envergonhar de apoiar a sua Agricultura
porque todos os países o assumem e mesmo aqueles onde as ajudas são
teoricamente menores como os Estados Unidos (9%) ou Canadá (16%),
existem fortes apoios às exportações e uma fortíssima diplomacia
económica como tem sido o caso recente do Brasil.
É pois bastante positivo que depois do debate europeu tenham saído
algumas conclusões importantes para o futuro: os cidadãos europeus
querem uma Política Agrícola, esta deve ser comum, deve ter um
orçamento compatível com as ambições e ter em conta, para além da
produção de alimentos, os serviços e bens públicos, o ambiente e
preservação dos recursos naturais, o território e o combate às
alterações climáticas. Emergem, por outro lado, questões ligadas à
segurança alimentar, não tanto ao nível dos aspectos sanitários e de
impacto na saúde pública (food safety) mas a segurança no plano do
abastecimento, disponibilidade de alimentos e dependência da Europa em
produções estratégicas para o seu desenvolvimento sustentável (food
security).
Por outro lado, é lamentável que ainda não estejam definidas as
perspectivas financeiras para o período 2014/2020, estando em aberto
os montantes que serão canalizados para a agricultura durante este
período.
Se existem Estados-membros, liderados pela França e onde se inclui
Portugal, que defendem o congelamento dos apoios ao nível de 2013 - a
hipótese mais razoável porque ninguém acredita que as verbas possam
aumentar - temos países com uma visão mais liberal como o Reino Unido
e a Suécia que defendem precisamente o contrário e um maior apoio na
área do desenvolvimento rural e menos suporte aos mercados e ajudas
directas, o que põe desde logo em causa os nossos interesses, pelo
peso das ajudas na viabilidade das explorações agropecuárias e no
combate ao abandono e à desertificação.
Apresentada como uma nova Parceria entre a Europa e os Agricultores, a
Comissão avança com um conjunto de propostas cujo processo negocial se
iniciou no último trimestre de 2011 e que tenderão a intensificar-se
ao longo de 2012 - curiosamente num ano em que a PAC celebra os seus
50 anos - e que deverá ficar encerrado no primeiro semestre de 2013
durante a presidência da Irlanda. No entanto, as eleições em França e
a aprovação do orçamento europeu para os próximos 7 anos podem
condicionar este calendário.
Pela primeira vez na sua história, o Parlamento Europeu será chamado a
intervir neste processo, no âmbito da codecisão, o que significa que,
do ponto de vista da organização associativa, teremos de privilegiar
os contactos com os eurodeputados, para além da Comissão e do
Conselho, o que tem acontecido no âmbito do COMAGRI e nas funções de
coordenação deste dossier que desempenhamos, quer no quadro da FIPA (e
participação na FoodDrinkEurope), quer da FEFAC.
Trata-se, no essencial, de defender os interesses da indústria
europeia de alimentos compostos e agroalimentar mas sobretudo de
Portugal e da possibilidade de continuarmos a produzir no nosso País e
olhar para o Sector agrícola, pecuário e agroalimentar, com Esperança
e Futuro e como uma saída para a difícil situação económica e social
em que nos encontramos.
Exige-se, pois, um consenso alargado entre todos os sectores e
organizações e uma cumplicidade com os decisores políticos para que em
Bruxelas possamos ter elementos de negociação comuns e que falemos "a
uma só voz".
Apesar de tudo, não deixa de ser importante recordar que a evolução da
PAC é de facto uma história de sucesso.
Nascida a 14 de Janeiro de 1962, oferecia aos produtores agrícolas
ajudas e um sistema que garantia preços elevados e os incitava à
reestruturação e modernização das explorações. Até aos anos 80, o
objectivo da autossuficiência, um dos seus pilares, estava garantido e
iniciámos a era dos excedentes, com todas as consequências conhecidas:
as "montanhas" de leite em pó, de carne de bovino ou cereais que
custavam muito dinheiro (ECU na altura) para armazenar e para exportar
com subsídios, as chamadas restituições. Os excedentes conduziram à
introdução das quotas leiteiras em 1983 e, em 1992, com a reforma "Mac
Sharry", na altura Comissário europeu responsável pela pasta da
Agricultura - encerrada durante a presidência portuguesa - introduziu
uma compensação de ajudas directas ao rendimento, de forma a compensar
a baixa dos preços e a harmonização dos preços europeus aos preços
mundiais. Esta alteração das orientações, que prosseguiu em 1999 no
quadro da chamada Agenda 2000, introduziu uma verdadeira política de
desenvolvimento rural, com um plafonamento ao nível do orçamento.
Entretanto, em 2003, surge uma primeira "revolução", pelo menos no
plano conceptual: as ajudas directas são desligadas das produções,
pelo menos na maior parte das culturas ou actividades e condicionadas
ao cumprimento de normas ambientais e práticas ligadas à segurança
alimentar.
Agora, para depois de 2013, a Comissão pretende reforçar esse elemento
verde e, a par do problema das ajudas directas, a necessidade de
aumentar a produção e de participar no mercado mundial, num cenário de
globalização sem precedentes, esses serão os principais desafios para
a nova PAC.
Volatilidade, disponibilidade de matérias-primas, reequilíbrio das
ajudas entre Estados-membros, regulação e apoio aos mercados, promoção
da agropecuária, funcionamento equilibrado da cadeia alimentar,
preservação do espaço rural, do território, ambiente e produção de
bens públicos, ligação e integração da Agricultura com a Sociedade,
apoio ao regadio, a exigência das mesmas regras às importações de
produtos provenientes de Países Terceiros, emprego e competitividade
do tecido agroalimentar, serão estas as nossas preocupações nas
negociações sobre a reforma que se vão acentuar a partir de agora. Sem
esquecer que a principal razão da agricultura é a de produzir
alimentos, existindo a necessidade urgente para Portugal de aumentar
as produções agrícolas e pecuárias, criando igualmente condições para
a sustentabilidade da nossa indústria agro-alimentar.
Para já, as nossas posições têm sido claras e partilhadas pelo
Governo. É importante combater a volatilidade dos preços, reequilibrar
as ajudas aos agricultores portugueses, apoiar os mercados, manter os
contingentes de importação de milho e os stocks de intervenção, criar
condições para aumentar as produções e as produtividades, melhorar o
funcionamento da cadeia alimentar, tornar mais coerente os objectivos
com as propostas concretas.
Não é afinal a alimentação uma questão estratégica como pensaram os
fundadores da PAC há 50 anos atrás? Sobretudo num mercado globalizado
e cada vez mais desregulado e onde a Europa está, visivelmente, a
perder influência.
É tempo de arrepiar caminho e recordar o dia 14 de Janeiro de 1962, o
dia do nascimento da PAC e colocar ponto final nesta crise de falta de
coesão e de solidariedade, que é, afinal e acima de tudo, uma crise de
valores e de identidade.
Jaime Piçarra
Engº Agrónomo, Secretário-Geral da IACA
http://www.agroportal.pt/a/2012/jpicarra.htm

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