domingo, 10 de novembro de 2013

Bolsa de Terras só serviu para comprar ou arrendar duas parcelas em seis meses

CARLOS DIAS

09/11/2013 - 00:00

Programa de revitalização do mundo rural anunciado pela ministra da
Agricultura tem-se mostrado um fracasso.

No Banco de Terras só há 70 parcelas para vender ou arrendar, num
total de 260 hectares NUNO FERREIRA SANTOS

A Bolsa Nacional de Terras que a ministra da Agricultura e do Mar,
Assunção Cristas, apresentou em Maio deste ano como um programa "muito
importante" para revitalizar o mundo rural, através da utilização
agrícola, florestal e silvopastoril das terras abandonadas, está a
revelar-se um fracasso.

Decorridos seis meses, o portal da Direcção-Geral de Agricultura e
Desenvolvimento Rural (DGADR), entidade gestora da Bolsa de Terras,
regista a transacção de apenas dois prédios rústicos com uma área
conjunta de 49 hectares, na região de Beja. No entanto, um ano antes
do arranque do programa, a ministra afirmou que os serviços do
Ministério da Agricultura já tinham feito um levantamento que apontava
para um total de 1,5 milhões de hectares susceptíveis de integrar a
bolsa, a maior parte dos quais seria destinada ao aproveitamento
florestal.

Na cruzada que então desencadeou contra as terras abandonadas,
Assunção Cristas disse que 58% do território português "está
vulnerável a este problema". O impacte das suas declarações e
iniciativas, porém, parece não ter sido grande, mesmo junto dos
serviços do Estado.

De acordo com a análise efectuada pelo PÚBLICO aos dados publicados no
portal da DGADR, referentes a todo o país, não houve um único
organismo do Estado, incluindo autarquias, que se tivesse
disponibilizado para vender ou arrendar propriedades suas através do
mecanismo da Bolsa de Terras. E quanto aos privados foram inscritas
apenas 70 parcelas de terreno que, somadas, não chegam aos 260
hectares - uma área que no Alentejo equivale a uma média exploração
agrícola.

Deste total, 52 parcelas estão localizados na zona de Beja. As
restantes encontram-se em Aveiro (1), Braga (1), Évora (8), Leiria
(4), Porto (1) e Santarém (3). Quanto à dimensão destes prédios
rústicos, 46 têm menos de dois hectares e somente cinco têm mais de
dez. O maior de todos possui 58 hectares.

Para contrariar o pouco entusiasmo que a iniciativa tem suscitado, o
Ministério da Agricultura atribuiu à Empresa de Desenvolvimento e
Infra-Estruturas do Alqueva (EDIA) a tarefa de incentivar os
agricultores do Alentejo que não têm condições para aderir às culturas
de regadio a optarem pela venda ou arrendamento das suas terras a quem
queira cultivá-las. Durante um ano, a empresa colocou técnicos no
terreno e na passada semana Assunção Cristas anunciou que a EDIA, uma
das entidades com competências delegadas para a gestão da Bolsa de
Terras, já podia disponibilizar para venda ou arrendamento 250
hectares de solos com aptidão agrícola.

Obstáculos emocionais

A ministra não fez por enquanto qualquer balanço global da iniciativa,
mas o director-geral da DGADR, Pedro Teixeira, afirmou no fim do mês
passado, numa entrevista à Antena 1, que "há uma procura muito grande
de terras mas uma oferta relativamente mais baixa". O director-geral
explicou a fraca adesão dos proprietários com razões de natureza
"cultural e emocional", que os impedem de vender ou arrendar um
património a que estão ligados sentimentalmente.

Paula Simões, da empresa Agroconceito, com sede em Coimbra, uma das
225 entidades que a nível nacional fazem a gestão da Bolsa de Terras,
disse ao PÚBLICO que "não está a ser fácil" concretizar as
transacções, devido aos elevados valores pedidos pelos proprietários.
"Este é o maior constrangimento", afirma, sublinhando que muitas
parcelas transaccionáveis são "inacessíveis" ou têm "fraca aptidão
para a agricultura". Outras dificuldades, salienta, relacionam-se com
os processos de partilhas entre herdeiros e com as exigências da lei
em matéria de prova da propriedades das terras para vender ou
arrendar.

O dirigente da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), Alfredo
Campos, lembra, por seu lado, que o cadastro dos prédios rústicos "tem
muitas dezenas de anos de atraso", notando que as terras "passavam de
pais para filhos" sem que houvesse preocupação em actualizar os
registos. "Há muitos casos em que a propriedade ainda está em nome do
trisavô." O dirigente da CNA critica também o Estado por "nunca ter
tomado medidas sérias para regularizar estas situações", refutando
assim as referências da ministra Assunção Cristas à existência de
muitas terras sem dono.

"O que há são terras não utilizadas", comenta Alfredo Campos,
sustentando que grande parte delas estão nestas condições devido aos
problemas que são criados aos agricultores. "A ideia de que há terras
ao abandono é apenas um argumento para facilitar a venda da terra a
alguém", observa o dirigente da CNA, adiantando que o organização de
que faz parte e as outras entidades envolvidas na promoção das
transacções no âmbito da Bolsa de Terras não têm tido resultados.

"Quem tem uma terra boa para arrendar ou vender não precisa da Bolsa
de Terras para nada", conclui Alfredo Campos, acrescentando que não é
com base "em bocadinhos [de terra] que se vai dar a volta à
agricultura como a ministra refere".

João Madeira, coordenador da iniciativa na Associação de Criadores de
Ovinos do Sul, em parceria com a Confederação dos Agricultores de
Portugal, assinala também que, até agora, a sua associação ainda não
foi contactada para a compra, venda ou arrendamento de quaisquer
terras. João Madeira realça que as organizações de agricultores mais
representativas não ficaram entusiasmadas com a Bolsa de Terras. A
"roupagem" que envolve o projecto "assenta em equívocos", como a ideia
de que está na moda o regresso ao campo, a qual, afirma, foi
"fomentada por centros de decisão que estão afastados do mundo rural".

Além disso, sublinha, ficou logo patente que esta iniciativa "ficaria
coxa se não integrasse as propriedades do Estado". E até agora ainda
não apareceu nenhuma na lista das parcelas disponíveis.

http://www.publico.pt/local-lisboa/jornal/bolsa-de-terras-so-serviu-para-comprar-ou-arrendar-duas-parcelas-em-seis-meses-27377125

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