domingo, 13 de abril de 2014

Uma maneira original de fazer azeite


12 Abril 2014, 10:01 por Edgardo Pacheco

Um azeite desconhecido por cá deu que falar no "The New York Times". Parte do produto da venda deste Faia Brava destina-se a um fundo que compra terrenos para pequenos olivais na região abandonada do rio Côa.
Fique a conhecer os projectos em curso e toda a história da Associação Transumância e Natureza em www.atnatureza.org
 
 
De quando em vez, passo pela loja Miosótis ou pelos supermercados Brio para saber das novidades. Estes espaços de produtos biológicos são laboratórios de criatividade no sector agrícola e agroindustrial. Estão sempre a meter coisas novas nas prateleiras. Se no caso da cadeia Brio, o relacionamento entre clientes e funcionários é mais informal, na Miosótis o comportamento é bem latino. Ângelo Rocha - a alma do projecto - gosta de fazer visitas guiadas a anunciar aos clientes o que tem de novo: umas cavalas de Sesimbra de uma empresa que tem a preocupação de repartir com justiça o seu lucro pelos pescadores; os espargos de um novo agricultor do Alvito; um pão com uma variedade de trigo que nunca ninguém ouviu falar ou um produtor de vinho que ganhou prémios num qualquer concurso. Para o Ângelo, um alimento não é uma parafuso. Tem uma história que merece ser contada como se de uma notícia se tratasse, com título, texto de entrada, parágrafo de resumo, desenvolvimento e desfecho. Ângelo é um vendedor com alma de jornalista.

E por causa dessa maneira de ser conheci este Faia Brava, um azeite curioso por causa da sua origem. No ano 2000 nasceu a Associação Transumância e Natureza (ATN), sem fins lucrativos, cujo objectivo era recuperar o espírito, as práticas e a gestão dos movimentos dos rebanhos no nordeste e centro do país - a transumância - determinantes para a preservação da vida selvagem (fauna e flora). Com este propósito, a ATN criou a primeira área protegida do país que é privada (nem sabia que tal coisa existia), que, inserida no vale do Côa, se chama Reserva da Faia Brava. Começou com 67 hectares de terrenos. Hoje, graças às parcerias com fundações de protecção da vida selvagem de várias partes do mundo, em especial a fundação suíça MAVA, gere 800 hectares.

Nesse vasto espaço que ocupa parte do vale do Côa, a equipa da ATN preocupa-se com coisas imediatas e outras de longo prazo. Isto é, protege espécies em vias de extinção, tipo águia de bonelli, águia real, grifos, abutres do Egipto e outros bichos, mas, em simultâneo, quer provar que, apesar das inúmeras dificuldades, este território abandonado pode fixar gente e criar riqueza para quem nele vive.

O azeite Faia Brava é outro dos projectos que tem uma razão de ser lógica. É que nas margens do Côa toda a vida se cultivaram oliveiras. E se hoje as plantas velhíssimas se espalham pelas encostas num sistema de duas aqui, seis acolá e mais 10 naquele cabeço que só Deus sabe como é que um homem consegue chegar lá, isso não impede a apanha dos frutos puros e selvagens para se fazer um azeite biológico de qualidade, onde se notam aromas de alguma complexidade (amêndoas e banana verde) e sensações que de início são doces e depois caminham para um registo vegetal e picante. Interessante.
 
O azeite vale por si, mas a sua envolvente histórica é tal que até o "The New York" Times publicou um artigo sobre o trabalho da ATN. E, já agora, diga-se que parte do produto da venda de cada garrafa junta-se a um fundo que compra 50 metros quadrados nas margens do Côa para receber oliveiras novas.
 
Eis uma forma original e inteligente de lutar contra a lamúria do abandono do território.

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