terça-feira, 24 de junho de 2014

Terraprima. Sequestrar carbono para produzir solos mais ricos


A Terraprima nasceu em 2008 para promover o sequestro de carbono no solo através de Pastagens Semeadas Biodiversas. Ao vencer o Energy Globe Awards, na categoria nacional, compromete-se a expandir o projecto a nível nacional
Antes de darmos início à exploração da Lezíria, Rodrigo Pereira quebra o mito. "A melhor carne é aquela que vem da erva", assegura, garantindo que "a maioria das donas de casa deste país anda enganada ao escolher a carne mais rosada". Segundo dicas do engenheiro agrícola, só os animais criados à base de ração em regime de confinamento é que apresentam esse tom. "Os bovinos que vivem do pastoreio natural têm mais gordura, a carne é mais escura, mas garanto que o sabor é muito superior", acrescentou. Esta é a premissa que justifica a preocupação da Companhia das Lezírias em apostar na diversificação dos solos, tendo actualmente 4 mil hectares de terrenos biodiversos, dos quais 800 criados em parceira com a Terraprima, projecto que se dedica à implementação de sistemas de compensação de impactos ambientais decorrentes das actividades humanas.

A empresa aposta na implementação de leguminosas e gramíneas para enriquecer os terrenos, verificando-se uma maior adaptabilidade e resistência dos solos aos factores ambientais e, consequentemente, uma maior produção vegetal. O aumento da matéria orgânica no solo é apontada como a vantagem ambiental mais directa. A sua acumulação traduz-se no sequestro do dióxido de carbono captado durante a fotossíntese. Adicionalmente, a diminuição da necessidade de fertilizantes e rações evita emissões associadas à produção industrial.

Em colaboração com agricultores de todo o país, a Terraprima actua no cultivo de 50 mil hectares - o que equivale a cinco vezes a área de Lisboa - com pastagens especiais que absorvem mais dióxido de carbono. Assim, o projecto "Pastagens Semeadas Biodiversas para mitigação das alterações climáticas e protecção do solo" contribui para o combate às alterações climáticas, ao mesmo tempo que protege o solo e potencia a sua exploração.

"Desde que apostamos na biodiversidade do solo que temos mais capacidade de alimentar os animais e que, por isso, conseguem passar mais tempo em liberdade", explica ao i Rodrigo Pereira, enquanto aponta para alguns dos melhores exemplares das três grandes raças de bovinos que passeiam nos terrenos da Companhia das Lezírias. Com 3550 animais na exploração é importante pensar também nas vantagens económicas. "As pastagens mais ricas permitem oferecer aos animais uma alimentação completa sem adição de rações", referiu, acrescentando que apenas recorre ao feno durante o Inverno, altura com menos produção natural nos solos.

Os mais de mil agricultores envolvidos no projecto contam com a colaboração de técnicos de campo que orientam a fase inicial e controlam o desenvolvimento da produção. António Cabecinhas prefere denominar-se "uma espécie de consultor dos agricultores" e garante que, tal como está no terreno para ensinar novas práticas, tem também aprendido com quem já trabalha a terra há muitos anos. "Além de todo o trabalho de apresentação do projecto e orientações iniciais, fazemos duas visitas anuais para controlar todo o trabalho", explicou. O zootécnico garante que apesar de ser necessário um investimento inicial por parte do agricultor, facilmente percebem que isso traz vantagens a longo prazo. "Este prado que pisamos tem já quatro anos e poderá durar mais 10 ou 15 sem mobilização do solo e sem utilização de adubos", referiu. O responsável explica que em zonas de terrenos mais secos, o cultivo das terras pode ainda ajudar no controlo do crescimento do mato, o que pode evitar incêndios. Já em terrenos mais arenosos, evita-se a erosão e as possíveis derrocadas que possam acontecer. "A vertente ambiental acaba por ser uma consequência importante do uso responsável destes solos", conclui.

A EMPRESA A Companhia das Lezírias é apenas um dos locais de expansão da Terraprima, cujo trabalho já foi implementado um pouco por todo o Alentejo, Ribatejo e Beira Interior. Já foram atingidos os 50 mil hectares, mas há ainda margem de expansão até 1,5 milhões de hectares. Quem o garante é Tiago Domingo, director-executivo da Terraprima. Envolvido há vários anos na investigação de práticas amigas do ambiente no Instituo Superior Técnico, o professor garante que foi a parte ambiental que impulsionou a criação da empresa, em 2008. "Já trabalhávamos com a sustentabilidade dos solos agrícolas, mas perceber a potencialidade do sequestro do carbono permitiu dar um cunho mais ambiental ao projecto", salientou, acrescentando que acabou por avançar depois de vencer um concurso do Fundo Português de Carbono para projectos relacionados com a redução de emissões de CO2. Os prémios e dintinções foram-se seguindo e este mês arrecadaram o Energy Globe Awards, na categoria nacional, um dos mais prestigiados prémios mundiais a nível ambiental.

Tiago Domingos prefere definir a Terraprima como "um intermediário de serviços ambientais", tendo em conta que faz a ponte de pagamento entre o Fundo Português de Carbono e os agricultores. Apesar de o valor ser inferior aos custos de implementação do projecto - os agricultores recebem um incentivo entre 130 a 150 euros por hectare, para um investimento inicial que varia entre os 200 e os 500 euros - a recepção foi imediata: no primeiro ano trabalharam com 300 agricultores em 15 mil hectares. "Soube mais tarde que havia apostas entre os agricultores de que nós nunca pagaríamos, mas depois perceberam que o projecto era sério, o que ajudou a que os anos seguintes fossem de crescimento", referiu. O director da empresa vê vantagens no baixo valor pago ao agricultor. "Nunca quisemos que o trabalho fosse feito apenas pelo dinheiro, mas principalmente pelas vantagens que traz a longo prazo. Se o valor fosse mais elevado iam começar a aparecer pessoas a aderir só para receber o subsídio", explicou.

O responsável garante que as pessoas que aderem ao projecto são uma amostra nada significativa dos agricultores portugueses, tendo em conta que nas explorações da Terraprima quase 80% dos agricultores têm curso superior e exploram grandes espaços. "Mas nem por isso mais abertos à mudança", garante, característica que considera comum a quem trabalha nos campos, "que acredita sempre que sabe o que é melhor para a sua terra", referiu. O director acredita que o facto de contarem com técnicos de campo a trabalhar directamente com os agricultores ajuda a criar uma relação de confiança.

Tiago Domingos garante que o projecto é extensível a todos os países com clima mediterrânico, respeitando sempre as práticas de cada local, porque, tal como faz questão de referir, "a agricultura não é como uma fábrica. A produção de carros aqui ou no Ceilão será quase igual; mas fazer agricultura em Coruche é diferente de fazer em Montemor-o-Novo, que está apenas a 30 km de distância".

1 comentário:

Alto da serra disse...

Plenamente de acordo quanto às pastagens, nomeadamente para o gado bovino, mas então os baldios continuam a ser uma mais valia para os animais. O pequeno agricultor contará com estas áreas para não ter de compensar com rações!

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