quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A Agricultura em debate no Parlamento Europeu

OPINIÃO

M. Patrão Neves

O primeiro semestre de 2011 foi particularmente importante para a
agricultura nacional. Com efeito, a Comissão Europeia apresentou, no
fim de 2010, três documentos absolutamente decisivos para a
agricultura portuguesa, os quais foram intensamente debatidos nestes
primeiros meses de 2011, no Parlamento Europeu. Refiro-me ao à PAC
rumo a 2020 apresentado a 18 de Novembro, ao Programa POSEI,
apresentado a 24 de Setembro; e ao Pacote do Leite, apresentado a 9 de
Dezembro.
Aliás, fiz questão de promover reuniões alargadas com o
sector sobre estes três documentos para ouvir os principais
interessados antes de se intensificar o debate no Parlamento Europeu,
devendo-se aqui sublinhar que é a primeira vez, na história da União
Europeia, que o Parlamento tem o poder de co-decisão com o Conselho em
matéria de agricultura, o que reforça também o papel dos deputados
neste debate.
1. A PAC rumo a 2020
O documento mais abrangente dos três é certamente o da PAC rumo a
2020, pelo que me refiro primeiramente a este. A Comunicação
apresentada pela Comissão apresentava propostas favoráveis à
agricultura portuguesa em geral, nomeadamente: a exigência de uma PAC
forte e também do seu financiamento adequado, a aposta na
simplificação e na flexibilização, e uma atenção particular às
necessidades específicas das zonas desfavorecidas e dos pequenos
agricultores (e ainda apoio a jovens agricultores e a novos
agricultores, e promoção das vendas directas e dos mercados locais).
Advogava também: uma clara distinção entre o 1 e o 2 Pilares; um novo
modelo de distribuição das ajudas para uma maior equidade entre os
Estados Membros, com pagamento base (flat rate) desligado, de forma a
garantir que os agricultores em todos os Estados-Membros recebam uma
parte mínima do nível médio dos pagamentos directos ao nível da EU (os
pagamentos podem manter-se ligados só para alguns sectores); um
esverdeamento também no 1 Pilar (e ainda medidas agro ambientais;
medidas contra alterações climáticas; incentivos para quem ultrapassar
as metas estabelecidas); um pagamento vinculado aos bens públicos
ambientais; apoio a infra-estruturas, investimento, inovação,
transferência de conhecimento.
O Relatório do Parlamento Europeu sobre esta Comunicação foi votado em
sessão plenária no passado dia 23 de Junho e, não obstante alguns
parágrafos menos claros sobre a relação entre os dois pilares para
efeitos de cálculo dos fundos comunitários a atribuir a cada
Estado-membro, segue a linha proposta pela Comissão. A mesma
orientação deverá ser confirmada nas propostas legislativas que a
Comissão apresentará no dia 5 de Outubro de 2011 e que virão a
traduzir os princípios organizadores da nova PAC em medidas concretas
de implementação efectiva.
2. O Pacote do Leite
Incido de seguida sobre o Pacote do Leite e neste contexto, a
Comunicação da Comissão Europeia constitui um desapontamento para as
necessidades do sector no horizonte do desmantelamento das quotas em
2015. Era urgente que a Comissão apresentasse alternativas credíveis
de regulação do sector leiteiro que contemplasse toda a fileira, isto
é, da produção à comercialização, o que não veio a acontecer.
Com efeito, e na sequência das conclusões do Grupo de Alto Nível/GAN
divulgadas em Julho de 2010, a comunicação da Comissão centrou-se na
proposta de contratos meramente voluntários e apenas entre a produção
e a indústria, bem como na constituição e/ou reforço de organizações
interprofissionais, deixando de fora o sector cooperativo por que a
produção leiteira se organiza em Portugal. Brevemente, o Pacote do
Leite não trouxe qualquer contributo efectivo para o sector no nosso
país.
O Relatório do Parlamento Europeu, votado em Comissão da Agricultura
no passado dia 27 de Junho, traz, neste contexto, algumas melhorias,
sem todavia responder às necessidades do sector em Portugal,
nomeadamente: a obrigatoriedade dos contratos com uma duração mínima
de um ano, deixando liberdade aos Estados Membros para legislar nesta
matéria; a possibilidade de inserir uma fórmula flexível de cálculo de
preço e de inserir cláusulas específicas para os excedentes; uma justa
distribuição dos lucros ao longo da cadeia de distribuição alimentar;
os limites de 3.5%; 40% e 40% no contexto da concentração do sector; a
obrigatoriedade para o primeiro comprador de declarar o volume e o
preço médio; o prazo de um mínimo de 45 dias para a divulgação de
informação sensível; regras de funcionamento para as organizações de
produtores e Interprofissionais e regras específicas para leite e
produtos lácteos com denominação de origem ou indicação geográfica e
ainda a possibilidade de regiões com marcas de qualidade delimitadas
decidirem as quantidades de produção.
A questão das quotas leiteiras, que se procurou introduzir quer no
Relatório sobre a PAC, quer neste sobre o Pacote do Leite, enfrentou
uma fortíssima oposição da parte da grande maioria dos deputados ao
Parlamento e o texto que se lhes refere, em ambos os Relatórios, é
bastante tímido para potencializar as hipóteses de ser aprovado, o que
de facto veio a acontecer, tendo o mérito de manter o tema do leite na
agenda política europeia.
A ausência de propostas efectivas de regulamentação do sector do leite
associada à total rejeição do Parlamento Europeu de reapreciar a
decisão de desmantelamento das quotas em 2015, torna a situação muito
preocupante e exige, da parte dos dirigentes políticos e associativos,
rápidas medidas regionais que preparem o sector para o período
pós-quotas.
3. O Programa POSEI
Por fim refiro-me ao Programa Posei (medidas agrícolas para as regiões
ultraperiféricas), no caso português, Açores e Madeira, o qual, apesar
de ter sido o primeiro a ser apresentado pela Comissão Europeia, se
mantém ainda em debate. O prazo para aceitação de propostas para este
Relatório, por parte dos deputados, decorre até 11 de Julho e o
Relatório do Parlamento Europeu deverá ser votado na Comissão da
Agricultura a 19 de Setembro, desconhecendo-se ainda a data de votação
do texto final em sessão plenária.
Em relação ao Programa Posei, mais até do que em qualquer outro
programa, a questão fundamental é a do orçamento, o qual se integra no
orçamento geral da PAC. Este último, segundo números apresentados na
última semana de Junho, deverá sofrer uma diminuição real de cerca de
10%. Prevendo-se que o debate sobre o orçamento se venha ainda a
prolongar, importa continuar a insistir no seu reforço para a
agricultura em geral e para o programa Posei em particular como
instrumento decisivo para a sustentabilidade e desenvolvimento da
agricultura açoriana. Simultaneamente importa garantir uma maior
flexibilidade na capacidade de gestão do programa, uma prorrogação dos
prazos para apresentação de relatórios de avaliação e também das
alterações tidas por convenientes, medidas compensatórias para o
desmantelamento das quotas leiteiras, para eventuais consequências
negativas da PAC reformada e para o impacto negativo dos acordos
bilaterais e multilaterais, com particular realce para o da UE com o
Mercosul.
Porém, não tenhamos ilusões: quase tudo depende do orçamento e se este
não for reforçado, as alterações introduzidas ao programa não
encontrarão qualquer eco positivo junto da Comissão Europeia.
Em síntese, o debate no Parlamento Europeu sobre temas com impacto
decisivo na agricultura portuguesa foi intenso nos primeiros seis
meses de 2011 e o conhecimento do debate e dos pressupostos das
decisões tomadas indicam-nos já as orientações que se deverão
futuramente definir. É este neste contexto que podemos e devemos
preparar a nossa agricultura, antecipadamente, para o futuro que se
vai traçando no presente.
M. Patrão Neves
Deputada ao Parlamento Europeu eleita nas listas do PSD
http://www.agroportal.pt/a/2011/mpneves2.htm

Sem comentários:

Enviar um comentário