segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Economia paralela subiu em Portugal e vale quase 25% do PIB ("Existe uma tendência de crescimento na agricultura")

Entrevista com Óscar Afonso, vice-presidente do OBEGEF
16.01.2012 - 07:37 Por Rosa Soares, José Manuel Rocha
1 de 11 notícias em Economiaseguinte »
Aumento de impostos e da taxa de desemprego pode agravar cenário
(Foto: Enric Vives-Rubio)
A economia paralela está a crescer em Portugal, encostando já a um
quarto do Produto Interno Bruto (PIB). Isso mesmo revela o Índice da
Economia Não Registada, criado por Nuno Gonçalves, associado do
Observatório de Economia e Gestão de Fraude (OBEGEF), da Faculdade de
Economia do Porto, e que hoje vai ser divulgado em conferência de
Imprensa.

Em 2009, quando o índice foi apresentado pela primeira vez, a economia
paralela representava 24,2% do Produto Interno Bruto (PIB) português.
Um ano depois, em 2010, a economia não registada, como prefere
chamar-lhe o seu autor, cresceu 2,5%, o que faz subir o peso para
24,8%. Em valor, e face aos 172,7 mil milhões de euros do PIB em 2010,
a economia paralela representou 42,7 mil milhões de euros. Em 2011, a
barreira dos 25% do PIB vai seguramente ser ultrapassada, dado que os
factores que a fizeram crescer em 2010 se agravaram no ano passado.
Entre esses factores está o aumento de impostos e da taxa de
desemprego, como adiantou ao PÚBLICO Óscar Afonso, vice-presidente do
OBEGEF.
Numa entrevista conjunta, os dois responsáveis explicam como está a
evoluir a economia paralela por sectores, o que falha no combate a
este fenómeno e como se posiciona Portugal nesta matéria face aos
restantes países europeus.
Quanto representou a economia paralela face ao PIB nacional em 2010?
Óscar Afonso - Há um estudo inicial, entre 1970 e 2009, que aponta, em
termos agregados, para um aumento do peso da economia paralela no
Produto Interno Bruto (PIB) de 9,6% para 24,2%. Em 2010, a
actualização do índice permite verificar que se registou um ligeiro
aumento na percentagem da economia não registada, de cerca de 2,5%.
Que factores estão na base desse crescimento?
Óscar Afonso - Várias razões, com destaque para o aumento dos impostos
indirectos [IVA], o aumento do peso do Estado na economia e o aumento
da taxa de desemprego.
Tendo em conta que essas variáveis se agravaram em 2011 e vão
continuar a agravar-se em 2012, a economia paralela vai continuar a
crescer?
Óscar Afonso - Só agora é que vamos começar a trabalhar os dados de
2011, mas tendo em conta a evolução daquelas variáveis, é de esperar
que cresça um bocadinho mais, especialmente tendo em conta que entre
2010/2011 não se alterou nada de importante, nomeadamente ao nível de
uma maior fiscalização ou de um melhor funcionamento da justiça
portuguesa.
De forma simples, ou não muito técnica, como é que define a economia paralela?
Óscar Afonso - Quando falamos de economia paralela podemos estar a
falar de 20 coisas diferentes. Podemos estar a falar de produção
ilegal (actividade não autorizada), de produção subterrânea (fuga aos
impostos), que é a mais relevante em Portugal, e de produção informal
[os biscates]. Mas também podemos incluir a produção para autoconsumo,
e ainda a produção que não é considerada pelas estatísticas.
Em que sectores é que há maior incidência da economia paralela?
Óscar Afonso - Nós não temos uma desagregação por sector de
actividade, apenas pelas grandes áreas económicas. O que se verifica é
que existe uma tendência de crescimento na agricultura e nos serviços
e uma diminuição na indústria. O da agricultura não é muito relevante
e pode ter a ver com autoconsumo. Esta é a desagregação possível. A
mim preocupa-me muito mais a economia subterrânea, aquela que é de
fuga aos impostos e que tem valores muito significativos, do que a
produção informal, que muitas vezes é para compor rendimentos, aquilo
a que muitas vezes se chama de biscates.
Nuno Gonçalves - É um mito que muitas vezes se forma, o de que é o tal
biscate que constitui o grosso da economia paralela, mas de facto, em
proporção do PIB, não o é. É mais a da fuga ao imposto.
Por que é que se verificou esse decréscimo na indústria?
Óscar Afonso - Porque o país está mais desindustrializado e a
actividade do sector caiu por essa via...
E como é que se combate a economia paralela?
Óscar Afonso - Eu acho que, como existe uma ASAE [Autoridade de
Segurança Alimentar e Económica] com determinadas competências, por
que é que não há, também, fiscais direccionados para isto, e, depois,
por que é que não existe uma Justiça que seja célere a resolver os
problemas? Por exemplo, não me espantava nada que, num restaurante ou
numa oficina de automóveis, pudesse surgir um fiscal a questionar uma
pessoa que tivesse acabado de fazer a revisão e que lhe pedisse a
factura. Se ele não tivesse, ia à oficina e fechava aquilo ou
castigava o dono. Outra forma de combater poderia ser através do
aumento do IVA, por exemplo, de 23 para 25%. Mas, depois, devolviam-me
2% daquilo que tinham sido os meus gastos. Isso iria obrigar-me a
garantir que tudo ficasse registado.
Nuno Gonçalves - Na minha opinião, esse combate passa, também, pela
existência de maior transparência das contas públicas, maior rigor
orçamental e uma maior informação sobre o destino dos nossos impostos.
Se eu souber exactamente como ele é gasto e se isso é benéfico, sou
obrigado a reconhecer que vale a pena. Ao nível da população, é
preciso uma maior educação financeira e cívica, mas desde pequenos,
através das instituições de ensino, para que possa acontecer uma
mudança cultural.
Este nível de economia paralela tem uma dimensão grave ou está dentro
de parâmetros "aceitáveis" na comparação internacional?
Óscar Afonso - Não há estudos online sobre a economia paralela.
Sabe-se, por exemplo, que na OCDE andará, em termos médios, entre os
16 e os 18%. Nós, a Grécia, a Espanha e a Itália somos os que temos
taxas mais elevadas.
Nuno Gonçalves - Itália e Grécia estão acima. Depois, vimos nós. É
como acontece nas estatísticas de desenvolvimento. Somos os mais
pobres entre os ricos e os mais ricos entre os pobres. Neste caso,
temos uma menor economia paralela comparando com os países africanos,
asiáticos e da América Latina, mas temos, nesta área, uma dimensão bem
superior à média da OCDE e ao que acontece nos países do Centro e
Norte da Europa, na América do Norte e no Japão.
Uma maior flexibilidade para a quebra do sigilo bancário ajudaria a
combater a economia paralela?
Nuno Gonçalves - Ajudaria a chegar àquilo a que se chama o peixe
graúdo. Na Suíça, compreende-se a rigidez em termos de sigilo
bancário. Eles dão a privacidade, mas têm taxas vantajosas. Nós não
temos uma coisa nem outra. Damos sigilo bancário, mas não temos taxas
vantajosas e que, portanto, não constituem incentivo ao capital. Por
isso, pergunta-se para que existe o sigilo bancário em Portugal. Seria
uma boa medida.
A máquina fiscal está à altura dos desafios que esta situação implica?
Óscar Afonso - Tem que se reconhecer que cada vez há mais cruzamento
de dados. Não podemos dizer que nada foi feito. Algo está a ser feito.
Ainda recentemente foi detectado que foi pago um valor superior a 500
milhões de euros em prestações sociais. Isso só foi possível através
do recurso a sistemas informáticos e cruzamento de dados. Mas,
aparentemente, isso ainda não é suficiente.
Apesar desses avanços, o facto é que a economia paralela está a crescer...
Óscar Afonso - O problema é que a carga fiscal é tão significativa que
vale a pena fugir. Qual é o negócio que dá uma margem de 23%? Fugir ao
IVA dá 23%. A rentabilidade é tão grande que tudo tenta fugir do
sistema. E acaba por fugir quem pode. Por exemplo, eu tenho a
percepção que, numa construção de uma habitação, a facturação média
deve corresponder a metade do valor total.
Que impactos tem a economia paralela no desenvolvimento do país?
Óscar Afonso - Tem muitos. Desde logo, porque distorce a concorrência
entre as empresas, porque umas pagam impostos e outras não pagam.
Depois, os agregados macroeconómicos estão todos mal medidos, ou
subavaliados. Se não estão bem medidos e tomamos decisões com base
neles, podemos estar a tomar decisões erradas. E, se calhar, mais
grave do que isto tudo, implica diminuição da receita fiscal e menos
receita fiscal significa menos receita para outras coisas ou
sobrecarga para aqueles que já cumprem as suas obrigações. Se, a
preços de 2000, a economia não registada ultrapassar os 30 mil milhões
de euros e se aplicarmos uma taxa de imposto de 20%, dá seis mil
milhões. É muito dinheiro.
Nuno Gonçalves - Há outros impactos. Há actividades, paralelas, que
não estão englobadas no PIB. Logo, o PIB medido é menor do que é na
realidade. Acontece que estamos a ser pressionados pelas agências de
rating que nos dizem que o rácio de dívida sobre o PIB é muito
elevado, que não vamos conseguir pagar a dívida nem ter crescimento
económico. Ora, se o PIB fosse maior, o rácio da dívida era menor. Não
tínhamos 83% de dívida.
Notícia actualizada às 12h25, com a versão integral publicada na
edição impressa do PÚBLICO de hoje
http://economia.publico.pt/Noticia/economia-paralela-subiu-em-portugal-e-vale-quase-25-do-pib-1529201

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