sexta-feira, 17 de junho de 2011

Carlos Vicente. "Portugal importa milhões de transgénicos por ano"

ALIMENTAÇÃO
por Marta F. Reis, Publicado em 17 de Junho de 2011 | Actualizado há 12 horas
Director-geral para a Península Ibérica da gigante dos cultivos
geneticamente modificados Monsanto diz que a Europa está a perder
dinheiro (muito) por pura ideologia

No rescaldo do surto de E. coli na Alemanha, o director da Monsanto
para a Península Ibérica diz que a agricultura convencional teria a
ganhar se importasse a cultura de segurança exigida aos transgénicos.
Carlos Vicente veio ver como param os negócios da multinacional em
Portugal e avisa que a demora na introdução de novos cultivos - até ao
momento só estão autorizados na UE o milho BT e batata Amflora - é
compensada com importações em massa e está a sair cara aos
agricultores.
Citando um estudo recente no Reino Unido, defende que,
se todas as opções biotecnológicas já usadas noutros países fossem
introduzidas no velho continente, a agricultura europeia podia estar a
render pelo menos mais 400 milhões de euros por ano.
Qual é a presença da Monsanto em Portugal?
Temos três áreas de negócio: sementes para cultivos extensivos como o
milho, a soja ou o trigo, cultivos hortícolas e protecção de cultivos,
fundamentalmente herbicidas. Os cultivos biotecnológicos podem ser
integrados em todas e em Portugal termos clientes em todas as áreas.
Em termos de transgénicos, contudo, estão limitados ao milho.
A par da batata para uso industrial da BASF, autorizada mais
recentemente, é o nosso único transgénico autorizado para cultivo na
Europa. Basicamente, é um milho protegido contra uma praga específica
de insectos, as brocas. A tecnologia base é da Monsanto, mas já há
muitas empresas que a incorporam. Infelizmente, é a única disponível
para o milho europeu, o que deixa de fora outras pragas e problemas já
minorizados noutros países. O processo regulatório na UE é muito
moroso, tornou-se uma decisão mais ideológica do que científica.
Como quantifica o atraso europeu em relação, por exemplo, aos EUA?
São muitos anos. Na Europa hoje há sete países com cultivos
biotecnológicos e em áreas limitadas - Portugal e Espanha são os mais
avançados. Se olharmos para os EUA, 93% da soja já é transgénica,
assim como 93% do algodão e 86% do milho.
E na Europa?
No caso de Espanha, onde há maior penetração, o milho BT representa
23,8% da área total semeada. A explicação é simples: a tecnologia
disponível contra as brocas só faz sentido ser usada nas regiões onde
existe este tipo de praga. Outras, como uma maior tolerância a
herbicidas - que permite o controlo de ervas daninhas sem danificar
culturas - ainda não estão autorizadas na Europa. Em Portugal seria
uma enorme mais-valia: estas ervas são um dos grandes problemas da
cultura de milho em regadio.
Quanto ganha o agricultor quando escolhe uma semente transgénica?
No caso do milho resistente a insectos há um estudo centrado nos
cultivos de Saragoça feito pelo Joint Research Center da União
Europeia. O ganho dos produtores que se viram livres das pragas de
brocas é calculado em 122 euros e mais de uma tonelada de produção por
hectare. A biotecnologia não faz mais que proteger o potencial
produtivo da semente, que na agricultura convencional é afectada por
factores externos - sejam pragas, sejam ervas daninhas ou condições
tecnológicas.
Mas começam a surgir relatos de pragas de substituição: a natureza a
adaptar-se a essa nova resistência das produções.
Em 15 anos de história e em mais de 1100 milhões de hectares
cultivados - 6,4 vezes a superfície agrária da União Europeia -, o que
a experiência nos diz é que o uso destes produtos não teve nenhum
impacto negativo no ambiente, na fauna ou na saúde humana. E há talvez
uma razão para isso: os cultivos transgénicos são os mais estudados a
priori, passam por um longo período de avaliação - e sobretudo na
Europa - antes de serem autorizados. São os mais seguros.
Um estudo citado recentemente pela Plataforma Transgénicos Fora revela
que em muitos dos estudos sobre organismos geneticamente modificados
não são reveladas as fontes de financiamento. Como vê esta acusação de
manipulação de resultados por interesses comerciais?
O que tem de ser claro é que para um estudo científico ser publicado
tem de ser aprovado pelo mecanismo de revisão de pares. Nenhum
investigador ou universidade pode sozinho, ou por interesse pessoal,
dizer que as suas conclusões são idóneas.
Numa situação como a do surto de
E. coli em curso na Alemanha, as soluções biotecnológicas trazem
alguma mais-valia?
Os transgénicos não estão à partida relacionados com contaminações
alimentares, apenas com a segurança do cultivo. No caso do milho BT,
permitem reduzir a produção de toxinas de fungos que se desenvolvem
depois dos ataques das brocas. A presença da E. coli no cultivo estará
relacionada com a água ou com o estrume usados na terra, algo que
afectará culturas biotecnológicas ou convencionais. Agora a cultura de
segurança tem de ser apertada e os transgénicos são o melhor campo
para se tirar lições de avaliação científica e de segurança.
No ano passado a UE começou a pensar em rever o processo de
autorização de cultivos, podendo passar a decisão de introdução e
proibição para os países. Como vê esta iniciativa?
Na UE há directivas que regulam perfeitamente o cultivo de
transgénicos e todas as regras a seguir. O que falta é pô-las em
prática. As coisas não avançam porque se tem vindo a abordar o
problema apenas segundo uma perspectiva ideológica quando se trata
essencialmente de uma ferramenta científica. Felizmente, para as
pessoas, isto não ocorre na biotecnologia que se usa na medicina ou
noutros ramos da indústria. Um dos exemplos é a insulina para a
diabetes, que hoje é produzida por bactérias modificadas
geneticamente. É a mesma tecnologia dos alimentos, mas as barreiras
não se puseram.
Segundo o último eurobarómetro sobre biotecnologia, apenas 27% dos
europeus apoiam os alimentos transgénicos. Em Portugal a percentagem
de pessoas que acreditam que estes cultivos devem ser encorajados caiu
de 63% em 1996 para 37% o ano passado. Como se explica a quebra de
confiança dos consumidores?
Penso que se trata sobretudo de um problema de forma: as perguntas são
diferentes dos anos anteriores. É preciso perceber se as pessoas
conhecem a realidade e a realidade é que os cidadão europeus, graças à
biotecnologia e aos produtos transgénicos que nos vemos obrigados a
importar à falta de produção própria, conseguem aceder a proteína
vegetal - algo que de outra forma seria impossível. Se hoje em dia 81%
da soja produzida no mundo não fosse transgénica, sendo esta a base de
rações, não teríamos na UE a carne, os ovos e o leite na quantidade e
aos preços que temos.
Em Portugal a área arável caiu de 40% do total nos anos 60 para 12%
nos últimos anos. Ao rentabilizar as produções, os transgénicos são
cada vez mais uma necessidade dos países desenvolvidos?
Uma das grandes lições é que os transgénicos não são uma cultura de
países pobres ou ricos. Se nos países desenvolvidos permitem
contribuir para o desenvolvimento rural, nos países em desenvolvimento
ou emergentes permitem passar da agricultura de subsistência para a
agricultura comercial. Os cultivos transgénicos, de 1996 a 2009,
trouxeram aos agricultores de todo o mundo 65 milhões de dólares
adicionais de receitas. Destes, 56% devem--se ao aumento da produção
(292 milhões de toneladas adicionais) e 44% à redução de custos, por
exemplo no combate a pragas. Contribuem ainda para reduzir o impacto
ambiental da agricultura: graças aos cultivos resistentes a insectos
reduziu-se 393 mil toneladas os pesticidas usados neste período. Com a
possibilidade de uma agricultura de conservação, com menos lavra,
reduziu-se o combustível gasto na actividade agrícola: menos 3127
milhões de litros e só em 2009 houve uma redução de 17,6 milhões de
toneladas de CO2. É como tirar 7,8 milhões de automóveis de circulação
num ano.
Entende, ainda assim, que pode haver receios com os efeitos a longo prazo?
Em 15 anos serviram-se milhões de rações à base de transgénicos e não
houve um único efeito negativo. Claro que se pode questionar o que
valem 15 anos. Mas se tivéssemos esperado um século para usar a
penicilina, não teria trazido os benefícios que trouxe. No caso dos
transgénicos, e do milho que se cultiva em Portugal, a cada dez anos
há uma nova avaliação global do produto. Em 2009 a conclusão da
Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) voltou a ser que
é tão seguro como o milho convencional. E não nos podemos esquecer do
impacto destes receios: na Europa, e Portugal é um bom exemplo,
importamos milhões de toneladas de milho e soja transgénica.
Quantas toneladas?
Entre milho e soja, estaremos a falar de mais de 4 milhões de
toneladas ao ano, a grande maioria transgénicos.
Gasta mais tempo a apresentar produtos ou a lidar com os receios?
A pergunta mais comum que me fazem os agricultores portugueses é
"quando é que vamos poder ser competitivos com as importações".
Encontra esse sentimento em agricultores de todas as idades?
Sim, todos têm ervas daninhas, insectos. O problema de um pequeno
agricultor no Nordeste de Portugal é o mesmo que o de um grande
agricultor do Alentejo ou dos EUA. O melhor barómetro da aceitação dos
transgénicos são os agricultores: conhecem os problemas e procuram
soluções.
O milho BT é usado na alimentação?
Não há diferenças, mas utiliza-se sobretudo para rações.
Não há cereais de milho transgénico?
Pode ser usado para consumo humano. A autorização é válida para
cultivo, importação e consumo, seja de pessoas seja de animais. É uma
decisão da indústria alimentar utilizar ou não milho BT: a única
exigência adicional na Europa é que o rótulo diga que se trata de
milho transgénico. Nos EUA e no Canadá, como são equivalentes, não
existe etiqueta.
Se for ao cinema nos EUA, as pipocas são de milho transgénico?
Há uma forte probabilidade, assim como as maçarocas. Mas nos
supermercados europeus também encontramos produtos, muitos deles
importados.
Quantos produtos da Monsanto para cultivo estão pendentes na UE?
No total, para importação, cultivo e consumo, havia em Janeiro 66
produtos no processo regulatório, dos quais 22 da Monsanto. Um estudo
recente da Universidade de Reading, no Reino Unido, dizia que usando
na Europa os produtos que tiveram sucesso económico noutros países,
onde estes são necessários, as margens de lucros dos produtores
aumentariam entre 443 e 929 milhões de euros por ano.
http://www.ionline.pt/conteudo/130888-carlos-vicente-portugal-importa-milhoes-transgenicos-ano

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