sábado, 26 de setembro de 2015

“Se disser que sou agricultor, já sou visto como uma pessoa normal"



23 Set, 2015 - 18:26 • Dina Soares , Joana Bourgard

Afonso e José Maria Lebre começaram há um ano a produzir romãs. Filhos de agricultores, o regresso à terra da família foi a saída natural quando outras portas se fecharam. A cada ano, há três mil novos agricultores. Muitos são jovens, têm formação superior e usam novas tecnologias.

Foto: Joana Bourgard/RR

Todos os meses há cerca de 300 jovens que decidem ser agricultores. Por opção ou por falta dela, três mil pessoas engrossam, todos os anos, o sector primário. São, em regra, jovens, qualificados e com ideias modernas para uma agricultura que continua maioritariamente entregue a homens com 65 anos ou mais.

O último Inquérito à Estrutura das Explorações Agrícolas, feito pelo Instituto Nacional de Estatística em 2013, revela que o campo está a viver, nestes últimos anos, uma revolução silenciosa e lenta. Muito lenta.

João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP), reconhece que o sector está mais pujante do que há cinco anos.

O progresso, diz João Machado, deve-se à crise – que levou muitos jovens e alguns menos jovens a voltarem-se para a terra – mas também ao próprio reposicionamento do sector e à maior afluência de fundos comunitários, complementados com os correspondentes fundos nacionais.


Em Portugal, cerca de 80% do território (7 milhões de hectares) estão ocupados pela agricultura e pela floresta. 3,6 milhões de hectares (39,5% do território) constituem a superfície agrícola utilizada.

São números que se mantêm estáveis, apesar de, nos últimos quatro anos, terem desaparecido mais de 40 mil explorações. As "vítimas" são normalmente pequenas propriedades, o que significa que as que ficam se tornam maiores: no mesmo período, a dimensão média das propriedades portuguesas passou de 12 para 13,8 hectares.

Propriedades maiores, maior recurso às novas tecnologias e culturas mais adaptadas ao clima e ao solo resultam em mais produção. Portugal ainda é deficitário em termos agrícolas, mas, em 2014, o défice de produtos agrícolas e agro-alimentares diminuiu 465 milhões de euros.

As mais recentes Estatísticas Agrícolas do INE revelam que as importações caíram 4,3%, enquanto as exportações cresceram 4,7% face ao ano anterior. As vendas de frutas e legumes foram as que mais aumentaram.


Romã, a fruta que veio da Pérsia

José Maria Lebre é um dos muitos jovens recém-chegados à agricultura. Arquitecto paisagista de formação, entrou no mercado de trabalho exactamente nos piores anos para a arquitectura.

Filho de uma família de agricultores, trabalhar a terra surgiu como a alternativa óbvia. Em parceria com o seu irmão Afonso, lançou-se na cultura de romãs.

A Torre D. Gayão, na região de Tomar, está a ser gradualmente transformada num pomar. O investimento total ronda os 400 mil euros, com uma comparticipação comunitária de 158 mil euros e uma comparticipação nacional que passa os 50 mil euros.

No ano passado plantaram 22 hectares de romãzeiras e dentro de dois anos esperam estar a produzir 600 toneladas de romãs por ano. Este ano, a produção ainda é pequena - ainda não dá para viver. Das 350 mil pessoas que se dedicavam à agricultura no segundo trimestre deste ano (dados do INE), apenas 6,2% viviam exclusivamente da actividade na exploração agrícola, enquanto 81% possuíam outros rendimentos, sobretudo pensões de reforma.


O mercado externo é a grande aposta de José Maria e Afonso. Para poderem exportar, associaram-se a uma cooperativa de produtores que já vende grande parte das suas produções no estrangeiro. E se é certo que, em Portugal, a romã ainda não entrou muitos nos hábitos de consumo, a nível internacional está na moda, sobretudo devido à fama de alimento antioxidante.

Para já, o objectivo é vender os frutos frescos, muito embora a romã se preste a múltiplos usos, como sumos, xaropes, chás e até cosméticos.


Combater pragas com o telemóvel

A entrada em força das novas tecnologias nos campos tem sido um dos principais motores de desenvolvimento da agricultura. Afonso Lebre já rega as romãzeiras através de um sistema operado por controlo remoto, que lhe permite saber, mesmo a milhares de quilómetros de distância, quais as árvores que precisam de mais água. Na agricultura, sete em cada dez pessoas têm o ensino básico e só 5,5% têm habilitações de nível superior. São estes que fazem a diferença.

Afonso estudou na Escola Agrícola de Santarém. Foi lá que conheceu dois dos três sócios com quem se juntou para criar uma aplicação informática destinada a detectar pragas nas culturas.

Foi com a ajuda de um programador que criaram a OPEN PD, uma aplicação que chegou este mês ao mercado e que, mediante a fotografia da planta e uma breve descrição, permite fazer o diagnóstico e aconselhar o tratamento.

O projecto está a ser financiado pelo 7º Programa Quadro da União Europeia e funciona em rede com empresas e distribuidores de fito-fármacos, técnicos, comunidade académica e organizações de produtores e agricultores.


São tecnologias do século XXI que convivem, na mesma propriedade, com memórias do século XII. Os pomares de Afonso e José Maria partilham a propriedade com a Torre da Murta, uma construção que remonta à época da reconquista cristã, conhecida na região por Torre D. Gayão em memória do gigante que, segundo a lenda, se escondia ali para roubar o ouro a quem passava. Hoje, dá nome à propriedade.

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