quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O sector dos vinhos na Região Demarcada do Douro atravessa uma das crises mais graves da sua já longa história.

OPINIAO
Basta que os Durienses queiram ...

Ao contrário do que aconteceu noutras, hoje os viticultores parecem
adormecidos, quase resignados, sem que surja, de entre eles, quem
"venha a terreiro" reclamar a dignidade e a justiça que eles deviam
merecer.
Outro tanto não acontece com a Associação de Empresas de Vinho do
Porto que não perde a oportunidade de, aqui e além, se vir mostrar
seriamente preocupada com os (seus) "números"; e tem toda a razão para
isso, só que insiste sempre em fazê-lo com "dois pesos para duas
medidas"; agem como se os seus problemas fossem os problemas do Sector
ignorando tudo a montante.

Recentemente, em documento a que tive acesso, de apresentação de uma
proposta sua para debelar a (sua) crise, a AEVP desfiava alguns
"considerandos" procurando, com eles, justificar as medidas reclamadas
no seu Projecto.
E, de entre eles, respigámos:
- A comercialização de Vinho do Porto, entre os anos de 2000 e 2010,
teve uma quebra de 12 milhões de garrafas, equivalente a 44 milhões de
euros, representando, com a correcção da inflação, qualquer coisa como
menos 22% de receita global.
- A comercialização de DOC Douro representa, apenas, cerca de 38 mil
pipas por ano.
- Em contra-ciclo às vendas, a área total de vinha na Região cresceu
"descontroladamente" (ai se o Vale da Vilariça, ou outros falassem…),
tendo passado de 41.756 hectares em 2000 para 45.598 em 2009 e, no
caso das vinhas aptas ao benefício, de 29.492 para 32.832 hectares.
- O excesso (?) de produção de vinho, na média dos últimos 6 anos é de
56 mil pipas.
- A redução do volume de benefício por hectare põe em causa a
viabilidade económica da viticultura.
- A 1 de Janeiro de 2010, existia um excedente de stocks de Vinho do
Porto na posse dos operadores entre 69 mil e 131 mil pipas.
- O preço dos Vinhos do Porto BOB's é manifestamente inferior ao das
marcas próprias dos vendedores, no entanto, as garrafas de Vinho do
Porto BOB's também usam um selo de garantia de qualidade do Estado
Português (!).
- O preço actual da aguardente usada no fabrico do Vinho do Porto
custa entre 1,60 e 1,90 euros por litro; se obtida a partir de vinhos
da Região, ao preço actual a que estes se vendem, passaria a custar
2,70 e, se paga ao preço real dos custos de granjeio, passaria a
custar, mesmo, entre 8,13 e 11,8 euros por litro, o que provocaria um
aumento, para cada garrafa de Vinho do Porto, entre 80 e 117%.
Estes "considerandos" serviram de apoio à Proposta da AEVP de medidas
a tomar no sector e que transcrevo:
- A transformação do IVDP em entidade privada e de carácter
interprofissional em que o Estado manteria apenas uma presença de
regulação, cabendo ao Conselho Interprofissional a elaboração do
orçamento e determinação das receitas, para além de ser sua
competência exclusiva a aprovação da política de plantio na Região.
- A criação de um fundo promocional, gerido pelo IVDP, para apoiar as
marcas próprias de Vinho do Porto, através de uma taxa obrigatória
sobre a comercialização de 4,5 cêntimos por garrafa de Vinho do Porto
vendida, a recuperação dos 8 milhões de euros há tempos reclamados
pelo Governo de então, acrescidos de 2 milhões de euros do envelope
comunitário da OCM e 3 milhões a disponibilizar pelo QREN.
- A valorização do Vinho do Porto pela manutenção do equilíbrio entre
a procura e a oferta, passando a ter benefício apenas as letras A, B,
C e D; aos viticultores das restantes letras - E e F - seria
atribuído, durante um determinado período, a fixar, um incentivo
financeiro pagável até 30 de Novembro de cada ano, valor este a cobrar
pelo IVDP junto dos restantes produtores de mosto generoso, na altura
da entrega da sua DCP.
- E, por último, prever as necessidades de Vinho do Porto e DOC Douro
a médio prazo (5 ou 10 anos) e ajustar a área de vinha em excesso na
Região, de uma maneira controlada e justa.
Vinda de onde vem, o teor da proposta da AEVP não surpreende ninguém,
penso eu. Mas não pode deixar-nos indiferentes.
Desde logo suscita uma pergunta evidente sobre se esta crise em que o
Douro se encontra, será consequência de decisões mal tomadas, ou
simplesmente não tomadas, ou será, ela própria, consequência de uma
estratégia pensada, mas por ninguém assumida?
Na verdade, o equilíbrio das forças negociais - Produção e Comércio -
era corporizado historicamente pela Casa do Douro e pela AEVP, tendo
um árbitro nomeado pelo Governo. O poder negocial da Produção
resultava da sua capacidade de intervir no mercado, adquirindo os
excedentes não comercializados (por desinteresse do Comércio) a um
preço compensador previamente anunciado. Esse preço constituía-se
assim no preço mínimo de venda ao Comércio. Retirado,
estrategicamente, esse poder e não tendo sido criado qualquer outro
mecanismo que assegure o escoamento dos excedentes a um preço
compensador, era evidente que os preços de venda iriam ser reduzidos,
como tem vindo a acontecer.
Por força dessa redução de preços era expectável, na base da
estratégia traçada que os produtores que não possuíssem canais
próprios para a comercialização dos seus produtos iriam desaparecer do
sector. É o caso das Cooperativas e dos Ajuntadores que entraram em
rotura económico-financeira e, consequentemente, da lavoura aí
associada ou fornecedora.
O problema que então se colocava era o de saber durante quanto tempo
ainda seria possível a esses operadores aguentarem a sua actividade: 3
anos? 5 anos?
Mas não, enganaram-se; decorreram 10 anos e ainda existem
sobreviventes. Certamente com o seu património completamente onerado
junto dos bancos e sem qualquer capacidade creditícia sobrante, mas …
ainda resistentes! Alguns mesmo, passando para a economia dita
"informal" com a venda de vinho tranquilo "por debaixo da porta",
estarão mesmo a enganar os números oficiais da produção regional.
Nesta agonia, o preço na produção vai baixando, desvalorizando também
os stocks existentes e diminuindo a margem de lucro liberta pelo
sector comercial. Situação, esta, de tal forma grave que o resultado
gerado já não está a permitir absorver o custo de investimentos
realizados na aquisição de propriedades que lhes iriam garantir, a
prazo, o auto-abastecimento necessário da sua matéria-prima.
Chegados aqui e face à apresentação pública de um Projecto
viabilizador e auto-sustentável para a Região, pela utilização
exclusiva de aguardentes aqui produzidas para a beneficiação do Vinho
do Porto, escoando toda a sua produção a um preço compensador,
tornava-se imperioso à AEVP avançar com uma "proposta estratégica"
que, não pondo em causa a sua própria estratégia, minorasse as
consequências que vão sentindo e arrastasse, por mais uns tempos, o
clima de agonia dos restantes produtores: daí, a proposta de vir a
ajustar gradualmente o volume anual de produção da Região, retirando,
nomeadamente, o benefício às letras E e F. Para esse efeito,
demonstram abertura para financeiramente suportar uma parte dos custos
inerentes a essa redução, pagando uma taxa para indemnizar
compensatoriamente os detentores dessas vinhas, desde que o Estado
Português esteja disponível para contribuir anualmente com 5 milhões
de euros para a promoção das suas próprias marcas…
É sintomática a finalidade desta estratégia, até pela igual valia das
indemnizações compensatórias com a dos subsídios pretendidos!
Embevecidos por toda esta estratégia que "maquiavelicamente" vêm
equacionando de há tempos e que já levou à retirada à Casa do Douro da
sua actividade principal de garante da auto-regulação do mercado
primário, à incapacidade de as Cooperativas desenvolverem
satisfatoriamente os seus compromissos com os seus associados, ao
desaparecimento dos "ajuntadores" como elementos agregadores no meio
rural dos muito pequenos viticultores, parece terem esquecido de que
qualquer Projecto não pode, nem deve ser equacionado sem ter em conta
quanto se passa neste momento na Produção (bem mais grave do que os do
Sector da Exportação) e os "números, são bem elucidativos.
- À quebra de 9% da comercialização, em volume, para Sector Exportador
entre 2000 e 2010, correspondeu uma quebra de 30% na Produção, isto é,
enquanto tal quebra, na Exportação representou 78 mil pipas, para a
Produção ela representou 268 mil pipas.
- À quebra de 44 milhões de euros anuais no Sector Exportador,
correspondeu, na Produção uma quebra anual de 77 milhões de euros nas
receitas da Região Demarcada.
- Nos últimos 10 anos, a quebra acumulada de receitas no Sector
Exportador foi de 94 milhões de euros, enquanto a Produção registou
uma perda de receita acumulada de 500 milhões de euros.
- Apesar do crescimento de 11% da área de vinha apta à produção de
mosto generoso, no período de 2000 a 2009 a respectiva produção
decresceu 28%.
- O que verdadeiramente está a por em causa a viabilidade económica da
viticultura é o baixo preço a que ela comercializa a sua produção: o
preço Base IV aproxima-se rapidamente, ano após ano, do seu custo real
e o preço praticado para outros vinhos não é minimamente compensador.
- A existência de BOB's resulta, exclusivamente, da actual organização
do mercado distribuidor, mas ainda da falta de capacidade negocial dos
Exportadores, para além de que os preços destes não são comparáveis
com os das marcas próprias sem correcção de todos os encargos
inerentes a estas vendas - referenciação comercial, promoções,
publicidade, catálogos, feiras, etc.
- Assumindo uma relevante subida no preço de venda de cada garrafa de
Vinho do Porto, não só pelo reflexo das indemnizações compensatórias
(10%), como também pela fixação de uma nova taxa de promoção, mais
irão prejudicar a Região, diminuindo o benefício e as sua receita.
- Para finalizar e sobre o Projecto das Aguardentes para a
beneficiação dos mostos, no qual se propõe passarem a ser
exclusivamente do Douro e que os Exportadores alegam vir a provocar,
face aos preços de produção dos vinhos a destilar, aumentos do preço
do Vinho do Porto entre 80 e 117%, haverá de lhes perguntar como
sobreviveu até hoje o Vinho do Porto sabendo nós que, desde 1932, em
30 desses anos a aguardente para o benefício teve sempre preços
superiores a 5 euros o litro e, ainda em 1982, ela chegou a
ultrapassar os 8 euros: e o Porto não sobreviveu?
Peso da Régua, 23 Dez. 2011
Por
António Mesquita Montes, Engº
http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=385&id=26004&idSeccao=4408&Action=noticia

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