NN - publicado Sexta-feira, 10 de Junho de 2011
Quem não gostaria de abandonar o décimo quarto andar do prédio onde
habita por apenas 5 minutos para vir colher uma alface à horta que
cresce viçosa ali ao lado? Poucas pessoas o conseguem fazer, mas no
mundo urbano há cada vez mais um maior número de pessoas que o faz,
simplesmente porque cultivam uma pequena horta no sopé do prédio onde
habitam.
Em Portugal o número de pessoas que praticam uma agricultura urbana
sustentada ainda é muito residual, mas a Organização para a
Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO) estimou que em 1998,
em todo mundo, cerca de 800 milhões de pessoas praticassem a designada
agricultura urbana, o que representa 15 por cento de toda a produção
de alimentos actualmente processada a nível do nosso planeta.
Na Índia, um dos países mais populosos do mundo, as hortas urbanas
desempenham já uma importância crucial nas economias familiares,
encontrando os habitantes da superlotadas cidades locais o alimento
suplementar de vegetais e frutos em pequenas hortas que são cultivadas
junto dos bairros residenciais.
O fenómeno das hortas urbanas não é recente e acompanhou o processo de
industrialização e urbanização crescente a que a Europa foi sujeita
desde o séc. XVIII. Foi nos países da Europa do norte que a actividade
se expandiu, principalmente a partir de meados do século XIX. A
Alemanha e a Dinamarca foram e continuam a ser os dois países
pioneiros neste tipo de agricultura urbana.
Em Portugal o fenómeno foi sempre muito residual, mesmo nos principais
centros urbanos como Lisboa e Porto, principalmente por serem duas
cidades com baixos índices de industrialização e porque até há poucas
décadas atrás estavam marcadas por um ambiente rural que se quedava
muito próximo do tecido urbano propriamente dito.
A asfixia dos bairros residências, o crescimento desordenado que com
maior ou menor intensidade se processou nos corpos urbanos das nossas
cidades, mesmo nas de menores dimensões, comummente designadas como
cidade de província, levou ao aparecimento de alguns exemplos, embora
sempre muito residuais, de hortas urbanas.
A actividade, diga-se, também nunca foi muito apoiada pelo poderes
políticos instituídos. Gonçalo Ribeiro Telles, um conhecido arquitecto
paisagista do nosso país, e uma das principais vozes que defende a
instalação de hortas familiares nas grandes cidades faz questão de
sublinhar que, por exemplo, na Alemanha «uma pessoa jovem recebe, não
dinheiro para cultivar, mas sim capital para se instalar; geralmente,
esse jovem é adoptado ou adopta um casal de idosos, vai viver na sua
propriedade, e faz o que esse casal costumava fazer no que respeita à
agricultura». Esta é uma forma eficaz de transmitir os saberes dos
mais velhos para os mais novos, ao mesmo tempo que existe uma clara
compensação social ao promover este convívio inter-geracional.
Se nos debruçarmos sobre a realidade portuguesa deparamos ainda com
uma incipiente e tímida experiência neste domínio. Ribeiro Telles
radica o ainda pobre movimento da agricultura urbana em factores de
ordem sociológica e mental. Diz o arquitecto que actualmente, na
actual conjuntura sociológica, «as pessoas que estão instaladas na
cidade nunca iriam aceitar essa mudança para o ambiente rural» porque,
frisa o arquitecto, «em Lisboa, as pessoas estão convencidas que a
paisagem urbana tem de ser constituída por prédios, e que o resto
simboliza um atraso», sublinha.
Contudo, o fenómeno começa a ser perceptível, com maior ou menor
intensidade, em diversas cidades portuguesas. Cada vez mais o poder
local concebe estes espaços de agricultura familiar como uma forma
sustentável de gerir a malha urbana, uma vez que permite multiplicar e
fazer proliferar mais espaços verdes sustentados directamente pelos
habitantes, uma requalificação mais abrangente da paisagem urbana e a
redução de emissões químicas nocivas para o ambiente.
Os novos adeptos das hortas urbanas são geralmente pessoas ligadas a
uma infância passada no campo; pessoas que têm a necessidade económica
de complementar com um recurso extra o abastecimento de frutos e
vegetais da unidade familiar; ou ainda pessoas com altas preocupações
ecológicas e ambientais e mesmo sociais, uma vez que a horta urbana
poderá constituir-se como um excelente instrumento para fomentar
projectos de inclusão social, sendo, simultaneamente, susceptível de
desenvolver entre os cidadãos uma sólida consciência ambiental.
Nos últimos anos deram-se passos muito interessantes do domínio das
hortas urbanas. Surgem projectos em Lisboa como as conhecidas hortas
da Quinta da Granja, Vale Fundão e Bairro Padre Cruz e a criação de
hortas novas em Campolide e Telheiras, só para citar as mais
conhecidas.
No Grande Porto está em desenvolvimento o projecto "Horta à Porta" que
integra espaços comunitários para cultivo biológico de vegetais e
frutos e que já tem centenas de pessoas em lista de espera para
aderirem ao projecto.
Em Coimbra, o Departamento de Habitação da Câmara Municipal
desenvolveu em colaboração com a Escola Superior Agrária de Coimbra, o
projecto "Hortas do Ingote". Este projecto teve início em 2006 e
contemplou a atribuição de 25 talhões, cada um com uma área aproximada
de 150 m2, a moradores que, após uma vida activa distante do cultivo
da terra, assumem hoje o papel de agricultores urbanos.
Outros exemplos poderiam ser citados como o caso promissor de Ponte de Lima.
Em Trás-os-Montes, o projecto de maior relevância é o que está ser
desenvolvido pelo Instituto Politécnico de Bragança (IPB). As "Hortas
de Lazer" são cultivadas por pessoas que habitam na cidade capital do
Nordeste Transmontano, e que têm a possibilidade de poderem alugar um
talhão ao IPB pela módica renda anual de vinte euros. A única
exigência ou contrapartida é o compromisso de promoverem e praticarem
uma agricultura sustentável, sem recurso a químicos, sejam eles
fertilizantes ou pesticidas.
Pensa-se que o fenómeno das hortas urbanas possa crescer de forma
exponencial nos próximos anos, tendo em conta os problemas económicos
e financeiros que caracterizam a actualidade e, por outro lado, os
medos cada vez mais crescentes em consumir produtos hortícolas de
crescimento padronizado e sujeitos a padrões e lógicas de produção
altamente formatados.
Da nossa parte o conselho e a mensagem geral que temos para lhe deixar
com este texto é muito simples: se tem a possibilidade de arranjar um
terreno irrigado não hesite, faça uma horta!
http://noticiasdonordesteultimas.blogspot.com/2011/06/hortas-urbanas-uma-forma-sustentada-de.html
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