05.06.2011
Nicolau Ferreira
Há líquido verde a borbulhar no Lumiar (Lisboa) há mais de 30 anos. A
tentativa de produzir combustível a partir de microalgas teve início
no final da década de 1970 devido à crise do petróleo. Mas quando
Alberto Reis e Luísa Gouveia chegaram ao centro de investigação que é
hoje o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (LNEG), em 1986 e
1987, respectivamente, já se tinham feito várias experiências com a
microalga Botryococcus braunii para alcançar o esperado, sem sucesso.
"O preço para a produção era muito elevado em relação ao combustível
fóssil", diz ao PÚBLICO Alberto Reis, doutorado em Engenharia Química.
Nessa altura, o rumo da investigação curvou e foi dar à química fina.
Descobriu-se que, no interior celular de cada microalga, existe uma
fábrica de vitaminas, pigmentos, antioxidantes, suplementos
nutritivos, antibacterianos, anticancerígenos, etc. Produtos que fazem
valer o quilo de alga 250 euros, num mercado que alcança as 5000
toneladas.
O desenvolvimento deste campo pode ser positivo, num contexto
económico e ambiental mais duro do que o de há 40 anos. "Temos
consciência que os biocombustíveis só serão rentáveis, quando
retirarmos proveito dos outros produtos", disse Reis. A ideia é
extrair da mesma alga vários compostos que têm uma cotação de mercado
cara e pagam a extracção do óleo para produzir combustível.
Mar de algas
Recentemente, a Associação Portuguesa de Transporte e Trabalho Aéreo
(APTTA) e o LNEG fizeram uma parceria para a produção e utilização de
biocombustível para aviões, a partir de microalgas. "Há um estudo de
holandeses que diz que, para os combustíveis fósseis utilizados nos
transportes serem totalmente substituídos na Europa, Portugal teria
que ser um mar de algas", diz Luísa Gouveia, doutorada em
Biotecnologia.
A associação pode proporcionar o conhecimento da realidade aérea e
possibilitará o teste do combustível em motores de avião, que têm de
suportar condições específicas dos voos, como temperaturas muito
inferiores às das viagens de automóvel.
Na Unidade de Bioenergia do LNEG, procuram-se as melhores condições
para o crescimento e o rendimento das microalgas, que fazem
fotossíntese como as plantas, mas só se vêem ao microscópio.
O laboratório tem 15 tipos diferentes destas algas. Numa salinha
iluminada com luz artificial vêem-se soluções laranjas, castanhas,
verdes, dentro de plásticos grandes, cilindros de vidro ou garrafões
de água. As algas só precisam de água, uma fonte de luz, nutrientes e
dióxido de carbono. Mas é preciso mexer em todas estas condições para
conseguir optimizar a produção de qualquer substância.
No caso de óleo para biocombustível, para se fazer um litro de
combustível por dia é necessário uma cultura de 160 metros quadrados
de microalgas, dizem os investigadores. Ao contrário de outros
combustíveis de origem orgânica, como o óleo de palma ou a cana de
açúcar, as microalgas não competem por terra arável.
Além disso, os cientistas submeteram-nas a uma atmosfera com uma
concentração de CO2 500 vezes superior à da atmosfera terrestre. Este
gás é um dos principais responsáveis pelas alterações climáticas
devido à sua libertação durante o consumo de combustíveis fósseis, que
atingiu novo recorde em 2010. No laboratório, as microalgas
sobreviveram à atmosfera concentrada e consumiram o gás durante a
fotossíntese. A partir da experiência, os investigadores defendem que
elas poderão ser utilizadas para despoluir o fumo das fábricas, rico
em CO2, e noutras situações. "A ETAR de Alcochete está a um passo de
tratar efluentes com microalgas", diz Gouveia.
Nem Alberto Reis nem Luísa Gouveia defendem que o futuro passe por uma
só fonte de combustível alternativo. Mas dentro de cinco a dez anos,
os investigadores esperam testar os primeiros voos com combustível
feito a partir de microalgas.
http://ecosfera.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1497593
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