Negócio
António Freitas de Sousa
07/04/13 11:34
A cortiça é cada vez menos um simples vedante para garrafas de vinho.
A vida moderna tem cada vez mais cortiça por todo o lado, como é o
exemplo mais recente das saunas. E continua a evoluir, desta vez para
os surpreendentes sectores da medicina e da cosmética.
Uma noite qualquer, algures no ano passado e em frente a um televisor
que debitava novidades surpreendentes sobre empresas de jovens
'designers', José Carlos Tinoco - figura conhecida do Porto, com
provas dadas nas áreas da cultura, música, arquitectura, 'design' e
empresariado, entre outras - achou que chegara a hora de responder a
mais um desafio.
A Portcril - empresa a que estava ligado por laços familiares e que
fabrica produtos de hidroterapia - estava interessada em lançar um
produto com o qual pudesse surpreender o mercado, ao mesmo tempo pelo
lado da tecnologia e pelo do 'design'. E foi assim, diante do
televisor, que José Carlos Tinoco achou que iria desenhar uma sauna
revestida a cortiça.
"Contactámos a Amorim Revestimentos e começámos os ensaios", contou ao
Diário Económico, porque para era claro para si que aquele produto
natural escondia um "enorme potencial" para responder aos requisitos
propostos - pela Portcril, mas também pela sua imaginação.
"Desenhámos um protótipo na Portcril e levámo-lo para a Amorim, onde
foram testadas placas de cortiça a revestir a sauna", contou José
Carlos Tinoco. "Os resultados foram excepcionais: a cortiça revelou-se
capaz de resistir a altas temperaturas, mantendo-se inodora e sem
qualquer toxicidade". E as vantagens são inúmeras: o preço mais
competitivo e a poupança energética - "a sauna atinge 80 graus em
menos 12 minutos que as concorrentes em madeira" - são apenas dois
pontos positivos.
Passado o período de testes, a sauna em cortiça já está no mercado -
custa a partir de cinco mil euros - "e já há várias encomendas,
principalmente para o estrangeiro". Mas a inovação não acabou: "estou
agora a desenvolver uma sauna em cortiça para exteriores, a que vou
juntar mesas, cadeiras e espreguiçadeiras que aliam a cortiça a outros
materiais, como metal e madeira", avança José Carlos Tinoco.
Medicina na primeira linha da investigação
Num sector onde o grupo Amorim pesa cerca de 90%, quer em termos de
produção, quer de comercialização, a inovação não podia ficar atrás.
Tudo ou quase tudo o que tem a ver com novas utilizações da cortiça,
passa pela Amorim Cork Compósitos. Até as inovações mais
surpreendentes. A área mais inesperada - tão inesperada que "ainda
está num ciclo de desenvolvimento muito precoce", disse um responsável
da empresa - é o a da medicina. De facto, o granulado de cortiça fino
está a ser alvo de investigação para se refinarem as suas já apuradas
capacidades em termos medicinais. As expectativas são grandes e não se
esgotam nesta área: também no segmento dos cosméticos é possível que o
granulado fino venha a desempenhar um papel importante.
O que já não surpreende ninguém é a 'intromissão' da cortiça na
aeronáutica e no aeroespaço. "A NASA e a ESA [homóloga europeia], bem
como empresas como a Embraer e a Airbus são clientes já tradicionais
de produtos de cortiça". O alvo é sempre o mesmo: as capacidades que
aquele produto tem em termos de insonorização, mas principalmente de
substituição de componentes feitos noutros materiais muito mais
pesados. Em actividades onde o peso conta - nomeadamente porque menos
peso quer dizer menos consumo de energia - a cortiça tende a estar
cada vez mais presente.
É isso mesmo que a Siemens procura: "Estamos a trabalhar com a empresa
alemã nos novos metros de superfície", com a intenção de potenciar
insonorizações e cortar no peso das composições. O mesmo se passa,
segundo o mesmo responsável, com a Alstrom. Mas, neste segmento, a
utilização de cortiça não se confina às composições de transporte: "o
controlo de vibrações da ferrovia" - que determinam a diferença entre
uma viagem agradável ou repleta de solavancos - "é feito com o recurso
a uma mistura de cortiça e de granulado de pneus velhos".
Estas são as áreas onde a cortiça está a ser investigada e usada como
material inovador. O resto é conhecido: edifícios revestidos a cortiça
(como é o exemplo mais surpreendente do Pavilhão de Portugal na
exposição de Xangai), mobiliário moderno criado com base neste
material natural, utensílios de cozinha, iluminação e uma série
infindável de utilizações fazem cada vez mais parte do dia-a-dia de
muitos consumidores.
A inovação não se confina à Amorim. A Associação Portuguesa da Cortiça
(APCOR) assume, por via do Centro Tecnológico da Cortiça (em
associação com privados), que "também faz alguma investigação, mesmo
que o grosso da sua actividade sejam os testes e as certificações",
explicou ao Diário Económico uma fonte daquele organismo.
As novas utilizações para a cortiça são tão importantes que, segundo a
APCOR, "o investimento em inovação e investigação & desenvolvimento
(I&D) no período 2000-2010 (considerando os sistemas de incentivos
PRIME, QREN, POAGRO e FCT) foi de 85,9 milhões de euros", cerca de
17,8% do investimento total que o sector agregou para aquele período.
Num mundo em que a cortiça deixou de ser apenas uma forma de vedar
garrafas de vinho - apesar de esse ser um campo de batalha permanente
contra o plástico e o alumínio), o segmento de inovação e I&D (ou os
produtos que dela resultam) já assume uma posição importante em termos
de exportações. Segundo a APCOR, "as exportações portuguesas de
cortiça cresceram 4% em valor e 5% em volume em 2012 face a 2011.
Assim, para 2012, as exportações atingiram 845 milhões de euros (mais
33 milhões de euros) e 189 milhares de toneladas (mais 10 mil
toneladas)".
http://economico.sapo.pt/noticias/a-moda-da-cortica-ja-nao-e-so-rolhas_166382.html
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