sábado, 13 de abril de 2013

Guerra aberta ao glúten

Alimentação



A dieta do momento manda abolir, de uma vez por todas, o glúten das
refeições. Elegâncias à parte, há quem seja intolerante a esta
proteína presente no trigo, no centeio e na cevada. E quem sofra de
doença celíaca e não possa mesmo tocar, por exemplo, num pedaço de pão

Luísa Oliveira (Texto publicado na VISÃO 1048, de 4 de abril)
10:17 Quarta feira, 10 de Abril de 2013 |
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O almoço em casa de Mafalda Carvalho, 44 anos, começa com um queijo
fresco acompanhado de tostas. Segue-se uma massa com frango e legumes.
E, à sobremesa, come-se um delicioso bolo de cenoura e nozes. Apesar
da ementa diversificada, àquela mesa não chegou nem um grama de
glúten. Mafalda descobriu, há ano e meio e por acaso, que sofre de uma
doença autoimune que não lhe permite digerir alimentos com essa
proteína presente no trigo, centeio, cevada e aveia. É celíaca. Na
altura, depois de passar uns dias no hospital, com uma forte anemia,
encarou tranquilamente o diagnóstico e vive, desde então, com o mesmo
otimismo que sempre a caracterizou. Apesar do hipertiroidismo e da
osteoporose que recebeu de herança, por ter passado tantos anos sem
saber do que sofria. "Adaptei-me muito facilmente, mudei a despensa e
não fiz um drama disto."

Mafalda pertence aos cerca de 1% da população mundial a quem foi
detetada a doença. Imagina-se que sejam muitos mais, porque os
sintomas são difusos. "Os mais típicos são diarreias, cólicas,
distensão abdominal e má absorção dos nutrientes", explica Paulo
Ratilal, gastroenterologista. "Mas, nos casos de subdiagnóstico podem
surgir complicações em todos os órgãos e sistemas."

Depois de saber que era celíaca, Mafalda engordou oito a nove quilos,
explicados pelo facto de o seu intestino ter deixado de ser agredido
pelo sistema imunitário e ter passado a absorver melhor os alimentos.

Separar o trigo do joio

No entanto, algumas celebridades vieram a público abrir guerra ao
glúten e defender a sua exclusão dos menus como forma implacável de
perder peso. A cantora e atriz Miley Cyrus até escreveu um tweet
aconselhando toda a gente a experimentar a dieta, nem que fosse apenas
por uma semana: "As mudanças na pele, na saúde mental e física são
extraordinárias." Vitoria Beckham, Gwyneth Paltrow e Lady Gaga são
outras seguidoras deste tipo de regime. Desde então, várias pessoas,
sem doença celíaca, optaram por deixar de lado os alimentos à base de
trigo. Num recente estudo de mercado norte-americano, 30% dos
inquiridos mostrou vontade de cortar nos alimentos com glúten.

Rita Jorge, dietista da Associação Portuguesa de Celíacos, conhece a
nova moda, mas discorda dela. "O glúten é uma proteína vegetal, que
não engorda nem emagrece. Pode perder-se peso quando se restringe a
sua ingestão, porque se corta em produtos como bolos, refeições
preparadas ou molhos." E a especialista alerta para o perigo dos
produtos de substituição, que contêm o dobro ou o triplo de gorduras
saturadas e açúcares - é com eles que a indústria consegue compensar a
consistência perdida pela ausência de glúten. Estudos internacionais
mostram que esses produtos são deficientes em fibra, ferro, ácido
fólico, cálcio, vitamina B12, fósforo e zinco.

O médico Paulo Ratilal também discorda de que uma pessoa saudável
corte nesta proteína. "Quando se muda para uma dieta sem glúten
corre-se o risco de se seguir um mau regime, com tendência a uma
alimentação mais proteica."

Um filão a explorar

Em 2011, um painel de especialistas internacionais admitiu a
existência de outro tipo de reação à proteína do trigo, batizando-a de
"sensibilidade não celíaca ao glúten", aquilo que vulgarmente se chama
intolerância. Os problemas da nova patologia são a ausência de métodos
de diagnóstico e a escassa literatura científica existente. Crê-se que
o aumento destes casos se deva ao tipo de alimentação atual, ao
excesso de comida à base de trigo, centeio e cevada (a fast food faz
parte deste grupo), ao glúten que é adicionado a uma série de produtos
e à má qualidade dos cereais. "Hoje comem-se mais sandes do que
legumes", nota a dietista Rita Jorge.

O glúten não nos faz falta - é facilmente substituído por outras
proteínas. Mas com custos. Segundo um estudo da DECO, os produtos de
substituição saem cinco a sete vezes mais caros do que os
tradicionais. E a indústria já descobriu o filão. Só no ano passado,
os americanos gastaram 2 mil milhões de euros a abolir o glúten das
suas vidas. Por cá, uma conhecida cadeia de pizzarias já introduziu no
menu duas opções para intolerantes. E as principais grandes
superfícies têm, na sua gama de marca própria, alimentos isentos de
glúten. O Continente foi pioneiro. Oferece este tipo de produtos desde
2007, num segmento que cresceu a um ritmo de dois dígitos, só no
último ano. Esse aumento fez com que diversificasse a oferta: bolachas
de arroz de milho, queques de chocolate, pão de milho para sandes,
baguetes pré-cozinhadas, mistura para bolos e pão. O grupo Auchan
introduziu a gama em 2011, com dez referências básicas, como pães e
bolos. "Hoje, já duplicámos essa oferta com preparados para pão ou
cereais de chocolate", regista Margarida Malheiro, diretora de marca
própria, garantindo uma poupança de 15% a 30% face aos "seus
congéneres" de outras marcas. Não revela os resultados desta aposta,
embora os considere "muito satisfatórios".

Tudo feito em casa

Sempre que, na sua consulta, aparecem pessoas a queixarem-se de dores
de cabeça, obstipação, diarreia, eczemas, problemas na tiroide ou
desequilíbrios de peso, Minnie Freudenthal, médica internista,
faz-lhes um desafio: "Experimentem tirar o glúten da alimentação,
durante três meses, para ver como o organismo reage. Mas não vale
furar o regime." Aboli-lo só para emagrecer, considera, "é demasiado
simplista".

Sabe que ainda não há evidência científica sobre o assunto, mas também
que a essas conclusões demora-se 30 anos a chegar. Até lá, prefere ir
apalpando terreno, ganhando experiência. Os resultados com os seus
pacientes (e consigo própria) têm sido muito positivos. Não admira:
"Além de comermos glúten em excesso, hoje em dia ele é processado de
maneira diferente. A molécula, em vez de ser partida, é espremida,
indo inteira para o aparelho digestivo. Os pesticidas também
provocaram mutações na planta para resistir aos produtos químicos."

Minnie Freudenthal não lança o desafio sem rede - ensina a criar
alternativas caseiras para fugir ao excesso de açúcar e gorduras dos
produtos das lojas, usando farinhas de arroz, milho, grão, millet ou
polenta. E aconselha a utilização de goma xantana, um aditivo
indispensável para manter a consistência dos alimentos cozinhados sem
glúten.

Sofia Vilar de Bó, 49 anos, não foi tão longe na transição. Mas, de há
um ano para cá, por causa das dores de cabeça constantes, da sinusite
e dos problemas de rins que a incomodavam, passou a evitar o glúten.
Também ficou feliz com os cinco quilos que perdeu ao resistir às
pizzas ou aos bolos de pastelaria. Embora se sinta muito melhor de
todas as maleitas e com a sua silhueta, falta-lhe persistência.
Prevarica várias vezes, apesar de fazer uns batidos ao pequeno-almoço
capazes de apagar o sabor apetitoso do pão. Como lhe custa seguir a
dieta a preceito, enuncia omantra de quem está em desintoxicação:
"Hoje não comi, amanhã nunca prometo".

PERIGO: Ele está em todo o lado

Em alguns casos, é fácil descortinar quais os alimentos que contêm
glúten, como massas, pão, bolachas ou pizzas. Noutros produtos, nem
sempre é óbvia a sua presença. O ideal é ler sempre os rótulos...

Carne processada (salsichas, hambúrgueres ou picados)
Molhos industriais
Delícias do mar
Sobremesas instantâneas
Molho de soja
Gelados comerciais
Vinagre balsâmico
Queijos industriais
Figos secos
Fruta cristalizada
Batatas fritas de pacote com sabores



http://visao.sapo.pt/guerra-aberta-ao-gluten=f722789

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