quarta-feira, 10 de abril de 2013

Governo contabiliza receitas impossíveis das licenças de CO2

RICARDO GARCIA

08/04/2013 - 00:00

Mercado de emissões de CO2 está a sofrer com a crise PETER ANDREWS/REUTERS


Dados enviados à ERSE para reduzir o custo das renováveis na factura
eléctrica, algo que é exigido no memorando assinado com a troika,
foram sobrestimados

O Governo contou com receitas impossíveis, referentes à venda de
licenças de poluição que não podiam ser vendidas, nos cálculos para
reduzir o sobrecusto das energias renováveis nas tarifas da
electricidade, tal como exige a troika.

Nas contas do Governo, a venda de licenças de emissões de dióxido de
carbono (CO2) - obrigatórias para vários sectores industriais -
renderiam 222 milhões de euros em 2013. Este valor compensaria parte
dos 1312 milhões de euros de custo das renováveis que a Entidade
Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) contabilizou, este ano, no
cálculo dos preços da electricidade.

Mas os 222 milhões só seriam atingidos se Portugal conseguisse vender
um lote de licenças que não pode alienar, devido a compromissos legais
com a Comissão Europeia, que o Governo tentou a todo custo reverter
recentemente.

As licenças em causa sobraram da segunda fase do Comércio Europeu de
Licenças de Emissões (2008-2012) - um sistema em que cada unidade
industrial recebe direitos de poluição, que podem depois ser
comercializados entre as empresas, em função das quantidades reais de
CO2 libertadas das suas chaminés.

Até 2012, a atribuição de licenças era feita gratuitamente. Portugal
podia distribuir 30,5 milhões de toneladas de CO2 por ano para as
unidades industriais já existentes e mais 4,3 milhões de toneladas por
ano para outras que pudessem entretanto surgir - e que constituíam a
chamada "reserva para novos entrantes".

Com a crise, porém, houve menos projectos novos do que se esperava e
cerca de 10,7 milhões de toneladas de CO2 da reserva ficaram por
atribuir. Estas licenças que sobraram deveriam ser anuladas, de acordo
com um compromisso assumido por Portugal quando negociou com Bruxelas,
em 2006, o segundo Plano Nacional de Alocações de Licenças de Emissões
(PNALE II).

O Governo quis, no entanto, vendê-las e passou todo o segundo semestre
de 2012 a tentar convencer a Comissão Europeia a mudar as regras.
Quando o primeiro pedido foi feito, em Agosto, a estimativa da Agência
Portuguesa do Ambiente era a de que as licenças da reserva poderiam
render algo em torno dos 90 milhões de euros.

Bruxelas negou o pedido em Outubro. Mas o Governo não desistiu e
lançou uma nova investida junto da Comissão Europeia, mobilizando os
ministérios da Economia e Emprego e da Agricultura, Mar, Ambiente e
Ordenamento do Território. A ministra Assunção Cristas, que tutela o
Ambiente, insistiu pessoalmente com a comissária europeia para a Acção
Climática, Connie Hedegaard.

O principal argumento invocado foi o de "força maior" - dada a
necessidade de cumprir as exigências da troika (Comissão Europeia,
Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu) - no que diz
respeito à redução do sobrecusto das renováveis nas tarifas de
electricidade.

No final de Novembro, o Governo chegou a alterar a lei que regulamenta
o comércio de emissões em Portugal, prevendo explicitamente a venda
daquelas licenças, caso se cumprissem "os formalismos necessários, à
luz dos direitos europeu e nacional", segundo o diploma então
aprovado.

A Comissão rejeitou a tese da "força maior" e deu um "não" final em
Janeiro passado.

Nessa altura, as contas da ERSE para as tarifas eléctricas de 2013 já
estavam feitas. O seu relatório final, de Dezembro, incluía a parcela
dos 222 milhões de euros para abater à tarifa, referente às "receitas
dos leilões de CO2". A ERSE não sabe o que está incluído nesta
parcela, pois o número foi fornecido pelo Governo, segundo informou ao
PÚBLICO a assessoria de imprensa da entidade reguladora.

O Ministério da Economia e do Emprego, que é o interlocutor junto da
ERSE nesta matéria, recusou-se a responder a perguntas enviadas pelo
PÚBLICO.

Dados cruzados de diversas fontes sugerem, de qualquer forma, que
seria impossível chegar aos 222 milhões de euros sem considerar a
venda das licenças que não se podem vender.

A maior fatia deste montante refere-se aos leilões de licenças de CO2
da terceira fase do comércio europeu de emissões, que começou este ano
e no qual os direitos de poluição deixaram de ser atribuídos
gratuitamente.

Está previsto que Portugal venda este ano cerca de 16,5 milhões de
toneladas de CO2, segundo dados da European Energy Exchange, a
plataforma que conduz os leilões. Quando o Governo fez os cálculos e
os enviou à ERSE, em meados de 2012, a tonelada de CO2 estava em torno
dos oito euros. Só incluindo a venda dos 10,7 milhões de toneladas que
sobraram da reserva e é que se chegaria a um valor próximo dos 222
milhões.

Mais ainda, agora aquele valor é virtualmente impossível de se
atingir, o que poderá ter impacto na expectativa do défice tarifário
da electricidade este ano - uma matéria sensível nas negociações com a
troika.

Chumbada por Bruxelas, a venda da reserva já está "fora de questão",
segundo o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos. A Agência
Portuguesa do Ambiente (APA) também confirma que "neste momento, não
estão reunidas as condições" para tal, tendo sido "comunicado
formalmente pela Comissão Europeia que esta venda não é possível",
segundo uma resposta enviada ao PÚBLICO por email.

O próprio Fundo Português de Carbono, para onde obrigatoriamente é
encaminhado o dinheiro da venda das licenças de CO2, previu apenas
99,6 milhões de euros de receitas dos leilões para 2013, envolvendo
16,5 milhões de toneladas, segundo dados da APA. Este valor implica um
preço médio de seis euros por tonelada. Os leilões de Portugal desde
Janeiro deste ano têm, no entanto, rendido em média apenas 4,6 euros
por tonelada, com 30% das licenças já vendidas.

Como só 80% das receitas dos leilões é que podem ser utilizadas para
reduzir a tarifa eléctrica, seria necessário vender as licenças a
quase 17 euros por tonelada para se chegar aos 222 milhões.

A cifra é importante, pois representa a contabilização de uma das
medidas do Governo para atender às exigências da troika quanto à
sustentabilidade dos preços da electricidade. O Ministério da Economia
não quis, porém, prestar qualquer esclarecimento a este respeito.

http://www.publico.pt/economia/jornal/governo-contabiliza-receitas-impossiveis-das-licencas-de-co2-26345060

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