Planta, até agora selvagem, ganha dimensão comercial no país
Versatilidade do cato decisiva na aposta
D.R.
30/03/2013 | 00:00 | Dinheiro Vivo
Habituámo-nos a ver o figo-da-índia em estado selvagem, nas beiras dos
caminhos, mas está em transição avançada para um uso agrícola e
comercial cujo desempenho começa a surpreender.
Afinal, é um cato suculento de onde tudo se aproveita, depois de
vencida a agressividade dos picos. Certo é haver já um grupo de 60
amigos do figo-da-índia que se constituíram em associação (APROFIP),
com sede em Alcoutim, embora ainda só 15 tenham optado pelo cultivo
profissional, com uma média de 5 a 10 hectares por exploração, revela
José Alves, vice-presidente da associação e consultor agrónomo para o
cultivo da planta.
A prova de ser tudo muito recente reside na idade da exploração mais
antiga: tem quatro anos, quase o tempo necessário para a planta
atingir a maturidade. É em Sesimbra. Para a maior parte dos produtores
ainda se trata apenas uma atividade acessória, mas promissora, dada a
multiplicidade de usos viabilizados pela planta, bem conhecida da
civilização Azteca, a ponto de se manter como um dos símbolos na
bandeira do México. Estima-se que tenha chegado à Europa por volta do
séc. XVI, nessa altura, com especial importância em Espanha.
Cultiva-se como quem planeia um campo de plantas em fila, com as
palmas semi-enterradas que depois se multiplicam até formarem o
arbusto como o conhecemos. Também dá para sebes, além de ter a nobre
missão de evitar a erosão dos solos ou permitir a sua recuperação e
também como corta-fogo. Dá-se bem com o calor, mas é hipersensível às
temperaturas negativas.
A colheita, entre agosto, setembro (principalmente) e outubro, é a
fase mais arrojada para os produtores: são precisas luvas especiais,
óculos e roupa de proteção. Tem de ser de madrugada, enquanto os picos
estão húmidos (com o calor, os poros presentes na casca do fruto
dilatam e assim eles saem com mais facilidade), e a favor do vento,
para não existir a possibilidade de os picos voarem em direção à
pessoa que está a colher. O fruto apanha-se com um pouco de cato, mas
tem de ser submetido aos cuidados de uma máquina para ficar sem picos.
Daí vai para câmaras frigoríficas para melhor se conservar. Chega ao
mercado fresco ou segue para transformação.
Os frutos dão para a alimentação humana - estão à venda frescos nas
grandes superfícies junto dos frutos exóticos -, em compotas, sumos,
vinho, xaropes, barras de frutos e óleo de bagaço, mas também dão para
produzir bioetanol. A própria flor é comestível e seca dá para
infusões. Já as palmas, além de poderem ser usadas em compotas, sumos
e picles, também dão para a produção de biogás, espessantes, corantes
e forragem para animais. Há quem aproveite as características dos
compostos na construção como elementos de ligantes. Até o parasita seu
hospedeiro, a cochonilha, é usado como pigmento, para acentuar a cor
vermelha a refrigerantes, por exemplo. Atrai igualmente abelhas, com
efeitos garantidos na polinização e produção de mel. Já as sementes
podem ser usadas para a extração de óleo com fins cosméticos.
Em Portugal, apesar da apetência espontânea da planta pelos climas
áridos e semi-áridos, estão em estudo produções em Guimarães,
Mirandela e Castelo Branco, mas serão exceções face às soluções já
implementadas mais a sul. Há o caso de Serpa, onde há três
explorações. Numa delas fazem-se doces e compotas. Em Arraiolos,
existirá uma unidade de transformação para a extração de polpa dos
frutos e óleo das sementes. Em Portalegre produzem-se forragens, e em
Sesimbra dedicam-se ao fruto em fresco, às flores secas, licores e
compotas.
No último outubro até houve o Festival do Figo da Índia, em Portimão,
um sinal da boa fibra que está a contagiar produtores e simpatizantes.
A primeira exploração em Portugal
Quando em 2008 Mário Gonçalves se apercebeu que o país ia por "um rumo
menos saudável", decidiu seguir o caminho do figo-da-índia, que o
haveria de levar a Itália, o país europeu da atualidade com mais
conhecimento da cultura. Contactados vários pomares sicilianos, obteve
o "know how" e importou as espécies a explorar no hectare que tinha
em Sesimbra.
Criou a Cactacea e teve de lidar com o espanto de quem via a terra de
cultivo ser ocupada por uma planta silvestre. Superou as críticas com
a convicção de ter feito a opção correta. Criou uma máquina para
limpar a fruta, investiu nas câmaras frigoríficas e na transformação:
faz compotas, licores e seca as flores para infusão. Cultiva quatro
variedades e trata delas apenas com a ajuda da família. Aos 47 anos,
tem a sensação de dever cumprido por ver que conseguiu credibilizar a
produção. Foi, aliás, um dos fundadores da APROFIP. "Posso morrer
descansado porque contribuí com algo diferente para a agricultura
portuguesa", sintetiza.
http://www.dinheirovivo.pt/Economia/Artigo/CIECO129799.html?page=0
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