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29 de Novembro, 2011por Joana Ferreira da Costa
©Sara Matos/SOL
Mena e Luísa esfregam o que resta dos carrinhos e ganchos de ferro, onde as carcaças dos porcos são penduradas antes de serem desmanchadas. Colocam-nas em tinas de água com detergente e produtos químicos para tentar tirar o queimado negro deixado pelo fogo que, a 15 de Novembro, destruiu parte da fábrica da Sicasal, nos arredores de Mafra. «Temos de tentar aproveitar tudo. Agora é andar para a frente», conta Mena, 50 anos, um dos mais de 600 funcionários da Sicasal. Como não pode trabalhar, faz as limpezas dos destroços com dezenas de empregados das zonas afectadas.
Os estragos de 22 horas de chamas e fumo negro estão à vista. Pilhas de ferro retorcido amontoam-se em frente ao edifício. As paredes esventradas mostram que quase nada sobrou na zona atingida: centenas de metros quadrados foram destruídos pelo fogo, que terá começado com um curto circuito na zona de desmanche e embalagem de frescos e alastrou aos escritórios do primeiro andar.
As escavadoras fazem a parte pesada, mas os empregados estão lá todos, organizados em equipas, a cumprir os turnos e com as habituais batas e toucas brancas. «Estamos todos a lutar por isto», resume António Carrilho, encarregado da área de desmanche, que agora coordena a equipa de limpeza. «O fogo foi muito mau, mas cá estou para dar o meu melhor», diz o funcionário, na fábrica há 32 anos.
«Pensámos que o mundo ia desabar. Que íamos ficar sem casa», recorda Mena. Trabalha na Sicasal desde os 14 anos. Ali começou a namorar com o marido, que se reformou da fábrica há oito meses. É a sua «casa» há 36 anos, por isso, mesmo que a limpeza seja «um trabalho chato», está a ajudar.
©Sara Matos/SOL
No dia da «desgraça», Mena e Luísa, as duas únicas mulheres no matadouro, foram das primeiras a detectar o fogo. Estavam a trabalhar desde as seis da manhã. Pouco passava das sete quando o incêndio foi detectado. «O fumo negro veio dali», diz Luísa, 57 anos, apontando para a parede. Em minutos alastrava ao resto do edifício.
'Tivemos sorte'
«Mesmo assim tivemos sorte. A fábrica já está a funcionar quase a 100%», resume Álvaro Santos da Silva, proprietário da empresa familiar de processamento de carnes, de onde saem, todas as semanas, 500 toneladas de fiambre, chouriço, bacon ou salsichas. «Apesar dos estragos, conseguimos sempre manter a empresa a funcionar. Era essa a minha grande preocupação. Dar vida a uma coisa que morreu».
Para isso motivou os funcionários: muitos entraram em pânico, com medo de perder o emprego, já que há famílias inteiras a trabalhar na fábrica. Chamou as chefias, deu-lhes um plano de trabalho. Tentou adaptar-se.
Salvaram o que puderam da zona administrativa e usam agora, como escritórios, o antigo arquivo, onde continuam empilhados computadores, secretárias e documentos e onde o chão é limpo cinco vezes ao dia por causa das poeiras no ar.
A área do fabrico de fiambre e enchidos não foi afectada e a produção continua normalmente. «A fábrica não parou nem no dia do incêndio apesar da produção ter diminuído», explica Filomena Santos da Silva, filha do proprietário, que trabalha na empresa com o pai e o irmão mais novo.
©Sara Matos/SOL
Certo é que um dia depois do incêndio, 12 contentores de produtos seguiram para Angola – o principal destino de exportação da Sicasal, que envia para o exterior 40% da sua produção anual.
Funcionário bombeiro minorou prejuízos
Em mais de 41 anos de funcionamento este foi o primeiro fogo a atingir a Sicasal. E os prejuízos – para os quais ainda não há números, nem da empresa nem da seguradora – poderiam ter sido ainda maiores, diz o proprietário.
Helder Santa Maria, 43 anos, não deixou. O antigo bombeiro das corporações de Mafra e da Malveira, há cinco anos a trabalhar na fábrica, estava de turno, no controlo de entradas e saídas de frescos, quando foi alertado para o incêndio por um colega. «Vi muito fumo e dei o alerta para o 112». Depois retirou os funcionários que se encontravam na zona atingida e no andar de escritórios em cima. Ainda correu para o parque, onde conseguiu tirar sete carros.
©Sara Matos/SOL
«Gostava de ter conseguido salvar mais coisas, para minorar os prejuízos. Foi difícil. Em 15 minutos o fogo já tinha alastrado».
Desmanche em instalações provisórias
Santos da Silva calcula que só dentro de um ano, a zona atingida pelo incêndio poderá voltar a funcionar. «A solução deverá passar por fazer estudos e a avaliação das infra-estruturas e aproveitar para fazer um reajustamento tecnológico desta zona», explica.
A ideia é que o abate, o desmanche e embalagem da carne de porco fresco que eram feitos dentro da fábrica – e davam vantagens competitivas à Sicasal – sejam deslocalizados durante esse tempo. «Temos umas instalações alugadas na Freixeira e dentro de duas semanas esperamos pô-las a funcionar».
A carne fresca seguirá dali directamente para o mercado e as restantes partes do porco regressarão à fábrica onde são aproveitadas. «Os funcionários terão de trabalhar ali temporariamente. São ajustes que são necessários e estamos a tentar assegurar transporte se for necessário», conclui.
joana.f.costa@sol.pt
http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=35061
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