Entrevista a Aníbal Fernandes, presidente do consórcio eólico Eneop
02.12.2011 - 14:09 Por Lurdes Ferreira
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A discussão sobre mudanças no sistema energético "não pode ser [feita]
com estados de alma de raiva ou de rancor", pede o responsável pelo
consórcio que lançou uma nova fileira industrial no país, no sector da
energia, e que emprega 2100 pessoas, em Viana do Castelo.
Aníbal Fernandes defende que a tarifa paga à Eneop por cada megawatt
de electricidade de origem eólica é a mais baixa da Europa e é
competitiva mesmo em relação ao gás natural. Com vários exemplos de
subsidiação não explícita dada às energias fósseis em Portugal,
sustenta que, historicamente, "todas as subsidiações tiveram uma razão
de ser". Quanto ao défice tarifário, diz que é resultado de medidas de
políticas inconsequentes e não culpa das energias renováveis ou
fósseis.
Aníbal Fernandes é o gestor que, há cerca de uma década, foi
responsável pela construção do terminal de gás natural em Sines, uma
singular obra portuguesa concluída antes dos prazos e abaixo do
orçamento.
Como se encontra o projecto Eneop, no lado industrial e na instalação
de parques eólicos?
Em termos industriais, todo o projecto ficou concluído em 2009. Em
2010, fizemos acertos e começou-se a produzir em pleno a partir de
2010, essencialmente para o mercado nacional. Tínhamos o projecto
ambicioso de acabar toda instalação dos parques eólicos até final
2013. Foi feito um esforço muito grande para avançar o mais possível
na sua instalação. Instalámos até à data 816 megawatts (MW), cerca de
410 máquinas, apesar de todos os constrangimentos orçamentais e de
falta de liquidez da banca nacional. Este projecto foi concebido e
aprovado à luz de um project finance. Ficámos pela primeira tranche,
que foi de 560 milhões de euros, financiados por um sindicato bancário
e apoiados pelo BEI. A partir daí, não conseguimos financiar a segunda
tranche, pelo que, neste momento, temos praticamente parada a
instalação dos parques eólicos.
E como está a compensar essa quase paragem, se até agora era o mercado
nacional que absorvia a produção?
Era esse o plano inicial e foi respeitado. Antecipámos foi a
exportação, que o contrato com o Estado previa apenas a partir de
2012, início de 2013. Tivemos de abrandar o ritmo, a nível interno,
por falta de liquidez. Os accionistas meteram quatro vezes mais
capital do que tinham previsto inicialmente, mais 500 milhões de
euros, para que o projecto não parasse. Está tudo praticamente parado
em termos de instalação de parques eólicos. A Enercon (fabricante
alemão de turbinas eólicas e líder industrial do consórcio, no qual a
EDP Renováveis lidera a instalação dos parques eólicos) reequacionou
entretanto o projecto e antecipou a exportação.
Os accionistas não vão aplicar mais dinheiro porque não podem. Estamos
a negociar com o BEI o financiamento do segundo lote, de cerca de 300
milhões de euros. Estamos apreensivos porque o BEI olhou para o
memorando da troika e viu lá especificado que há um certo risco
tarifário, razão pela qual exige agora uma carta do Governo a dizer
que o risco de descida da tarifa não se aplica à Eneop. Esperamos que
seja enviada.
Tem prazo para este financiamento?
Sim. É até ao final do ano. Ou se faz este ano ou se perde, com todas
as consequências para o país.
Que consequências?
Pode afectar o cluster industrial. Não se concluindo todos os
megawatts do estudo de base para o cálculo da rentabilidade deste
investimento, ter-se-á de repensar a capacidade da fábrica, incluindo
a mão-de-obra. Espero, contudo, que isso não venha a acontecer.
Qual a capacidade de produção ocupada neste momento?
Está toda ocupada. Continuamos a trabalhar a 100 por cento para evitar
impactos negativos nos compromissos que assumimos com o Estado. As
fábricas produzem o mesmo número de unidades que antes, só que como
não temos capacidade para as instalar em Portugal, a Enercon foi à
procura de clientes e reorientou a produção para a exportação,
antecipando o que estava previsto no contrato, de 2013 para 2011. Este
ano mais de metade da produção das máquinas de Viana do Castelo já foi
para exportação.
Mas tal como os accionistas dos parques eólicos fizeram um esforço
muito grande para que o projecto não parasse, também a Enercon não tem
uma capacidade ilimitada de exportação. Este projecto foi aprovado no
concurso de atribuição de 800 MW de potência eólica, mais um prémio de
200 MW em função do mérito da proposta e que veio a ser dado
integralmente. Tivemos ainda a possibilidade de uma sobrecapacidade
(sobreequipamento) nos parques onde tal fosse permitido. Estamos a
falar de 1200 MW, no total.
O estudo para o break-even do investimento da Enercon foi feito com
base nestes 1200 MW. Neste momento, já ulrrapassámos a capacidade
inicial do projecto. Já temos 816, falta-nos instalar 200 MW e mais o
que for possível de sobreequipamento. Isto é fundamental para que a
rentabilidade do capital investido pela Eneop se verifique sob pena de
os accionistas se sentirem defraudados nas suas expectativas. Este
concurso foi muito exigente. Para além das fábricas, que somam cerca
de 220 milhões de euros de investimento directo, tivemos de dar, em
cheque, 35 milhões de euros a fundo perdido para a constituição do
Fundo de Apoio à Inovação, criar 2100 postos de trabalho permanentes,
que estamos a suportar, e por isso virámo-nos para a exportação, para
que não fossem afectados. Estamos a vender para a Irlanda, Canadá,
Itália, Roménia, França e a própria Alemanha.
Estes 2100 empregos continuam todos ocupados?
Sim, todos. Como dizia, tivemos ainda de fazer nos parques as
necessárias redes de ligação que já somam mais de 250 km de linhas de
média e alta tensão. Tivemos de fazer dois centros de despacho ligados
ao centro de despacho da REN, e fazer 24 subestações. Tudo isso são
pressupostos de base do concurso.
Em contrapartida, foi-nos atribuída uma tarifa na altura de 74 euros/
MWh. Como esta tem vindo a baixar, se descontarmos o que temos de dar
às autarquias, que são 2,5 por cento das receitas, e as perdas na rede
que são por nossa conta, a tarifa líquida que a Eneop recebe, neste
momento, é de 67 euros/MWh. Não consigo deixar de comparar este
projecto com o lançamento de uma central a gás natural com ciclo
combinado que é hoje provavelmente a maneira mais eficiente de
produzir energia eléctrica de origem fóssil em Portugal. Este tipo de
central tem um rendimento médio de 51 por cento. O último concurso em
Portugal para atribuição de uma licença tinha dois pressupostos, um
deles o comprovativo de experiência técnica, que qualquer dos
operadores tinha, o outro o pagamento dos custos da licença, de apenas
alguns milhares de euros. O ciclo combinado tem hoje um custo de
produção, tendo em conta o barril de petróleo a 110 euros, de 74 a 76
euros/MWh. O custo de produção do MWh no ciclo combinado atribuído
nessas condições compara com os nossos 67 euros.
Em termos líquidos?
Sim, mas há aqui uma nuance. As energias renováveis, em particular a
eólica, prestam dois serviços à comunidade. Um deles é produção de
energia eléctrica, outro é protecção do ambiente, por não emitirem
CO2. Em Portugal, há uma medida administrativa que isenta até 2013
qualquer instalação de combustíveis fósseis de pagar licenças de
emissões. O que quer dizer que, a esses 76 euros, há a acrescentar os
custos de emissões ou então deduzi-los na nossa tarifa para que seja,
de facto, comparável. Ou seja, é preciso que sejam atribuídos às
diversas formas de energia todos os impactos que elas têm, de facto.
Por isso, é preciso adicionar ou subtrair o impacto das licenças de
emissões. E isso variará, conforme o mercado, entre cinco e 10
euros/MWh.
O investimento nos parques eólicos está todo incluído nos 67 euros de que fala?
Sim, todo. Quando se fala da forte subsidiação das energias
renováveis, em particular da eólica, pretende-se dar a entender que
houve um apoio ao investimento. Esse apoio ao investimento é nulo, ao
contrário do que se fez, por exemplo, com outras formas de energia no
passado.
Não considera que a tarifa é um incentivo?
É um incentivo, mas não ao investimento. Todas as formas de energia em
Portugal tiveram um incentivo, na altura, ao investimento e mais tarde
ao investimento e à tarifa. Por exemplo, a central de carvão em Sines
ainda hoje continua a ter uma forma indirecta de subsidiação.
Ao não ser descontado o CO2?
Isso e não só. Por exemplo, o custo da unidade de dessulfuração da
central está imputada nos custos gerais do sistema, que o consumidor
paga na tarifa global, mas não vê reflectida numa parcela explícita
com este custo. E é um investimento de várias dezenas de milhões de
euros.
A linha de transporte ferroviária feita entre Sines e o Pego não foi
imputada no custo de produção do MWh da central em Sines. Foi paga
pelos contribuintes. Com o porto de descarga aconteceu a mesma coisa.
Estamos a falar de muitos milhões de euros.
Outro exemplo: toda a infra-estrutura do gás natural foi subsidiada a
50 por cento. E, na altura, quando se começou a verificar que, mesmo
assim não seria possível rentabilizar as infra-estruturas surgiram os
Contratos de Aquisição de Energia (CAE), com 27 anos de vigência.
Ainda estão em vigor. Quando hoje há uma tarifa que constitui
subsidiação indirecta às renováveis e que é pelo máximo de 15 anos,
estamos a comparar com tudo o que está atrás, inclusivamente os CAE.
O que pensa sobre uma eventual revisão dos contratos de energia, que
este Governo tem pretendido fazer?
Quando se diz que há que rever os contratos, sou muito reservado. Não
estou a criticar o que foi feito no passado. Estou apenas a constatar.
A discussão sobre o sistema eléctrico português e, em geral, o sistema
energético não pode ser com estados de alma de raiva ou de rancor,
como muita gente tem feito. Estes casos não são para comparar
negativamente, mas para os ver na sua plenitude. Todas essas
subsidiações tiveram uma razão de ser. Um Estado de direito não pode
rasgar a sua palavra, sob pena de estar a pensar que resolvemos um
problema no imediato, mas a criar um problema muito grande no futuro,
porque as pessoas deixam de investir e de acreditar no país.
Está a falar de Espanha?
É o exemplo do que não deve ser feito, com uma decisão unilateral e
sem discussão. Ainda por cima, a montanha pariu um rato. As tarifas
voltaram praticamente ao mesmo que eram, as descidas são aplicadas
apenas para o futuro e desestabilizou-se o sistema. Fundos de pensões,
de investimento, que estavam em Espanha sentiram-se defraudados e
puseram o Estado espanhol em tribunal. Ninguém sabe a dimensão das
custas que vai ter de pagar, mas arrisca-se a desembolsar quantias
incalculáveis por uma aventura em que se meteu sem medir as
consequências. Tudo por causa do défice tarifário. Por cá, tem-se
criado uma cacofonia grande também por causa do défice tarifário. O
défice tarifário vem de medidas inconsequentes, não é consequência da
eólica nem do carvão, nem de outra qualquer forma de energia.
Nas críticas de que a eólica tem um custo enorme com uma subsidiação
que vai ao bolso dos consumidores, até já ouvi um responsável de uma
organização de responsabilidade como a CIP dizer que havia uma
'associação mafiosa da eólica' que impedia dar às industrias tarifas
competitivas. Ora, toda a gente sabe que a indústria não paga um
cêntimo pelo sobrecusto das energias renováveis.
Ainda a história do sobrecusto das energias renováveis: o que é pago
hoje na Alemanha é 40 por cento mais do que em Portugal, mas a
Alemanha não tem défice tarifário nem falta de competitividade
industrial. O défice é feito por medidas de política desajustadas.
O anterior regulador demitiu-se porque não o deixaram fazer a
transposição directa dos custos verdadeiros da energia. Um orçamento
deve ser rigoroso e não é para fingir. É um documento de trabalho que
permite saber onde nos balizamos. Se eu digo que tenho cem unidades de
impacto na energia, mas por razões sociais, politicas ou outras, eu só
meto 80, o que estou a fazer? A desorçamentar e a criar défice
tarifário. É isso que tem vindo a ser feito. São simplesmente más
politicas energéticas que o país tem adoptado, infelizmente.
Um mercado cada vez mais dinâmico é a solução?
Há muita gente que defende o mercado. O mercado é uma coisa muito
complexa em termos de energia. Andamos aqui na Península Ibérica a
instituir o Mibel, desde há sete anos, e não funciona. Julgo que nem
em Espanha funciona, quanto mais a nível europeu. Há no sistema
eléctrico diversas formas de produzir energia com características
diversas e estados de maturação, evolução e custos de produção
diversos. Portanto, cada país tenta adaptar-se às circunstancias. É
assim que a Alemanha privilegia o seu carvão, a França o nuclear, o
Reino Unido o gás natural e vão colocando as suas formas de energia de
uma forma não transparente em relação aos custos reais.
Num artigo recente, Javier Solana – que não pode ser apelidado de
pertencer a um lobby de energias renováveis – apontava para a
complexidade do mercado energético, devido às externalidades negativas
ambientais, e para o mercado não regulamentado não ser um mecanismo
útil de governação uma vez que é incapaz de interiorizar os custos
ambientais. Daí que as energias dominantes deviam pagar uma taxa de 70
por cento para reduzir as suas externalidades negativas. Este homem
não é nenhum ambientalista. Se todos os custos e benefícios fossem
reflectidos em cada forma de energia, todos os sobrecustos dos
impactos negativos, eu não tinha a menor dúvida em dizer que a hídrica
é a forma de energia mais competitiva e a seguir a eólica. Mas sabemos
que as coisas não são assim porque há custos que são ocultados nas
diversas formas de energia. Cá, por exemplo, os impactos ambientais
têm estado fora da discussão e das contas dos custos de energia.
Com a crise, tende-se a menorizar a discussão sobre os impactos
ambientais da energia que consumimos.
Isso é o que mais preocupa. Há uma série de personalidades que tem
prestado mau serviço ao país, porque se anda a discutir este assunto
com estados de alma de ódio e de paixão que não se coadunam com uma
discussão séria.
O que se vê agora é uma tentativa de colar as renováveis ao anterior
Governo, porque caiu em desgraça. Só que isto não vem do anterior
governo, vem de há três décadas e não é exclusivo de um partido ou
governo. É uma directiva comunitária. São directivas também plasmadas
em todos os países desenvolvidos. Neste momento, a tendência no mundo
desenvolvido para a produção de electricidade é uma aposta fortíssima
na eficiência energética e nas renováveis e a seguir, para
complementar, no gás natural porque é o combustível fóssil com menos
impacto ambiental. Essa discussão começou cá no final da década de 80
e demorou muito tempo a construir este edifício. Não é propriedade de
nenhum governo, é fruto de uma vontade que soube ouvir o que se
passava e passa lá fora. Nos últimos 10 anos, a aposta da Europa é
essencialmente gás natural e eólica, qualquer coisa como 90 mil MW
para o gás natural, 70 mil para a eólica e, ao mesmo tempo, um
desinvestimento brutal no carvão, de 13 mil MW, no nuclear, de 12 mil,
e no petróleo, de cerca de 9 mil MW.
A ministra do Ambiente disse recentemente que a nova orientação é não
investir mais em renováveis e apostar na eficiência. Como lê esta
declaração?
Noto uma diferença em relação a pessoas que falam em parar as
renováveis. A ministra tem uma preocupação muito grande em relação à
protecção ambiental e coloca em primeiro lugar uma aposta muito forte
na eficiência energética. Pôs isso como uma protecção ambiental e pôs
a agenda das alterações climáticas no topo, contrariando opiniões que
negam as alteraçõres climáticas e tentam destruir o que foi construído
em Portugal nas ultimas três décadas. Há organizações respeitáveis
como a NASA e a NOAA, que vêm fazendo um trabalho consistente de
pesquisa, mostrando que há uma subida linear da temperatura que pode
chegar aos dois graus em 2010. Quem pode ainda dizer que se trata de
uma invenção de Al Gore?
Portugal tem hoje 30 por cento menos emissões do que em 2007, em
consequência das medidas tomadas para a produção de electricidade. A
partir de 2007, houve um impacto muito grande da entrada da hídrica e
da eólica na produção de electricidade, que chega hoje quase aos 50
por cento da produção total. Isso teve um impacto brutal nas emissões.
É um papel que as energias estão a cumprir e que não pode ser negado
nem descartado da discussão.
Preocupa-me, no entanto, o discurso da ministra em tempo de recessão,
quando todos ralham e ninguém tem razão. Há muitas vezes tendência
para a asneira acudindo a situações de curto prazo mas comprometendo o
futuro.
Se há a mensagem de que em recessão há custos que se podem evitar,
nomeadamente com renováveis, como se explica o contrário?
Por isso, digo que é preciso explicar bem às pessoas. Falando de
electricidade, temos de ter em conta que as tarifas em Portugal são
mais baratas do que em Espanha, entre 15 a 20 por cento, quer para o
sector industrial quer doméstico, e muito mais baratas do que a média
europeia. Depois, há quem diga que não têm em conta o poder de compra.
Bom, então aí é preciso ter em conta o poder de compra para tudo e não
apenas para a electricidade, por exemplo, para o gás. O gás, sim, tem
impacto nas indústrias, e é mais caro em Portugal do que em Espanha.
Hoje, em Portugal, a energia eólica que está a ser injectada na rede
com a tarifa mais recente [como a da Eneop] é um contribuinte liquido
para a fazer baixar. Façamos um exercício: se retirássemos todas as
renováveis do sistema eléctrico português, a tarifa aumentava cerca de
10 euros/MWh porque temos hoje muita energia renovável com custos
muito competitivos em relação às fósseis, é a eólica de nova geração e
os custos imbatíveis do próprio solar térmico.
No ano passado, as energias renováveis já representaram metade da
produção de electricidade. Evitaram mil milhões de euros de importação
de combustíveis fósseis e de licenças de emissões. Isso significa que
foi dinheiro que ficou dentro do país, não saiu. Não é por acaso que a
energia eléctrica cá é mais barata que em Espanha e mais barata do que
a média da UE, mesmo em países com forte componente nuclear. E quem
critica as renováveis tem uma agenda escondida, que é o nuclear.
Sente que em matéria ambiental e de energia, o Governo está alinhado?
Há uma sintonia no governo no olhar para o futuro, mas tem de o fazer
com cuidado porque este caminho durou três décadas e custou muito a
fazer. Para o destruir, bastam umas horas. O Governo tem toda a
legitimidade para olhar para a questão da energia de uma forma
sustentável, mas deve resistir à tentação de cacofonias e ter a
plenitude dos dados na discussão, não apenas parte.
Podemos caminhar para uma solução como em Espanha?
Espero que não. Seria uma medida muito paralisadora para a economia
nacional. Já nos basta o corte do rating da República. Imagine dizer a
alguém que investiu numa central há 15 anos e que tem agora de imputar
50, 100 milhões de euros na sua produção. Isso faz sentido? É uma
discussão demagógica. Parar os contratos e revê-los é teoricamente
possível, mas revela má-fé porque tem consequências incalculáveis para
o país.
A Eneop foi contactada para isso?
Não e espero que não o seja. Temos a tarifa mais baixa da Europa e é
muitíssimo competitiva mesmo em relação ao gás natural de centrais em
ciclo combinado.
Mas não há casos a resolver, por exemplo, com as situações de abuso na
cogeração?
Ouvi falar em falsa cogeração, mas na verdade a única falsa cogeração
de que me lembro foi proposta pelo empresário Patrick Monteiro de
Barros e o seu parceiro Pedro Sampaio Nunes em que propunham uma
central de 500 MW. Isso é que nem sequer se enquadra na lei.
O Ministério da Economia tem sido muito crítico em relação aos custos
que pesam sobre as tarifas.
O défice tarifário é consequência não de uma energia mas de más
políticas. Há uma tentativa legítima de acabar com o défice. Este
governo deve tomar medidas que acabem com ele, mas não permitindo que
se continue a fazer desorçamentação. O Governo não teve problemas em
subir o IVA de 12 para 23 por cento. As tarifas devem reflectir também
os custos reais e ter em conta todos os impactos, não podem ser apenas
parte deles.
O último relatório da Agência Internacional de Energia voltou a dizer
este ano que as energias fósseis continuam a ser mais subsidiadas que
as renováveis só que de forma menos explícita. É difícil quebrar o
ciclo?
A resistência às renováveis é limitada a Portugal e a meia dúzia de
pessoas. É em contraciclo do resto do mundo. Olhamos para os países da
OCDE, e mesmo para a China, e vemos que a aposta nas energias
renováveis e na eficiência energética são a prioridade da politica
económica. Há quatro anos, o primeiro fabricante mundial de eólicas
era americano, a General Electric, e o segundo era europeu, a Vestas.
Hoje, são duas companhias da China, país que instalou 17 mil MW de
eólica em 2010.
Nos últimos 10 anos, a OCDE apostou quase exclusivamente no gás
natural para centrais de ciclo combinado, na eólica e em fotovoltaico,
no resto desinvestiu. Esta é a tendência mundial e assim continua. O
Reino Unido tem uma aposta brutal na eólica offshore. A EDF já disse
que para levar em frente o investimento nuclear no Reino Unido só com
incentivos à tarifa (feed-in-tariff). A indústria nuclear reclama
estes incentivos também para outros países. Por isso, a discussão do
nuclear que se faz em Portugal não tem sentido. Toda a produção
eléctrica tem de estar associada às alterações climáticas e temos de
olhar com reservas para o nuclear, depois das decisões da Alemanha, da
Itália, agora da Bélgica que quer sair até 2015, da Suíça. Até o
ministro francês da Indústria disse que o país está a equacionar a
saída até 2050. Há cerca de um mês, a Bulgária anunciou que ia
abandonar o novo reactor.
Tudo por causa de Fukushima?
Porque a verdade dos custos começa a aparecer. Com a Finlândia vieram
ao de cima fragilidades ocultadas, nomeadamente em relação à segurança
da central [um modelo único da Areva, o EPR, que já anunciou que vai
abandonar e que chegou a ser defendido para Portugal]. A Comissão
Europeia aprovou testes de stress para todas as centrais e a França
boicotou o tipo de testes. O que se estima é que das 58 centrais
francesas em funcionamento, 22 teriam de fechar imediatamente se
tivessem adoptado a medida da Comissão. Por outro lado, a Areva vai
despedir 2700 pessoas, não consegue resolver os problemas que tem em
Flamanville (França) e leva quatro anos de atraso e sete mil milhões
de euros de custo em Olkiluoto (Finlândia), numa proporção
incomensurável.
A verdade desses custos inclui os seguros?
Sim. Uma central nuclear não tem nenhum seguro, ao contrário de todas
as outras instalações industriais. Têm de ser os estados a assegurar.
Recentemente, um instituto de seguros de Leipzig calculou o impacto de
uma apólice de seguro para uma instalação nuclear. Para a cobertura
plena de riscos, a apólice teria um impacto, só por si, 67,3
euros/MWh, sem contar com os outros custos, nomeadamente de produção.
Por exemplo, a EDF anunciou recentemente que o custo de produção na
sua central de Flamanville era de 58 euros/MWh. E neste valor não está
incluído qualquer custo de ligação à rede, das autoridades de
radioprotecção, de tratamento de resíduos, de desmantelamento, bem
como de seguros.
As contas que andam a ser feitas para os custos do desmantelamento das
centrais no Reino Unido e em Espanha apontam para o dobro do que foi o
investimento de instalação. É um pesadelo. Por isso se vê que é a
forma de energia menos competitiva. Os países que hoje defendem o
nuclear não são países onde o mercado esteja a funcionar.
E como vê então o grande impulso da Coreia do Sul?
Eles falam em 24 euros/MWh, mas agora é a Areva a clamar que a
tecnologia sul-coreana não é segura. Pergunto se são países como a
Coreia e a China que nos devem levar a segui-los. Se eu tenho
dificuldade em arranjar 300 milhões de euros, caberá na cabeça de
alguém o país arranjar sete mil milhões de euros para montar uma coisa
que não sabe se funciona?
http://economia.publico.pt/Noticia/as-energias-renovaveis-nao-sao-exclusivo-de-um-governo-vem-de-ha-tres-decadas-e-de-uma-directiva-comunitaria-1523519
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