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A crise obrigou-nos a olhar para o umbigo e a ver o óbvio: um abandono da agricultura que nos sai hoje particularmente caro e que pode ser desastroso num futuro próximo
Pedro Camacho
8:42 Quinta feira, 3 de Nov de 2011
A União Europeia afirmou-se e expandiu-se num mar de abundância de recursos e de crescimento económico mais ou menos linear e garantido. Esses tempos chegam ao fim sem que tivesse feito as reformas políticas e institucionais necessárias para enfrentar a nova realidade global, em que a sua supremacia tecnológica e económica são tão improváveis quanto os tempos de abundância e de desperdício. É neste novo contexto de dificuldades financeiras e de crescente competição com as sociedades emergentes que a UE terá de encontrar a sua coesão interna. E é também agora que deve reencontrar o seu papel histórico de liderança, na afirmação de novas regras e de novos princípios, de novos valores que redirecionem o mundo, e desde logo a própria Europa, para a construção de uma sociedade global mais justa, mais solidária e mais sustentável.
O Ambiente, encarado na sua forma mais abrangente, enquanto preocupação enquadradora de um modelo de desenvolvimento global sustentável, de uma nova maneira de olhar para a sociedade e para a economia, pode e deve ser a nova plataforma de afirmação da Europa. Até porque o mundo necessita que ela continue na linha da frente das preocupações ambientais, seja qual for a crise que se atravesse, sob pena de se perder a única liderança política global - por muito fragilizada que ela hoje surja - capaz de arrastar o mundo para as mudanças que garantem capacidade de sobrevivência ao planeta.
O regresso à terra, tema a que dedicamos esta 5.ª edição especial VISÃO Verde, tem, para nós, portugueses, uma pertinência especial. Por força desta crise, fomos obrigados a olhar para o umbigo e ver o óbvio: um abandono da agricultura, durante décadas, que nos sai particularmente caro, já que "enterrámos" na improdutividade agrícola cerca de um quarto (3 mil milhões de euros) do nosso défice em matéria de bens e serviços transacionados com o exterior. Comprar português, mesmo que mais caro, faz hoje muita diferença, seja em matéria de endividamento externo, seja como instrumento de combate ao desemprego. Mas é preciso que eles, os produtos nacionais, existam. E desde logo os produtos agrícolas.
Assunção Cristas, ministra que tutela a Agricultura, o Mar, o Ambiente e o Ordenamento do Território, garante, nesta revista (ver páginas 58 a 62) que o Governo vai dar atenção à agricultura. Promete-nos voltar a esgotar o PRODEP, o principal programa de apoio aos projetos agrícolas, e diz que está em preparação a criação de um "banco de terras" do Estado, para ser entregue a quem queira regressar à exploração dos campos. E mantém como possível a meta da autossuficiência agrícola e agroindustrial em sete anos, o que significa estimular o investimento e a produção, de forma a aumentar as exportações e também a quota dos produtos nacionais no mercado doméstico. É um objetivo ambicioso, provavelmente irrealizável num espaço de tempo tão curto. Mas é uma ambição, o que, olhando para o passado, é já uma clara evolução.
Falar do regresso à terra numa edição que se quer verde, é falar, igualmente, de política global de utilização dos solos, coisa que tem deixado muito a desejar nas últimas décadas, marcadas pela "lei do betão", uma nebulosa onde cabem interesses privados legítimos e ilegítimos, políticas conjunturais de estímulo ao crescimento cruzadas com gestão de ciclos eleitorais, loucuras sem explicação e outras coisas sobre as quais é sempre difícil escrever sem as devidas provas. É falar, também, de políticas comunitárias que ajudaram seguramente muitos agricultores, mas não a maioria dos agricultores portugueses e, sobretudo, não a agricultura nacional enquanto um todo. É falar de transgénicos, de biocombustíveis e de combate à desertificação e à criação de megacidades. É falar de um regresso a valores diferentes, cultivados pelos mais velhos, e de novas modas comportamentais, descobertas pelos mais novos.
E é, por fim, falar da forma como vamos alimentar o ser humano 7 mil milhões, que acaba de nascer e com o qual partilho o sobrenome - Danica May Camacho, uma bebé filipina. Na longa história da evolução do Homem, a sua fama será efémera: em 2050, estará a nascer o bebé que nos fará entrar no patamar dos 9 mil milhões de seres humanos a habitar no (e a depender do) planeta. Juntemos esta explosão populacional à explosão económica dos países em vias de desenvolvimento, com tudo o que isso significa em termos de aumento de consumo, de poluição e de pressão sobre os recursos naturais, e imagine-se o futuro que nos espera.
O regresso à terra é mais que nunca urgente. Por causa das dificuldades de hoje e por causa dos problemas que teremos certamente amanhã, mas também por causa dos cenários mais negros que podem muito bem acontecer num futuro mais ou menos próximo. Mas é também urgente que se faça esse regresso de forma inteligente e sustentável. É, por isso, fundamental que as políticas verdes não desapareçam nesta espiral de colapso financeiro. E é também por isto - muito mais do que pela simples, mas essencial, manutenção do euro - que é fundamental que a Europa ultrapasse esta crise e lidere a nova ordem global que terá, necessariamente, de se impor a curto prazo. Um mundo virado de novo para a Terra.
http://aeiou.visao.pt/uma-nova-visao-para-a-terra=f631121#ixzz1ceigeVoc
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