segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Mapa identifica as estradas do Sul com maior risco de colisão com javalis

NICOLAU FERREIRA 06/02/2013 - 00:00

Quatro quintos dos acidentes entre veículos e javalis acontecem em
estradas nacionais e regionais

Bióloga fez estudo inédito que avalia os percursos onde carros e
javalis se podem cruzar e causar acidentes. Évora, Beja e Portalegre
são os distritos onde há mais risco de um choque com estes animais

Se, numa noite de Inverno, um javali se atravessar à frente do seu
carro, saiba que um possível choque faz parte de um problema europeu
que está em crescimento por cá. Por ano, estima-se que 300 pessoas
morram na Europa devido a acidentes rodoviários com ungulados -
animais como o javali, o veado ou o cavalo. Em Portugal, a
contabilização não representa o verdadeiro problema. Entre 2000 e
2011, houve pelo menos 221 acidentes nos distritos a sul do Tejo - foi
a partir desta informação que a bióloga Estrela Matilde fez um mapa
inédito das estradas com mais risco na região.

Os distritos mais perigosos são Évora e Beja, o menos perigoso é Faro,
e é nas estradas nacionais e regionais que um acidente destes é mais
provável, sugerem os resultados da tese de mestrado da bióloga, na
Universidade de Évora.

"O aumento crescente dos registos dos acidentes ao longo dos últimos
12 anos, que poderá traduzir um aumento real no número de acidentes,
faz prever que esta venha a ser uma realidade preocupante", escreve
Estrela Matilde. "Daí a necessidade de perceber [este fenómeno], para
se poder agir", explica a bióloga, de 27 anos, que terminou o mestrado
em 2012, com orientação de António Mira e Sara Santos, investigadores
da Universidade de Évora.

Em Portugal, o animal selvagem mais frequente com um tamanho capaz de
pôr em perigo quem está dentro de um veículo é o javali (Sus scrofa).
As vacas e os cavalos podem ter maior porte, mas existem em menor
número e são controlados pelo homem.

Apesar de não haver uma contagem actualizada da população de javalis
no país, o conhecimento de campo e o aumento do número de animais
caçados apontam para que esta espécie esteja em expansão. No Alentejo,
o abandono dos terrenos agrícolas e a disponibilidade de alimento e
abrigo durante todo o ano são factores que permitem este crescimento.
O que faz com que 61,5% dos javalis caçados sejam desta região. Estes
dados são um alerta para o que pode acontecer numa viagem corriqueira
de carro.

A tese "foi um ponto de partida para perceber se esta é realmente uma
problemática e se é preciso agir nesse sentido", explica Estrela
Matilde. "Os nossos resultados dizem-nos que sim."

9200 quilómetros de alcatrão

Para isso, a bióloga começou por recolher junto da Guarda Nacional
Republicana a informação existente sobre os acidentes rodoviários com
javalis nos distritos de Portalegre, Setúbal, Évora, Beja e Faro.
"Infelizmente, a amostragem que temos destes acidentes é uma pequena
amostra da realidade, porque a grande maioria dos acidentes deste
género não é reportada às autoridades." Por uma questão de tempo,
ficaram de fora do trabalho da tese os distritos a norte do rio Tejo.

Depois, assinalou o local de ocorrência dos acidentes num mapa com as
estradas destes distritos. Existem 9200 quilómetros de alcatrão na
região estudada, divididos em 610 quilómetros de auto-estradas, 620 de
itinerários principais, 4200 de estradas nacionais e regionais e 3800
de estradas municipais.

Os distritos mais afectados com acidentes foram Évora, com 121, e
Portalegre, com 59 acidentes. E 175 das 221 colisões ocorreram em
estradas nacionais ou regionais.

Para avaliar as estradas com maior risco, a bióloga dividiu os 9200
quilómetros de rodovia em hexágonos com uma área de quatro quilómetros
quadrados que abrangem o troço de alcatrão e área à volta. Isso
resultou numa rede de 4221 hexágonos que se sobrepõem à rede de
estradas dos quatro distritos.

Deste modo, foi possível caracterizar cada hexágono em relação a
diversas variáveis: a altitude, o declive, o clima, a presença de
rios, a abundância de javalis obtida a partir do índice de caça, o
tipo de usos de solo e o tipo de estrada. Com esta caracterização, a
bióloga comparou os 4221 com os hexágonos em que tinha havido
acidentes, para "perceber quais os factores [descritos acima] de
agregação dos acidentes, de maneira a conseguir prever locais mais ou
menos perigosos, consoante esses factores que "ocorrem" nos locais
onde houve acidentes", explica a cientista, sublinhando que ainda vai
trabalhar mais os dados para tornar os resultados, para já
provisórios, mais robustos.

"As estradas nacionais e regionais são as de maior risco, porque não
apresentam vedações nem impedimentos dos animais à via, e porque são
estradas mais sinuosas que acabam por integrar habitats preferenciais
à espécie", acredita Estrela Matilde. Por outro lado, as áreas
agrícolas são aquelas onde o risco de atropelamento é maior, já que
têm alimento e são atractivas para os javalis.

A partir desta avaliação, obteve-se um mapa com quatro cores, do azul
ao laranja, onde um troço de uma estrada num hexágono azul apresenta
risco reduzido de atropelamento do javali e o laranja apresenta um
risco muito elevado. Depois de Évora e Beja, os distritos com mais
hexágonos amarelos e laranjas, vem logo a seguir o de Portalegre. Os
resultados para o distrito de Évora coadunam-se com o número de
acidentes contabilizados. Em Beja, pode haver, por um lado, uma menor
contabilização de acidentes. Por outro, a baixa densidade populacional
no distrito pode explicar um menor número de encontros trágicos. Faro
é o distrito que apresenta menos perigo.

E o que se pode fazer para diminuir os riscos de, numa noite de
Inverno, um javali fazer-nos a vida negra? "Existem medidas para
impedir o acesso dos animais à via, através de vedações, barreiras,
direccionando-os para passagens que possam utilizar com segurança. É
importante também, depois de analisar os locais perigosos, instalar
mecanismos que "avisem" os condutores da presença de animais",
responde-nos a bióloga. Mas o melhor, quando passar por estas
estradas, é manter-se alerta, para o caso de um animal destes se
cruzar no seu caminho.

http://www.publico.pt/ciencias/jornal/mapa-identifica-as-estradas-do-sul-com-maior-risco-de-colisao-com-javalis-26014929

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