por Margarida Bon de Sousa, Publicado em 17 de Setembro de 2011
João Machado defende que o Fundo de Capitalização não foi criado para
resolver problemas mas para garantir reformas
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O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal está
totalmente contra a utilização das verbas da Segurança Social para
pagar despesa corrente. E duvida que haja um acordo de concertação
estratégica este ano. Quanto à agricultura, diz que está numa dinâmica
de crescimento, mas sem mão-de- -obra, que está a ser importada da
Tailândia.
Preocupa-o o facto de os excedentes da Segurança Social estarem a ser
desviados para despesa corrente e não estarem a ir para o Fundo de
Capitalização?
Há duas questões na Segurança Social. Em primeiro lugar, e já
defendemos isso perante o governo e publicamente, é um crime atacar o
sistema e a sua sustentabilidade. Fizemos uma profunda reforma há uns
anos atrás, que está planeada para dar resultados até 2050 e que foi
conseguida com o acordo dos parceiros sociais. Atacar o sistema,
nomeadamente a parte das reformas, é um crime que ninguém pode
cometer. Somos defensores de que as receitas que sejam retiradas da
Segurança Social têm de ser repostas por impostos e mais uma vez vão
ser os portugueses a fazê-lo, pagando duplamente o direito à sua
reforma.
E quanto à gestão das verbas da Segurança Social?
A Segurança Social tem legislação enquadradora e cada vez estamos mais
preocupados com dois aspectos. Em primeiro lugar, com a falta de
transparência e com o facto de não estar a ser integralmente cumprida
a Lei de Bases. Depois, e a própria CAP já chamou a atenção para isso,
a maneira como o Fundo de Capitalização foi utilizado pelo anterior
governo para comprar dívida pública, desviando-se receitas para
aplicações que deveriam ser mais rentáveis.
Isso significa que o Fundo de Capitalização está a ser mal gerido?
Tem de se ter muito cuidado com isso. Porque no Fundo de Capitalização
estamos a garantir as reformas da geração de portugueses que está
agora a entrar no mercado de trabalho e os que estão a fazer os seus
descontos para virem a receber uma pensão no futuro. O Fundo de
Capitalização deve ser gerido no interesse desses contribuintes, e não
no interesse de resolver problemas conjunturais do país, ou mesmo
estruturais. Porque não foi para isso que foi criado. Preocupa-nos a
falta de transparência e o desvio de verbas para despesa corrente e a
maneira como o Fundo de Capitalização foi utilizado em termos das suas
aplicações de capitais, que não nos parece ter sido a mais correcta.
Considera possível um acordo estratégico este ano?
O governo tem de definir um objectivo. Será muito difícil fechar
qualquer acordo com os parceiros sem haver um objectivo claramente
definido. Na primeira reunião, o primeiro-ministro disse que o acordo
tripartido assinado com o anterior governo era para cumprir
integralmente e que queria ir mais além. Nesta reunião foi reforçada a
mesma ideia, mas queriam um novo acordo estratégico para a
competitividade, o crescimento e o emprego.
O acordo anterior tinha medidas com impacto significativo no Orçamento...
No caso da agricultura tem certamente. Relembro que a CAP foi o único
parceiro patronal que não assinou o acordo, porque achava que o
governo não tinha condições para o cumprir quando estava a apresentar
o PEC IV em simultâneo e o primeiro-ministro pressionava o parlamento
com a demissão caso o novo pacote não fosse aprovado, o que acabou por
acontecer. Neste momento estamos disponíveis para trabalhar com este
governo naquele texto, porque era um texto que merecia a nossa
concordância, ou noutro texto que possa ser acordado com os parceiros
sociais.
Mas tinha ou não impacto no OE?
Parece-me que o texto anterior está muito datado no tempo. É um texto
pré-PEC IV. Não se pode dizer que seja um texto pré-crise, porque já
vivíamos em crise, mas pré-intervenção em Portugal da troika. Neste
momento é incomportável para o Orçamento do Estado por via dos acordos
feitos com a Comissão Europeia, o FMI e o Banco Central Europeu. Do
ponto de vista da CAP, seria mais favorável iniciar-se uma nova fase.
Analisá-lo a fundo e construir a partir daí um novo texto.
Não foi essa a metodologia seguida...
Não. E a metodologia tem alguns equívocos, o que não é bom num
processo de concertação que necessariamente vai ser muito complicado.
O único documento já apresentado foi o Fundo para a Compensação do
Trabalho, que aumenta as contribuições do patronato para a Segurança
Social...
Esses equívocos radicam em partir-se do princípio de que o acordo
anterior é para cumprir e que haverá um novo acordo estratégico para o
crescimento, o emprego e a competitividade. Mas as matérias elencadas
nesta primeira fase são exactamente as mesmas que estavam no acordo
anterior. Estamos a trabalhar numa nova realidade, dizendo que vamos
cumprir a de Março. Ora se o anterior é bom não o devíamos modificar.
E se é mau devíamos revogá-lo e fazer um novo. Os dois em simultâneo
não nos levam a parte nenhuma.
Há falhas por parte do governo?
Estas reuniões não começaram da melhor maneira. Era preciso numa
primeira fase o governo definir claramente com os parceiros sociais
qual o objectivo a atingir. Pode até centrar-se nos mesmos temas que o
acordo anterior, mas o cenário é totalmente distinto, porque existe o
memorando com a troika e estamos em plena elaboração do Orçamento do
Estado. Há uma realidade tão diferente que era sobre ela que devíamos
estar a construir qualquer coisa de novo, sabendo de antemão que o
resultado final será muito diferente do que foi acordado em Março. Não
foi essa a metodologia seguida pelo governo. Contudo, vamos participar
nas próximas reuniões com um espírito construtivo. Mas parece-nos que
o processo é confuso, equívoco e não contribui para que cheguemos
rapidamente a um resultado positivo.
Não acha curioso que a taxa social única e o IVA não tenham sido
devidamente abordados na última reunião?
A taxa social única e o IVA foram falados muito rapidamente no final
do encontro. O documento distribuído pelo governo aponta para uma
descida faseada de 3,7% e 3,6%, ou seja, tem duas variantes, e quatro
cenários. O relatório não escolheu o caminho, só diz que o resultado
da receita fiscal tem de ser nulo nesta matéria. Ora, não conhecendo
as escolhas do governo nem para a TSU nem para o IVA, este deveria ser
um dos temas mais relevantes da Concertação Social. E nunca deveria
ter sido abordado com a pouca importância que lhe deram.
Qual é a posição da CAP quanto à TSU?
Consideramos em primeiro lugar que não vai haver nenhum choque fiscal
com uma redução da TSU dentro dos parâmetros avançados pelo governo. E
muito menos com aquele mix de quatro propostas que são apresentadas,
que me parecem, algumas delas, até contrárias ao interesse da economia
nacional.
Pode justifica essa afirmação?
O cenário da criação líquida de emprego aliado à redução da TSU é
absolutamente contraditório. Expliquei isso na Concertação. A criação
de emprego deve estar integrada nas políticas activas de emprego e não
num cenário de competitividade. Porque se se obriga a criar postos de
trabalho para promover a competitividade, então estamos a ir no
sentido oposto ao que está a acontecer no mercado, que, como se sabe,
está a cortar na mão-de-obra para reduzir custos. Não estamos na
altura de criar mais custos. São duas realidades importantes para o
país, a criação líquida de emprego e a competitividade, mas neste
momento podem ser antagónicas. Portanto ligar as duas à redução da TSU
anula o objectivo de fomentar a competitividade. Depois se se cria ou
não emprego é outro problema. Muito importante para o país certamente,
mas é uma questão que não deve ser apresentada em sede de TSU.
Mais exemplos...
Não faz nenhum sentido o cenário de baixar a TSU só para vencimentos
abaixo de um determinado limite. Porque não é líquido que aquelas
empresas que têm salários mais baixos sejam as que mais exportam. As
empresas que exportam produtos tecnológicos têm salários altos.
Então é contra a redução da TSU...
Mais uma vez estamos a atirar ao lado. A baixa da TSU em% 3,6 ou 3,7%,
ainda por cima se for faseada, como foi proposto no documento do
governo, não tem nenhum impacto na competitividade das empresas. Nas
exportadoras, a incidência da mão-de-obra no preço final do produto
varia entre os 10% e os 20%. Admitamos este máximo. E admitamos que a
taxa baixa de facto 3,7%. Estamos a falar de uma incidência para a
competitividade de 0,6% ou 0,7%. Isto quer dizer que não há nenhuma
empresa que aumente a sua competitividade por ter uma redução de 0,7%
no preço do produto final. E não há nenhuma empresa que baixe o preço
se o impacto for desta ordem de grandeza. Continua tudo na mesma e a
Segurança Social perde mil e quinhentos milhões de euros que têm de se
ir buscar a um lado qualquer. Analisando este relatório, é um
disparate mexer na TSU.
E o IVA?
O relatório não tem a parte do IVA. Só diz que a descida que for
adoptada tem de ser compensada em sede de outros impostos,
nomeadamente do IVA. O que significa que só conhecemos uma parte do
problema. E queríamos, nesta última reunião da Concertação Social, que
nos revelassem a outra parte. Devia haver um relatório sobre a subida
do IVA e o seu impacto na economia nacional para podermos confrontar
os números com a descida da TSU. Esta não tem grande impacto e o
outro, no nosso entender, terá um impacto desastroso nas empresas
portuguesas. E portanto pedimos ao governo que dê muita atenção a esta
matéria.
Quais são as consequências de eliminar as taxas reduzidas e intermédias?
Representa um custo acrescido sobre bens essenciais para os
consumidores de 10% num caso e de 17% no outro. Para uma população que
tem sido bastante pressionada ao nível dos salários. Segunda questão:
representa necessariamente uma contracção brutal do mercado e uma
quebra nas vendas para as empresas às quais se pretendia dar
competitividade. É preciso não esquecer que a grande maioria são
pequenas e médias empresas. E as exportadoras, salvo raríssimas
excepções, têm como principal mercado o nacional e só depois os
outros. Ora se lhes tiramos esse mercado vão ficar ainda mais fracas,
têm de despedir, e a suas exportações também vão sofrer com isso.
O seu maior receio é que a descida da TSU provoque uma contracção do
mercado ainda maior...
Estamos a fazer um grande alarido em volta da redução da TSU, que no
nosso entender não vai ter nenhum impacto positivo nas exportações.
Estamos a atacar dramaticamente o cerne do comércio dessas empresas,
prejudicando-as, criando mais desemprego e tornando- -as mais fracas.
Isto evidentemente influenciará a sua capacidade exportadora. Tudo
isto está interligado. E como digo faltam estudos e cenários. É um
contra-senso total. E se esta é a opção que o governo pretende fazer,
então a CAP diz que deixem estar a TSU e o IVA como estão. Porque a
competitividade das empresas fica mais defendida desta maneira que da
outra. Se há cenários alternativos e diferentes, então digam- -nos lá
quais são, porque nós não os conhecemos.
Qual é a sua posição sobre a descida de 8% defendida esta semana pelo
FMI para a TSU?
Ouvimos o FMI defender que a descida da TSU tem de ser no mínimo de
8%. Mas a troika, que também não é completamente desprovida de
inteligência, sabe que Portugal não tem 3 mil milhões de euros para
compensar esta redução. Portanto cabe à troika explicar onde é que o
país tem de ir buscar essa quantia sem asfixiar a sua economia nem os
seu consumidores. Porque as pessoas vão ter de comer e de se vestir
todos os dias. Nós podemos estar a entrar, por pressão da troika, numa
espiral negativa à qual, no nosso entender, o governo se deve opor,
porque nos levará à situação da Grécia daqui a um ano ou dois. E
seguramente que não se vai buscar aquela quantia às taxas reduzidas do
IVA, porque não dá para cobrir esses 3 mil milhões de euros.
O facto de o actual secretário de Estado da Agricultura ter sido da
CAP facilita a comunicação da confederação com o actual governo?
Temos grande confiança na equipa ministerial que está à frente da
Agricultura. Na ministra e no secretário de Estado. Têm uma tarefa
muito difícil, porque o ministério é grande de mais e abarca matérias
a mais. Ter um secretário de Estado que conhecemos bem, em quem
acreditamos e a quem reconhecemos capacidade de trabalho e capacidade
técnica e política para o lugar só pode ser uma vantagem.
Qual é o percurso profissional do actual secretário de Estado da Agricultura?
O engenheiro José Diogo Santiago de Albuquerque tem um currículo muito
longo. Em Bruxelas trabalhou na Confederação Europeia dos
Agricultores, pelo que conhece bem a mecânica de toda a agricultura
europeia pelo lado da produção. Depois foi nosso delegado em Bruxelas.
Ou seja, também conhece bem o ponto de vista dos agricultores
portugueses. Mais tarde passou pela Comissão Europeia, nomeadamente
pela Direcção-Geral da Agricultura, e estava agora com um dossiê muito
importante, que é a negociação da política agrícola comum para o
período que vai de 2014 a 2020.
Quais são as maiores preocupações dos agricultores neste momento?
Têm muitíssimas. Além de agricultores são portugueses e como tal têm
as mesmas preocupações que todos os que vivem em Portugal sentem
actualmente. Mas podemos dividi-las em dois grandes grupos. Em
primeiro lugar, o actual quadro comunitário, que termina em 2013, e a
sua aplicação em Portugal. Toda a gente sabe que nós não concordámos
com este Proder, que foi feito por um ministro de má memória para
todos os agricultores (Jaime Silva). No entanto, agora os fundos
comunitários não têm alternativa senão serem aplicados por aquele
veículo. Temos de trabalhar todos os dias para os aplicar bem e para
virem para Portugal, porque ajudam a economia nacional. Ora o Estado
não tem dinheiro para as contrapartidas nacionais.
Qual é, neste momento, a taxa de execução do Proder?
Tem-se cifrado em média nos 25% dos fundos disponíveis para este
programa. E até essa comparticipação está a ser difícil de conseguir.
Este ano estavam orçamentados 103 milhões de euros com a possibilidade
de se aumentar mais 50 milhões. Ora esses 50 milhões já estão a ser
precisos e a ministra da Agricultura apenas conseguiu desbloquear 11
milhões. Como estamos muito perto do final do ano, é absolutamente
necessário não só fazer pagamentos como cumprir os objectivos que
estavam estabelecidos.
Vamos perder verbas?
Perderemos verbas em 2012 e isso é dramático. Ainda não sabemos
quanto, porque vai depender do grau de não eficiência até ao final do
ano e durante o próximo ano. Mas a questão é a seguinte: em 2011 e
2012 teremos sempre de investir 300 milhões de euros para não
perdermos verbas. Se temos garantidos 114 milhões, isso significa que
temos de arranjar, para o ano que vem, 186 milhões. E como está a
economia tememos que o Orçamento de 2012 ainda seja mais restritivo
que o deste ano. Isto significa que vamos ter menos produção, menos
emprego e menos exportações. Porque são tudo projectos que visam as
exportações. E vamos entrar numa espiral negativa que não é boa para
ninguém.
Quanto é que a agricultura representa em exportações neste momento?
A agricultura cresceu exponencialmente nos últimos anos. Exportamos
3,5 mil milhões de euros em média por ano. Estamos perto, só em
produtos agrícolas, sem contar com o sector das florestas, a chegar
aos 10% do total das exportações e a contribuir com cerca de 8% do
PIB. Há sectores que de há alguns anos para cá se tornaram
extraordinariamente importantes nas exportações. Por exemplo os
hortofrutícolas. No ano passado exportaram mais de 700 milhões de
euros. E temos um grau de cobertura de 160%. Ou seja, dá para
satisfazer integralmente as necessidades do país e exportar os
restantes 60%. O vinho, o azeite, que também cresceu imenso nos
últimos anos, alguma carne de frango e produtos de aves também estão a
contribuir para esta melhoria de resultados. E obviamente os produtos
transformados, como os enchidos, etc. Não investir em Portugal neste
momento é uma dupla penalização. Porque não só perdemos os fundos
comunitários como não criamos emprego e ainda por cima perdemos
produto para as exportações. Quando dizemos que queremos substituir
importações e aumentar as exportações, isso passa por mais
investimento, não por cortes no investimento.
Como vê a nova PAC?
Essa negociação política tem de ajudar Portugal a continuar nesta
senda de crescimento. Tem de prever que a nossa produção vai aumentar
e tem de visar o equilíbrio da distribuição de fundos dentro da
Europa. De facto, Portugal está hoje muito longe dos primeiros
lugares. Estamos em 22.o ou 23.o, conforme o prisma de que olhamos os
fundos, numa Europa a 27. Quer dizer que estamos mesmo na cauda. O
governo tem aqui uma oportunidade de tentar inverter esta situação.
Depositamos muita esperança em que a experiência que o executivo tem
nesta matéria venha a produzir resultados positivos.
O que é preciso mudar?
Os instrumentos de aplicação desses fundos devem ser mais ágeis, mais
próximos dos agricultores, menos burocráticos e mais amigos da
promoção do investimento. É preciso o Estado considerar que quem quer
investir é um parceiro e não um adversário, como actualmente acontece.
A agricultura é o único sector onde se está a criar emprego...
Existe o permanente e o sazonal, o que acontece na altura das
colheitas. A agricultura é sempre uma almofada social quando a
economia está em crise. Portanto há muita gente que retorna às terras
de origem. E porque hoje há gente mais jovem, formada e com
conhecimentos, que está no sector, cria uma dinâmica muito positiva
que tem permitido ao país evoluir quer nas exportações quer na
substituição de importações. Esta dinâmica já se nota no emprego. Uma
nota importante. Temos enorme dificuldade em arranjar mão-de-obra para
a agricultura, seja ela especializada - pessoas que trabalhem com
computadores e máquinas computorizadas sofisticadíssimas - seja menos
qualificada, para as colheitas, etc. Na agricultura não se paga mal em
comparação com outros sectores. E nem mesmo um desemprego próximo dos
13% transforma esta realidade. Neste momento estamos a importar
mão-de-obra da Tailândia, imagine-se. Porque os portugueses não querem
trabalhar nos campos. E hoje um emprego bem remunerado, como na
agricultura, é um bem escasso.
http://www.ionline.pt/conteudo/150032-joao-machado-e-um-crime-o-que-estao-fazer-com-seguranca-social
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