Visita-guiada à aldeia do Pereiro
20.11.2011 - 17:41 Por Maria Antónia Zacarias
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A casa da família Sequeira foi o centro de um negócio próspero (Rui Soares)
As gargalhadas, o barulho das brincadeiras das crianças, as canções
que as mulheres entoavam na ceifa e na apanha da azeitona, as
"bailaradas" ao som da concertina continuam lá, mas ao longe.
Recordações guardadas na memória de Francisca Neves, que habitou na
aldeia do Pereiro, concelho de Marvão, que está à venda por sete
milhões de euros e que tem já um comprador português interessado.
O estado de degradação é visível, mas a vontade dos que lá trabalharam
de voltar a ver sinais de vida é muita e a Câmara de Marvão garante
que tudo fará para ajudar quem quiser comprar a aldeia. Situada em
pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, são muitas as
potencialidades, tanto para a actividade cinegética, como para o
turismo de natureza e de aventura. A aldeia foi colocada à venda por
um dos dois proprietários, irmãos, no sítio da Internet da imobiliária
inglesa Sotheby"s.
A propriedade é constituída por um conjunto arquitectónico de 20 mil
metros quadrados de área habitável e 80 hectares de olivais e montado
de sobreiro. Apenas a parte edificada está à venda, mas "o
proprietário da zona agrícola não descarta a hipótese de vender se lhe
for feita uma oferta interessante", explica o presidente da Câmara
Municipal de Marvão, Victor Frutuoso.
Francisca Neves, 72 anos, serve de guia ao PÚBLICO numa visita pela
aldeia do Pereiro, que gostaria de voltar a ver "como o mimo que era".
Trabalhadora e moradora no aglomerado até aos anos 50 do século
passado, as rugas no rosto cavadas ao sol no trabalho do campo parecem
desaparecer sempre que fala dos tempos que aqui viveu. "Vim para aqui
em bebé, fui crescendo e comecei a trabalhar à jorna, ganhava sete
escudos por dia", lembra. "Aqui passei muitas horas a trabalhar", diz,
ao mostrar as secadeiras do pimento. "Púnhamos os pimentos a secar e
depois com pás grandes enchíamos as sacas para os transportarmos até à
fábrica, que também aqui existia, para serem moídos", conta.
O autarca de Marvão explica que a herdade do Pereiro foi, no século
XX, uma das explorações agrícolas e industriais da região com maior
actividade, levando ao aparecimento de uma aldeia. Nos anos de 1950,
adianta Victor Frutuoso, "Marvão era considerado o concelho mais
industrializado do Alentejo com fábricas de conservas de fruta e
azeitona de conserva, bem como de outros produtos agrícolas". A maior
concentração de fábricas situava-se na aldeia de Santo António das
Areias, a poucos quilómetros do Pereiro.
Aldeia auto-suficiente
"Nesse tempo, não faltava trabalho e tínhamos aqui, na aldeia do
Pereiro, tudo o que precisávamos, desde moinho para moer a farinha,
forno para fazer pão, queijarias, lagares, uma adega, fontes,
celeiros, quadras para cavalos, um infantário, uma escola, um
refeitório, as nossas abençoadas termas da Fadagosa e uma capela onde
me casei já grávida do meu oitavo filho", conta Francisca Neves.
Nesses tempos, apesar das dificuldades da vida no campo, acrescenta,
"ganhava-se dinheiro para se comer o ano inteiro, já agora..." O
orçamento familiar pequeno era fácil de gerir, até porque o pagamento
do marido, ganhão (pastor) de vacas e ovelhas, era feito em géneros.
"Davam-lhe farinha e queijos e eu cozia o pão no forno de lenha. Belos
tempos esses!", recorda.
Actualmente, o principal sentimento que tem pelo local é de nostalgia:
"Só tenho vontade de chorar ao ver o estado de degradação a que este
sítio chegou". Na década de 1960, as conservas deixaram de ter
escoamento e o negócio começou a falir. A escassez de trabalho levou a
despedimentos e ao consequente abandono da terra. Apesar da idade e de
carregar o fardo de ter perdido, há quatro anos, um filho ali nascido,
mostra de que é feita uma mulher lutadora: "Se isto for vendido e se
for preciso até venho para cá ainda fazer alguma coisa porque isto tem
grandes potencialidades."
Também o presidente do município de Marvão tem a mesma opinião,
salientando que a aldeia "está em estado quase selvagem no que
respeita à fauna e a flora, que é muito rica e, como tal, pode ser
rentabilizada na vertente turística". E prossegue: "Se alguém quiser
fazer deste local um empreendimento tem aqui um bom espaço, ajudando o
concelho com a criação de postos de trabalho e melhoria da economia
local."
Financiamento falhado
Um arquitecto, que prefere para já manter o anonimato, confirmou ao
PÚBLICO o seu interesse na compra da aldeia. O potencial comprador já
solicitou informações à câmara e pretende agendar uma visita ao local.
O seu intuito principal passa por desenvolver um projecto agrícola,
não declinando a vontade de recuperar o conjunto do edificado. O
presidente da autarquia garante ajuda para a concretização do negócio,
no que respeita à parte burocrática do licenciamento e a eventuais
candidaturas a fundos comunitários.Victor Frutuoso diz que, há cerca
de quatro ou cinco anos, houve um empresário holandês interessado em
fazer um empreendimento turístico relacionado com a gastronomia,
produtos biológicos, hotelaria de grande qualidade, "mas não teve
sucesso no financiamento". Agora, todos anseiam para que a história
não se repita.
http://www.publico.pt/Local/aldeia-a-venda-em-marvao-ja-tem-um-investidor-interessado-1521753?all=1
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