domingo, 4 de setembro de 2011

2011 será um ano de bom vinho?

Vindimas
António Freitas de Sousa
04/09/11 17:14
O Instituto da Vinha e do Vinho previu uma quebra acentuada da
produção de vinho no final das vindimas - que já arrancaram por todo o
país. Mas o mais importante é a qualidade.
O mundo português dos vinhos - que engloba a quase totalidade do
território salvo as praias e os centros das cidades - já entrou na
azáfama e na ebulição das vindimas. A festa - é de uma festa que se
trata - decorre ao longo do próximo mês e agrega um ano inteiro de
esperanças, medos e sulfato, que viticultores e enólogos atiraram
sobre as ramadas, numa dedicação apaixonada que não tem paralelo no
mundo quase morto da agricultura.

São poucas semanas que permanecem uma incógnita até os lagares estarem
cheios daquela espuma e daquele cheiro que não se confundem com nenhum
outro cheiro nem com nenhuma outra espuma, e que uma manhã de chuva a
mais ou uns minutos de granizo deslocalizado no tempo e na hora podem
atirar para o fundo do desalento.
As previsões para este ano não eram, à partida, as melhores: o
Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) coligiu um documento em que dava
nota da precariedade quantitativa da vindima deste ano, depois de
meses em que as doenças tradicionais (míldio e oídio, principalmente)
evoluíram como lhes apeteceu, na esteira de um ano com poucas chuvas e
quase nenhuns frios que limpassem os bagos de mazelas desnecessárias.
O IVV dava indicação de que a vindima entretanto em curso iria ficar
1,2 a 1,5 milhões de hectolitros abaixo do realizado no ano anterior.
À partida, essa indicação não foi entendida como a eminência de um
desastre. Por uma razão simples: a vindima de 2010/2011 apurou uma
produção total nacional da ordem dos 7,1 milhões de hectolitros - o
que representava um crescimento de 21% em relação ao ano anterior, só
comparável à vinificação atingida em 2006/2007 (7,5 milhões de
hectolitros). Ou seja, o vinho em carteira (em stock) abunda em todas
as regiões, e uma vindima não tão 'cheia' como a do ano anterior está
longe de colocar os viticultores em estado de alerta. Bem pelo
contrário.
Mas, um périplo pelas principais regiões vitivinícolas do país permite
concluir que, em princípio (a vindima ainda não acabou em nenhum
lado), a quebra geral de produção - que o IVV estimava situar-se entre
os 17% e os 22% - não deverá atingir as proporções anunciadas por
aquele organismo do Ministério da Agricultura.
Região a região
De Norte para Sul, o mundo português começa na região dos vinhos
verdes, para onde o IVV previa uma excepção - a única no território
continental, aliás: um aumento da produção da ordem dos 5% (mais 50
mil hectolitros). Manuel Pinheiro, presidente da Comissão Vitivinícola
dos Vinhos Verdes, confirmou ao Diário Económico essa perspectiva: "a
produção deverá ser um pouco superior à de 2010/11", o que irá
reflectir-se negativamente no preço da uva, "mas sem grandes
alterações. Na área do Alvarinho (na fronteira entre o Minho e a
Galiza), o aumento de produção poderá ser um pouco mais expressivo que
no resto da região. A má notícia é que o stock de vinhos na região
aumentou face ao ano passado, o que não é bom para os produtores
(recorde-se que a capacidade de envelhecimento do Vinho Verde é muito
pequena, e parte dos stocks seguem para a transformação em
aguardente).
Na região do Douro, que cruza com o Verde por alturas de Baião, a
produção será claramente menor, mas as quebras talvez não atinjam os
25% declarados pelo IVV. Paul Symington, um dos maiores produtores da
região, disse que "a vindima será claramente mais pequena", mas nada
que faça perigar a produção regional - que, por outro lado, tem muitas
pipas cheias de produção de anos anteriores. Segundo aquele produtor,
o último acidente no Douro deu-se por alturas do S. João (24 de
Junho), quando "as uvas da casta Barroca desapareceram do mapa".
"Muitos produtores ficaram com a vindima feita", disse Paul Symington.
Em Trás-os-Montes, é possível que suceda uma situação semelhante à do
Douro: o IVV previu uma quebra de produção da ordem dos 7%, devido
principalmente à instabilidade climatérica, mas talvez as coisas
fiquem mais próximas da vindima anterior.
Arlindo Cunha, ex-ministro da Agricultura e actual presidente da
Comissão de Viticultura do Dão, disse que "a colheita na região será
seguramente inferior à do ano passado". Mas a redução proposta pelo
IVV (25%) não deverá ser atingida. Quando muito, disse Arlindo Cunha,
a redução deverá situar-se entre os 15% e os 20% mas, não quis deixar
de salientar, "sem que estas previsões tenham rigor científico, são
apenas baseadas nas opiniões dos produtores".
As sub-regiões que estão associadas ao Dão - Bairrada e Beira Interior
- deverão seguir as mesmas pisadas: não deverão atingir as quotas
previstas (10% para a Bairrada e 30% para a Beira).
Na região do Tejo, as perspectivas dos operadores mudam de tom. O
presidente da Comissão Vitivinícola, José Pinto Gaspar, disse ao
Diário Económico que a quebra de produção poderá ser pior que a
prevista pelo IVV (22%). E exemplificou: "a adega de Almeirim tem uma
redução na produção de vinhos brancos que atingiu os 50%". Sem ter uma
certeza onde a quebra poderá chegar, Pinto Gaspar afirma que, de
qualquer modo, "as vendas e as exportações não estão em perigo, dado
que só 30% do vinho produzido na região é certificado" como DOC.
Na enorme região de Lisboa, a Comissão reforça a previsão do IVV:
"estamos à espera de uma redução de 17%, devido à instabilidade do
tempo", que originou uma anormal propagação de doenças, afirmou o
técnico Alexandre Andrade.
No Alentejo, a redução segue em linha com o previsto pelo IVV. O
Instituto avançara com uma previsão de quebra de 18% e Dora Simões,
presidente da Comissão local, avançou que "não será superior aos 20%",
numa altura em que os brancos já estão praticamente todos a estagiar
no remanso dos armazéns e a azáfama se circunscreve aos tintos. Na
sub-região de Setúbal, contígua ao Alentejo, a redução deverá ser da
mesma ordem de grandeza.
No Algarve, fonte oficial da Comissão afirmou que a produção também
segue em linha com as previsões do IVV: uma quebra de 15% face ao ano
anterior.
Finalmente, nas ilhas - onde não foi possível falar com nenhum
responsável - as previsões do IVV apontam para a manutenção da
produção na Madeira e para um assinalável aumento nos Açores (mais
65%, alteração que fica a dever-se à produção muito limitada, onde
qualquer variação tem uma influência percentual muito grande).
A questão e a qualidade
Mas a grande questão, quando a conversa é vinhos, é bem mais a
qualidade que a quantidade. E nesta área tudo leva a crer que os
apaixonados (englobando-se agora os que se limitam a comprar vinho)
podem estar descansados: todos os responsáveis contactados são
unânimes em afirmar que estamos perante um ano de grandes vinhos.
Dora Simões, do Alentejo, foi particularmente enfática quando
pré-apreciou o que se prepara nas largas planícies alentejanas: "vai
ser muito bom". E Paul Symington não podia ser mais óbvio: "Se tudo se
mantiver como até aqui [na terceira semana de Agosto] é muito possível
que estejamos perante um ano 'vintage' no Vinho do Porto".
Postas as coisas neste pé, a conclusão a tirar é que o mundo do vinho
está possivelmente perante um ano muito positivo: não está a trabalhar
para os stocks e a qualidade poderá ser de primeira ordem. Isto se o
clima - que tão pouco ajudou durante o ano - se mantiver quieto no seu
fim de Verão disfarçado de Outono: sem chuvas com muito a declarar,
sem granizos que venham estragar tudo e sem a inclemência do Sol, que
agora se quer afastado das últimas uvas.
Um sector suspenso nas notícias, provavelmente más, sobre o IVA
Os responsáveis do sector dos vinhos estão suspensos na eventualidade
das más notícias: o IVA vai ou não vai aumentar? É que, se o Governo
legislar no sentido do aumento do imposto sobre o consumo - e nada
indica que em definitivo não o venha a fazer - o sector dos vinhos vai
passar por uma fase de grande dificuldade.
O consumo de vinhos tem vindo a baixar sustentadamente de há vários
anos a esta parte. As leis sobre as taxas de alcoolémia permitidas na
condução foram a primeira nota de que os hábitos de consumo iam mudar
radicalmente.
A lei que impede o consumo de tabaco em locais fechados - com
excepções caras e de difícil aceitação por quem legaliza espaços
comerciais - foi outra machadada no sector dos vinhos. Que, por outro
lado, nunca chegou a entrar no chamado negócio da noite: aí, o consumo
vai para a cerveja ou para as bebidas brancas, de importação. E o
problema da dificuldade de penetração no negócio da noite traz outro a
jusante: os jovens fidelizam-se à cerveja e ao whisky (em detrimento,
respectivamente, do vinho e do Vinho do Porto), colocando em perigo o
consumo interno.
A escapatória, para o sector, foi a aposta nos mercados externos. Mas,
como afirmava Paul Symington, no exterior também é possível
observarem-se os primeiros sinais de abrandamento do consumo.
Entretanto, vários responsáveis queixam-se de abandono: como o vinho
lá vai vendendo - e levando o nome do país até mercados externos - o
Ministério da Agricultura não tem o sector no primeiro plano das
preocupações. Talvez seja, dizem, a hora de mudar. Antes que depois já
não haja nada para mudar.

http://economico.sapo.pt/noticias/2011-sera-um-ano-de-bom-vinho_125854.html

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