(Nos últimos anos, criou-se uma imagem idílica do Douro que não
correspondia às dificuldades que o sector chave da região sentia. Era
o Douro Turístico, a 1ª Região Demarcada do Mundo, o Douro Património
Mundial, o Douro da National Geographic, o Douro dos Festivais de tudo
e mais alguma coisa, o Douro das homenagens, etc., etc., etc. Enquanto
isso, a Casa do Douro definhava, o inter-profissionalismo era
enterrado, e o Comércio abafava a Produção. Agora, que tudo parece
consumado, que será deste Douro se grande parte dos seus 30 mil
pequenos e médios produtores, abandonarem a actividade?)
As gentes do Douro sempre foram tidas como ordeiras e pacíficas. Das
poucas vezes na História em que se revoltaram e saíram à rua, foi
porque os motivos eram graves demais, e depois de serem martirizados
até ao limite. Desta forma pacífica e quase submissa de estar, se
queixava João de Araújo Correia, escritor e médico que os conhecia por
dentro e por fora como ninguém.
Por isso, as recentes manifestações de produtores vinícolas na Régua,
a última das coisas foi particularmente "quente", só foi possível
porque a situação é muito grave. Andamos há meses (anos) a dizer que a
situação da economia no Douro estava a agravar-se. Que as prioridades
governativas estavam invertidas. Que os dirigentes locais estavam a
ignorar o problema. Que os organismos criados estavam a passar ao lado
do que de mais importante estava acontecer. Que, a continuar-se assim,
o Douro estava condenado.
De facto, durante estes anos andou-se a emoldurar o Douro com uma
auréola que não correspondia à realidade. Era o Douro Turístico, o
Douro Vinhateiro, a 1ª Região Demarcada do Mundo, o Douro Património
Mundial, o Douro da National Geographic, o Douro dos Festivais de tudo
e mais alguma coisa, o Douro das homenagens, etc., etc., etc.
E a imagem que se foi criando na mente dos agricultores foi a de que
havia um futuro risonho no Douro, onde se devia apostar. E por isso,
endividaram-se na tentativa de melhorar os seus métodos de trabalho,
as suas produções, as áreas de cultivo. Não sem aviso, toda a gente
foi embarcando neste limbo, percebendo que o Douro é o que é graças à
pluralidade da sua propriedade, graças aos cerca de 30 mil pequenos e
médios produtores, mas não entendo que os alicerces desse Douro
estavam na forma como se conseguia estabelecer o equilíbrio entre quem
produz e quem vende. E esse equilíbrio era possível graças a dois
factores: à unidade da Produção com uma instituição forte que os
representava (a Casa do Douro), e à prática consequente do
inter-profissionalismo, que a Lei consagrava e as instituições
representativas das partes envolvidas, aceitavam. Era deste equilíbrio
que se garantia a sustentabilidade de um sistema para o qual ainda não
se arranjou (em nenhuma parte do mundo) substituição.
Contudo, na calada dos corredores do Poder, foi-se manipulando a
política em favor de uma parte, porque essa parte tinha um Poder que a
outra não tinha – o financeiro. E a cruzada começou. Á custa de um
negócio mal feito pela Casa do Douro, de memória longínqua e de
valores ridículos para o que estava em causa, foi-se destruindo este
pilar. Dia a dia, como um rato que rói um cano de ferro, o Poder foi
enfraquecendo a instituição que garantia a tal unidade dos produtores.
Poderes tradicionais em que assentava a sua reserva financeira,
foram-lhe retirados. Património Cadastral de sua autoria, foi-lhe
roubado. Penhoras sucessivas e ameaças foram-na desgastando. Até que,
finalmente, a conseguiram destruir. E, destruída a Casa do Douro, a
tal unidade da Produção desfez-se. Não é fácil unir 30 mil famílias.
Entretanto, outras formas de associação foram sendo implantadas no
terreno, mas nenhuma até hoje conseguiu ter a preponderância e o
carisma que a ancestral Casa do Douro tinha.
Assim, o Comércio foi fazendo deles o que quis. Até se chegar aos dias
deste Setembro de 2011, onde o desespero obrigou a que centenas de
agricultores baixassem em protesto às ruas da Régua. Pelo meio, o
Instituto de Vinhos do Douro e Porto, eixo fulcral da conspiração e
onde caíram os poderes e património anteriormente detidos por quem de
direito.
Se pensarmos bem, foi uma década onde os sucessivos governos, com
especial relevância para o de Sócrates, se colocaram em definitivo ao
lado do Comércio contra Produção. E, para impingirem uma imagem
idílica do Douro, que se desmantelava e era cobiçado por meia dúzia,
criaram os tais organismos que se encarregaram de construir uma
moldura dourada à volta de um Douro que definhava. Criaram-nos,
rechearam-nos de gente submissa ao seu poder e financiaram-lhe todos
os caprichos.
Mil vezes o dissemos e continuamos a dizer: o Douro sem os seus
pequenos e médios produtores, é inviável. Da desistência desta gente,
da venda ao desbarato das suas terras aos "senhores do Douro", da
industrialização maciça da vinicultura, da liberalização de todo o
sistema, poderá nascer outro Douro, mas em tudo será diferente deste.
Este Douro, o tal do Património Mundial, deixará de existir, com a
garantia de que o que virá a seguir será mau. Muito mau.
Numa altura em que as vindimas vão começar, vão ser umas tristes vindimas.
Catastróficas para a Produção. Mesmo que seja um bom ano agrícola.
Porque a base de sustentação deste Douro: a actividade vitivinícola
desenvolvida pelos seus milhares de agricultores, centrada na
representatividade da Casa do Douro e no sistema inter-profissional,
acabou.
Agora, mandará quem pode. A mentira ganhou mais uma vez.
Por Francisco Gouveia, Eng.º
(o autor escreve pela ortografia antiga)
gouveiafrancisco@hotmail.com
http://www.dodouro.com/noticia.asp?idEdicao=366&id=24922&idSeccao=4181&Action=noticia
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