sábado, 14 de março de 2015

Biocombustíveis: a energia "verde" que é pior que o petróleo

JOÃO CAMARGO

A necessidade de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, levou à procura crescente de alternativas energéticas à utilização dos combustíveis fósseis. Nesse caminho chegou-se a novas alternativas mas também a becos sem saída. A necessidade de repensar os modelos de produção e consumo energético é tão ou mais importante quanto encontrar novas fontes de energia. O desastre dos biocombustíveis é o exemplo acabado disto.
 
João Camargo - Engenheiro do Ambiente e Doutorando em Alterações Climáticas

9:44 Sexta feira, 13 de Março de 2015 | 0 comentários
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O desenvolvimento de tecnologias que até há pouco tempo altura tinham importância reduzida (eólica, geotérmica, solar, das ondas e marés, biocombustíveis) e o reforço da tecnologia nuclear e hídrica que já tinham dimensão, recebeu forte investimento de organismos públicos e privados, Universidades e Centros de Investigação, governos e empresas. A substituição das fontes primárias de energia fósseis por outras foi sendo promovida com a racionalidade da redução de emissões de gases com efeito de estufa, para reduzir o impacto da actividade humana sobre o planeta e o seu clima.

Os biocombustíveis, com origem em biomassa de plantas ou microrganismos foram desde o início anunciados como sendo carbono-neutros, isto é, com uma soma nula de carbono, uma vez que o carbono libertado na sua combustão equivaleria ao capturado pela fotossíntese alguns meses ou anos antes. Além dos benefícios em termos de redução de emissões de gases com efeito de estufa, eram ainda apresentadas vantagens para a utilização de biocombustíveis em termos de aumento de investimento na agricultura e aumento da segurança energética nos países, podendo na maior parte dos casos ser produzido localmente.

De 2000 a 2012 a geração de electricidade a partir de energias renováveis quase duplicou. Se se excluir o aumento da geração de electricidade a partir de fontes hidroeléctricas, as outras renováveis aumentaram mais de quatro vezes entre 2000 e 2012. Em 2013 a produção mundial de biocombustíveis foi de 65.348 milhões de toneladas-equivalente de petróleo. A União Europeia a 27 produziu 172.290 barris de biodiesel por dia (principalmente a partir da colza) em 2012, enquanto os Estados Unidos produziram 875.558 barris de etanol por dia (principalmente a partir do milho) no mesmo ano. Em 2012, a produção dos biocombustíveis equivalia a 10% da produção primária total produzida (mundial) e a 12,4% da energia consumida em todo o mundo.

Além do investimento nas energias renováveis, houve um aumento de consumo fortemente influenciado pelas metas europeias de redução de emissões e pela legislação europeia que tornou a utilização de biocombustíveis compulsória através das Directivas dos Biocombustíveis, da Qualidade dos Combustíveis e da Directiva das Energias Renováveis. Apenas para 2011, a União Europeia subsidiou a produção de biocombustíveis em 5,5 a 6,9 mil milhões de euros através de preços de mercado garantidos para produtores dos Estados Membros, isenções fiscais e apoio à Investigação e Desenvolvimento. O etanol foi subsidiado entre 15 e 21 cêntimos de euro por litro e o biodiesel entre 32 e 39 cêntimos por litro.

Os biocombustíveis consumidos na UE utilizam uma área agrícola equivalente à Bélgica dentro do seu território, sendo que se importam ainda colheitas agrícolas para produção de biocombustíveis cultivados em mais uma área equivalente à utilizada dentro do seu território. São precisas portanto duas Bélgicas de culturas de biocombustíveis para alimentar os automóveis europeus. Para este efeito são gastos 3 a 4 mil milhões de euros na importação de óleo de palma, óleo de soja e outras oleaginosas para biodiesel, assim como de 500 milhões de euros para produção de etanol.

A entrada em vigor da Directiva dos Biocombustíveis em 2003 determinou uma meta voluntária de substituição dos seus combustíveis fósseis no transporte rodoviário em 2% até 2005 e 5,75% até 2010, e uma introdução de 10% de biocombustíveis até 2020.

Desde o início da expansão das culturas destinadas à produção de biocombustíveis, houve denúncias por parte de variadas organizações oficiais e não-governamentais por todo o mundo, em particular nos países em desenvolvimento, acerca dos impactos sociais e ambientais provocados pela procura crescente de biocombustíveis. Um dos primeiros impactos a ser notado foi o aumento dos preço dos alimentos: a concorrência das culturas energéticas com as culturas alimentares, com as primeiras subsidiadas por organismos públicos (nomeadamente a União Europeia e o governo dos Estados Unidos), provocaram forte distorção, com um aumento dos preços constante entre 2001 e 2008, quando se atingiu um pico e o preço do milho e do trigo duplicou. As práticas de roubo de terras e dos meios de subsistência das populações onde se instalaram as culturas para biocombustíveis foram mais um factor de desestabilização social. Mesmo a instalação em zonas que já eram agrícolas levou a um aumento da área cultivada para a produção de alimento, muitas vezes ocupando terrenos previamente estáveis. O desmatamento de florestas tropicais para a introdução de colheitas alimentares e energéticas, assim como a destruição de outras florestas, pastagens e zonas húmidas decorrentes da contínua procura de biocombustíveis traduziu-se em mais um sinal de insustentabilidade.

O impacto da expansão das áreas desmatadas para a expansão dos biocombustíveis tem, impactos especialmente gravosos sobre a bacia do Amazonas e sobre a bacia do rio Congo. Curiosamente, a desflorestação contribui mais para as emissões de gases com efeitos de estufa do que todo o sistema global de transportes, principal utilizador dos biocombustíveis.

Em Outubro de 2012 a Comissão Europeia propôs uma limitação à conversão de solos para a produção de biocombustíveis, avançando com uma proposta de redução da meta de 10% das renováveis até 2020 para 5%. Como pano de fundo para esta proposta, estava a introdução dos factores que causam impactos indirectos da mudança no uso dos solos para cada uma das colheitas agrícolas. Estes factores permitiram avaliar não apenas as emissões de dióxido de carbono produzidas a partir da combustão, que seriam carbono-neutras, mas também as emitidas pelas actividades associadas e imprescindíveis à produção: provocadas pelo deslocamento da agricultura ou da produção florestal para outras áreas, para outros países, regiões e biomas, além do comércio internacional.

Se adicionarmos as emissões de gases com efeito de estufa às emissões de carbono da combustão dos diversos biocombustíveis concluímos que entre os mais utilizados na Europa (biodiesel de colza, de soja e de palma), o de palma e o de soja emitem mais gases com efeitos de estufa do que os próprios combustíveis fósseis comuns, e que a colza emite apenas ligeiramente menos do que o diesel fóssil. O biodiesel de palma, de soja e de colza têm uma pegada de carbono acima do crude e abaixo apenas das areias betuminosas.

Se se cumprir a meta da directiva europeia para os 10% de biocombustíveis até 2020, emitir-se-ão entre 80 e 160% mais gases com efeito de estufa do que mantendo a utilização de combustíveis fósseis.

A necessidade de alternativas à utilização de combustíveis fósseis é evidente. A aposta massiva em biocombustíveis, cujo principal avanço se baseou na necessidade de reduzir os combustíveis fósseis, revelou que as renováveis, quando expostas à mesma lógica de produção que aquela que fez emergir o modelo energético dependente do petróleo, revelam efeitos iguais ou piores do que a fórmula original. Esta questão não se cinge aos biocombustíveis, uma vez que os efeitos adversos de outras renováveis, quer a nível de emissões, quer a nível de impactos sociais e ambientais sobre a biodiversidade e outros factores, acumulam- se quando simplesmente se muda a fonte de energia sem alterar os níveis de consumo, o modelo de produção massivo ou o modelo de transporte. O caso dos biocombustíveis é apenas um dos mais evidentes, onde acresce a questão moral de converter solos para a produção alimentar nos países mais pobres em solos para produção energética para automóveis nos países mais ricos do mundo.

A força dos sectores produtivos agrícola e industrial na Europa e nos Estados Unidos forçou, no caso dos biocombustíveis, a aposta continuada numa política pública contrária ao seu objectivo declarado de reduzir as emissões de carbono, e que incentiva o aumento das emissões.

Em Março de 2013, o Conselho de Ministros do Ambiente da União Europeia recusou-se a baixar a meta para 5% de biocombustíveis, proposta pela Comissão Europeia, e mantém-se até hoje nos 10%. Em Fevereiro de 2015 o Parlamento Europeu aprovou reduzir a meta para os 6%, ainda assim acima do que existe hoje.


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