sábado, 30 de março de 2013

Cortiça: da árvore à garrafa de vinho

Publicado em 27/3/2013 por Isabel Pereira

Falar em cortiça sem falar em rolha é quase impossível. Mas como se
transforma a casca de uma árvore numa pequena rolha? E afinal o que
tem a cortiça de tão especial para o vinho?


É de meados de Maio a finais Agosto que, todos os anos, recomeça o
processo que levará ao fabrico das rolhas de cortiça. O
descortiçamento - extração da casca do sobreiro - marca este início.
Trata-se de um processo ancestral feito por "descortiçadores"
especialistas.[ver recursos]

Após a extração, e antes de entrar no circuito industrial, o material
deve ficar em repouso durante um período de pelo menos seis meses. As
pranchas de cortiça são empilhadas e permanecem expostas ao ar livre,
ao sol e à chuva. Este processo segue no entanto regras[ver recursos]
que ditam, por exemplo, que a cortiça deve ser empilhada sobre
materiais que não a contaminem, e que deve evitar-se o contacto com o
solo.

Finalmente chegada à indústria, esta matéria-prima passa por uma
cozedura, com vista à sua desinfeção, e à alteração da sua estrutura
interna. Durante este processo o gás contido dentro das células de
cortiça expande-se, fazendo com que a sua estrutura se torne mais
regular e o seu volume aumente cerca de 20%.

Segue-se um novo período de repouso de duas a três semanas para que a
cortiça obtenha a consistência necessária e a humidade ideal (14 %).
Depois, as pranchas são separadas com base na espessura, porosidade e
aspeto; são cortadas em tiras (rabaneadas); e perfuradas para se obter
a rolha cilíndrica (brocadas) [ver recursos]. Antes de ser
distribuída, cada rolha de cortiça natural é ainda retificada para ter
as dimensões previstas, e é alvo de última lavagem, normalmente com
água oxigenada ou ácido paracético [ver glossário].

Todo este processo é acompanhado por um constante controlo de
qualidade. O tricloroanisole (TCA) é dos nomes mais temidos pelos
laboratórios. Trata-se de uma substância que leva a um desvio
sensorial no vinho a que vulgarmente se chama "gosto a rolha", e que
chegou a ser vista como a sentença de morte da rolha de cortiça. No
entanto a investigação científica permitiu que se criassem métodos de
prevenção, deteção e remoção de TCA que vão da tradicional análise
sensorial à sofisticada cromatografia gasosa[ver glossário], e que são
hoje globalmente aplicados no setor rolheiro. [ver recursos]

Cortiça + vinho: melhor qualidade e vantagens para a saúde

"A cortiça é, acima de tudo, um bom vedante devido às suas
características físicas", refere Luís Gil, responsável pela Rede
Temática do Sobreiro e da Cortiça, do Laboratório Nacional de Energia
e Geologia (LNEG).

Destaca-se pela sua flexibilidade, elasticidade e compressibilidade.
Uma rolha é composta por cerca de 750 milhões de células cujo interior
está recheado de uma mistura gasosa semelhante ao ar, o que permite
que possa ser comprimida para ser inserida no gargalo e recupere
depois a sua forma inicial, e que se vá adaptando conforme a dilatação
e contração do vidro em consequência de mudanças na temperatura
ambiente.

Destaca-se também pela sua leveza (cerca de 0,16 gramas por centímetro
cúbico); pela imputrescibilidade com uma elevada resistência à
humidade; e pela impermeabilidade total a líquidos e quase total a
gases, graças à suberina [ver glossário] que reveste as suas células.

"Trata-se de uma excelente solução também para a vinificação do
próprio vinho", salienta Joaquim Lima, diretor geral da Associação
Portuguesa de Cortiça (APCOR). De facto, o contacto com a cortiça
permite ao vinho evoluir dentro da garrafa, uma vez que lhe dá acesso
à quantidade de oxigénio ideal para a sua micro-oxigenação. A cortiça
tem ainda elementos químicos que em contacto com o vinho apuram as
suas características organoléticas, como por exemplo a vanilina, que
apura o aroma.

Estudos recentes fazem querer que a relação cortiça-vinho pode ser
vantajosa também para a saúde do consumidor. Segundo Luís Gil, a
cortiça conta na sua composição com a presença de um elemento chamado
"vescalagina, que em contacto com o vinho produz um composto
anticancerígeno - a Acutissimina A".

Glossário:

Ácido paracético – Composto orgânico com a fórmula CH3CO3H. É ideal
como agente antimicrobiano devido ao seu elevado potencial de
oxidação. É amplamente eficaz contra microrganismos

Cromatografia gasosa – Método usado em química orgânica para separação
de compostos à escala "nano"

Suberina – Principal constituinte da cortiça, ao qual as paredes das
células devem as propriedades que as tornam impermeáveis, resilientes
e imputrescíveis. É uma mistura de ácidos orgânicos

Imagem: APCOR

http://www.ciencia20.up.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=577%3Acortica-da-arvore-a-garrafa-de-vinho&catid=20%3Aartigos

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