terça-feira, 26 de março de 2013

Vascões ou a agricultura segundo o Estado Novo


Colónia Agrícola da Boalhosa, em Paredes de Coura, foi criada pela Junta de Colonização Interna de Salazar para povoar o Minho interior. Ainda ali vivem alguns ex-colonos
Publicado às 00.34
IVETE CARNEIRO


foto RUI OLIVEIRA/GLOBAL IMAGENS

Colónia agrícola da Chã de Lamas foi ocupada em 1957.Tinha água canalizada e sistema de combate a incêndios


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Florinda lembra-se de quando aquilo foi feito. "Vivia-se mal". Era pobre, ela. O marido recente também. Ele de Vascões, ali ao lado, ela de Bico, há freguesias com nomes assim no interior verde de Portugal. Inscreveram-se para a oportunidade que o bom do Estado Novo lhes oferecia: casa e terra. "Tive de ir ao médico saber se estava boa para a lavoura". Assim. Certificado de aptidão para alombar. Mudou-se em 1957.

A ex-Colónia Agrícola da Boalhosa, nos fins de Paredes de Coura, abre-se com singulares dizeres. "Pedi a Deus um conselho / Para encontrar alegria / Deus mostrou-me a terra e disse / Trabalha, semeia e cria..." Uma espécie de "Arbeit macht frei" em azulejo, numa terra portuguesa, com certeza. "Foi muito duro. Muito muito". Florinda Barbosa, a do João do Grilo que já lá foi há um par de natais, até pedras andou a tirar dos baldios que a Junta de Colonização Interna quis tornar cultiváveis em prol de melhores condições para os pobres da terra e do povoamento de zonas recônditas, na década de 1940. Hoje, diz-se simplesmente que ali eram os baldios que foram usurpados a Vascões para experimentar a agricultura em versão quase latifundiária, devidamente mecanizada. Durou 30 anos.

Foi um teste quase único - a experiência comunitária terá soado demasiado comunitária aos donos de Portugal - e, admitamos, visto do miradouro, uma bela experiência de urbanismo. Ex-colonos, já são poucos. Muitas casas estão fechadas e as experiências de recuperação, individualizadas, descaracterizam este raro testemunho do passado. Começa no alto, junto à escola e à casa do professor (hoje Centro de Educação e Interpretação Ambiental da Paisagem Protegida do Corno do Bico), com a rua de Cima. A meio, está a do Meio, em baixo a de Baixo, e, antes dos campos e do forno comunitário, a do Fundo. Lógica acima de tudo.

Nas margens dos nomes, 15 casas geminadas. "Era feito para 30 casais, mas como era muito duro, só ficamos dez", a partir de 1971, com casa e meia cada. Autênticas mansões agrícolas e 672 hectares de terra comum, cujo fruto tinha de ser partilhado com o Estado, na proporção de um para seis. Os porcos eram de todos, os patos, a vacaria, o batatal.

"O Estado fez a experimenta e, quando viu que dava mais ou menos, entregou-nos". Mais coisa menos coisa. Criou-se a Sociedade dos Agricultores da Boalhosa, com regalias de cooperativa, viva até 1988, ano de extinção da colónia e da venda das terras de sequeiro, regadio e horta a quem ficara.

Por quanto? Florinda não tem ideia. Contas só aos filhos, oito mais um, falecido, criados pelos seis quartos que tinha. Lurdes, a mais nova, vive com a mãe e lembra-se de quando eram 20 e tal no recreio da escola que fechou em 1998. Fernando, um dos do meio, herdou a meia casa onde o João do Grilo punha uns porcos. Florinda faz ainda contas ao tempo que o homem dela passou na França de onde a contaminou com a forma como pontua verdades absolutas. "Boilá". E aos 82 anos, para cima de 50 na Chã de Lamas onde há uma cidade submersa, com sinos e mouras encantadas na lagoa. "Que aquilo deve ter alguma coisa, deve, uma velhota viu um grande coradouro e não era nada". Boilá. v

http://www.jn.pt/paginainicial/pais/concelho.aspx?Distrito=Viana%20do%20Castelo&Concelho=Paredes%20de%20Coura&Option=Interior&content_id=3130146

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